Rara liderança em uma grande agência e primeira CEO da Grey no Brasil, Marcia Esteves talvez seja a mais jovem executiva do mercado publicitário no topo da montanha. Ela nasceu em fevereiro de 1982 e tem, portanto, 36 anos de idade. Marcia considera os atributos que vieram junto com a presidência da casa, mas prefere escapar de rótulos. “Vira uma pressão enorme.” Além do alto posto, ela é dona de um par de olhos verdes, carrega uma simpatia genuína e fala sobre tudo, inclusive da vida, com muita espontaneidade. No entanto, escolhe bem as palavras.
Afirma não sofrer machismo, mas ouve com certa frequência comentários, digamos, não muito elegantes. “Escuto bastante duas coisas. Uma: ’Você acha que está nessa posição porque é uma pressão da sociedade ou tem capacidade?’ Outra: ‘Como você é feliz se não está casada e não tem filhos?’. Eu acho essas colocações engraçadas, nada disso me ofende. Mas modinha na cadeira de presidente não tem cabimento. Para mim, é um grande aprendizado e, se eu não tiver competência para estar nesta posição, não quero o lugar, que é de muita responsabilidade com o anunciante, o mercado, os parceiros, o grupo, a equipe. Sobre a minha vida particular, só digo que sou muito feliz, não tenho queixas”, garante.
Também não pensa em fazer uma gestão exclusivamente feminina. Justifica: “Sempre acreditei na troca. Desejo que as mulheres tenham cada vez mais espaço e acho que isso está acontecendo naturalmente. Entramos mais tarde no mercado de trabalho, logo vamos chegar mais tarde aos postos de liderança. Mas não tenho nenhuma bandeira forte, do tipo só mulheres. Acredito que o complemento é muito interessante quando se lida com criatividade. Não existe um ponto de vista certo, uma ideia boa ou ruim. Existe um grupo de pessoas, que juntas fazem melhor”.
“Absolutamente confortável” na cadeira que ocupa desde março último, Marcia conta que esse era um processo natural. Na prática, ela e Rodrigo Jatene vinham dividindo o comando da Grey Brasil há um tempo, desde quando Sérgio Prandini deixou o posto de CEO e a empresa passou por um período de turbulências com trocas de comando. “Humildemente aceito esse desafio. Estou certa de que tenho muito a aprender com grandes pessoas que me inspiram na rede e me orientam sempre que preciso. E, na verdade, tenho 132 pessoas remando todos os dias, que acreditam no que nós acreditamos. Estou numa das redes mais legais do mundo, em um dos maiores grupos de comunicação do mundo. Nós temos tudo à mão, a melhor equipe, uma agência linda. Só tenho a agradecer e trabalhar muito. Amo o que faço, tenho paixão pela equipe e por esta rede.”
Apesar dos 36 anos, Marcia carrega um currículo invejável e intenso. “Sou uma pessoa de sorte, sempre tive muita. A começar por minha família, que me dá estrutura. Com 15 anos, fui morar na Austrália, aprender inglês, conhecer uma nova cultura e pessoas.” A menina que estudou no Colégio Dante Alighieri e se formou em Comunicação na FAAP entrou no mercado publicitário pela porta da frente, aos 18 anos. Seu primeiro trabalho foi na Fischer, em 2001. Ficou pouco tempo, três meses, mas foi o suficiente para absorver alguma experiência e entender as regras do jogo, como ela mesma diz.
E quis o destino que ela seguisse para a Rapp. “Uma colega da faculdade me disse que eles estavam iniciando uma operação digital para uma instituição financeira. Na verdade, era o site de um banco. Naquela época, a gente discutia tecnologia, não comunicação.” Era um universo totalmente novo a ser explorado
e foi exatamente o que Marcia fez. Seu background, portanto, é o digital. Na Rapp, trabalhou no Brasil e em Barcelona. “Foi uma experiência incrível viver na Espanha. Eu tinha 24 anos e aprendi muito.”
A empresa ganhou mercado e ampliou sua atuação na América Latina. Isso fez com que Marcia alterasse sua rotina, deixando Barcelona para viajar pela AL com a missão de estruturar os escritórios com sua maior expertise: o digital. Suas bases eram Miami e São Paulo. Foram oito anos em muitas viagens até receber uma proposta da Wunderman, empresa do grupo Newcomm, onde permaneceu por dois anos. A parada seguinte foi na Leo Burnett. “Um dos lugares mais incríveis da minha vida, onde conheci um monte de gente que admiro demais, como Paulo Giovanni. Foi um período maluco porque fiquei só um ano lá e sou uma garota de longo prazo, que mantém amigos, os namoros são longos, os trabalhos também. Persisto, insisto, acredito no ser humano, a gente erra, acerta, olha no olho e vai em frente. Pensava que eu ia passar a vida na Leo. Mas…”
Parada obrigatória
Na metade de 2013, Marcia assistiu meio à distância o processo de fusão da Grey com a New Energy, também do grupo Newcomm. Um momento desses é sempre delicado: duas empresas se unindo, pelo menos duas culturas se juntando, os clientes de uma e de outra, discussões de lideranças. O presidente da nova Grey era Walter Longo. Outra executiva-chave da operação foi Sylvia Panico.
No meio desse movimento todo, Marcia foi convidada para comandar a integração digital da Grey. Mas a hora era complicada também para ela. “Meu pai ia ser submetido ao seu décimo sexto stent. Eu não tinha cabeça para o trabalho e não consigo ficar no meio do caminho. A Leo vivia um momento incrível, foi um ano muito bom para a agência. Mas eu precisava de um tempo. Os médicos da família alertavam sobre o risco que meu pai corria, um cara que nunca fumou, só bebeu socialmente, tem hábitos saudáveis, mas é portador dessa genética.”
O engenheiro José, pai de Marcia, se recuperou em 20 dias. “Ele é ninja”, ela brinca agora, depois do susto, e avisa que ele vai muito bem. Bate na madeira. O alívio e a felicidade da reabilitação paterna não mudaram a decisão da executiva. “Eu trabalhava desde os 18 anos, nunca tinha parado. Além disso, tive uma carreira internacional muito cedo. Ficar me casa de novo foi muito melhor para mim do que para meus pais, não tenho dúvida. Mas foi bom para eles também, uma troca bacana, só que ganhei muito mais. Voltei para o mercado depois de uns dois meses mais serena e aprendi a estabelecer prioridades. Renovei meus votos comigo mesma. Minha família é o meu melhor colo.”
No começo do ano seguinte, seis meses depois da fusão, Marcia finalmente chegou à Grey como chief digital officer. Mas a casa ainda não estava assim tão sólida e passou por uma série de acontecimentos que balançaram o mercado. Sylvia Panico deixou a agência – hoje está na David – e quis o destino que Marcia ocupasse o lugar vago. “As pessoas dizem que assumi a posição da Sylvia. Nunca digo isso. Sylvia é uma mestra, assumi a minha posição. Ela deixou uma marca.”
Na sequência, Walter Longo também deixou a Grey para, depois, abraçar a direção geral da Editora Abril. Nessa dança das cadeiras, Sergio Prandini foi alçado ao posto de CEO, mas durou pouco tempo na função. Nessa rotatividade estonteante, Rodrigo Jatene chegou à agência para somar como chief creative officer e, com a saída de Prandini, na prática, Marcia e Jatene assumiram informalmente a presidência da empresa – o que foi oficializado alguns bons meses depois.
Obviamente que todas essas mudanças preocupavam os clientes e os funcionários. A operação precisava ser revisitada. Foi iniciado, então, um processo de reestruturação da casa, primeiro focado em gestão de cultura. “Paramos a agência para entender a equipe e a relação com os clientes.” O que quer dizer com “paramos a agência”? Marcia explica: “A roda continuou girando, mas mudamos o modelo. Internamente fizemos um trabalho de olhar para as pessoas e pensar na empresa depois de todas as mudanças com tantos líderes incríveis. Rodrigo Jatene e eu sentamos com os clientes, com toda a equipe, contratamos uma consultoria que trabalhou forte com o nosso RH. Fomos a Nova York para entender como o nosso global reporte trabalhava. A Grey tem uma cultura de pessoas muito forte.”
Marcia conta mais: “Aprendemos demais com a consultoria e desenhamos a missão da agência, os valores. Alinhamos com Nova York o que a Grey do Brasil vai ser até 2020. A verdade é que sabemos onde queremos chegar, só que vamos chegar lá na frente diferentes porque mudamos muita coisa interna, dando boas condições de trabalho para as pessoas poderem produzir. Desenhamos um modelo que não tem só a ver com aumentos salariais, bônus. Tem a ver com respeito. Um processo de gestão baseado em pessoas.”
É uma metodologia avançada e longa, vai até 2020, mas Marcia garante que a reavaliação é diária. “Somos uma colisão de mentes que se debatem para o melhor. Todo mundo junto.” Nos próximos anos, ela garante, a ideia é manter a reputação em alta, ganhar mercado e colocar a Grey entre as top ten do mercado. “Organizamos a operação com os melhores profissionais do mercado para entender as demandas de nossos clientes. Também temos muita transparência nos negócios.”
A arrumação, que é diária, afirma Marcia, continuou em 2016 ao lado dos clientes. “Os anunciantes têm uma parceria conosco, eles constroem a agência junto com a gente do mesmo jeito que construimos suas marcas. Eles têm abertura aqui. Se a gente erra, temos agilidade para fazer a correção e aprender com o erro para que o mesmo não volte a acontecer. Se acertamos, temos o mérito. Não tem mágica ou lógica melhor do que essa, que é ter os parceiros juntos no processo. É muito diferente de cobrança porque passa a ser uma relação de amizade, de construção de um negócio. Nós nos esforçamos para melhorar e construir as marcas e dar resultados para elas, e os clientes nos ajudam a sermos melhores todos os dias. Tenho muita gratidão por isso.”
O resultado de todo esse esforço apareceu no ano passado, quando a base estava sólida e organizada. Foi também o melhor ano da história da Grey no Brasil, justamente no centenário da empresa, que abriu suas portas em 1917 em Nova York – reza a lenda que o nome de batismo da empresa, Grey, que significa cinza em inglês, se deu por conta da cor das paredes do escritório norte-americano; no Brasil, a companhia atua desde 1973. “Fomos a sexta agência mais premiada do país e a quarta nos Effies. Batemos nosso recorde em Cannes”, orgulha-se Marcia.
O ano de 2017 também foi marcado por novas contas. O leque
é grande e bem variado, indo do segmento de beleza ao de alimento e o de investimentos. Por isso, Marcia acredita que é preciso ter um quadro de funcionários multidisciplinar. “Aqui nós não somos uma equipe apenas de publicitários. Temos advogados, jornalistas… Fazemos um complemento não apenas de formação, mas de gênero, classe social. Temos pessoas de outros estados e até de outros países trabalhando aqui. Precisamos aprender uns com os outros.”
Marcia assumiu a presidência em voo solo em março deste ano. Jatene seguiu para os Estados Unidos para fazer a liderança criativa de um dos escritórios da rede. “Ele é amigo de uma vida. Estudou com minha irmã, namorou uma prima. Nós nos reencontramos profissionalmente na Wunderman e não nos separamos mais. Ele foi para a Leo e me levou. Eu vim para a Grey e o convidei. Estou muito feliz por ele, que vai para os Estados Unidos com a família, os dois filhos, uma oportunidade. Estou muito orgulhosa. Vou ficar com saudade, mas agora tenho uma casa em Los Angeles para ir. E, de certa forma, estamos perto um do outro, na mesma Grey.”
Com o bastão nas mãos, Marcia tem o desafio de fazer a Grey crescer mais. A crise que afeta o Brasil não a assusta, embora esteja em alerta. “Temos uma crise global e no país somada a uma crise no mercado de comunicação, onde tudo está sendo rediscutido. É um desafio sentar nesta cadeira como foi me sentar nas outras. A crise sempre existiu. A Grey passou por guerra, pela maior crise da história financeira, a de 1929, outras guerras. Enfim, a instabilidade sempre vai existir e temos de lidar com ela. É um fator importante que não deve ser ignorado, mas gosto de ver todo e qualquer processo de mudança como oportunidade. Esta crise pela qual estamos passando é mais importante porque é de esperança e expectativa. Torço e batalho para que este país seja um país de verdade para todos. Que a gente possa entender que país queremos ter. Precisamos deixar de ser um país que serve um governo e não estou falando de partido político.”
Marcia também conta que o grupo está forte. A WPP, da qual a Grey Group faz parte, é uma das maiores redes de publicidade do mundo e mostra resultados. “Todos estamos afetados, mas, quando a gente fala, troca, as coisas acontecem. O que não dá mais é a gente se encolher e o papel da comunicação é esse. Entrar na casa das pessoas e melhorar a vida delas. Precisamos vender, mas há produtos para melhorar nossas vidas. Isso não vai parar. Os modelos de trabalho, as relações humanas estão mudando e vão mudar mais. Temos de abraçar tudo isso.”
Seja como for, a expectativa de crescimento em margem para este ano, Marcia afirma, é de 15% a 20%. Uma meta agressiva, porém possível, ela acredita. “Até 2020, queremos estar entre as top ten do mercado. Mas também queremos ser uma agência rentável, feliz e saudável de forma consciente. O que significa fazer trabalhos relevantes para que nossas marcas cheguem de forma consistente na vida das pessoas.”
Hora extra
Dentro da Grey, são oito, nove horas de trabalho. Diariamente, de segunda a sexta-feira, Marcia interrompe suas atividades profissionais para almoçar. Regularmente, divide o tempo do almoço entre o prato e exercícios físicos. “Levo a vida normalmente. Se quero que minha equipe tenha qualidade de vida, preciso ter também. Sou viciada em esportes, em mergulho, sou do mar.” Em sua rotina, aulas de coaching – “faço há anos” – e café da manhã com a família.
José, o pai engenheiro que é mais empresário; Maria Cristina, a mãe dentista que gosta de escrever; e Luciana, a irmã advogada, são os esteios forte da presidente da Grey. A família é muito maior, unida e barulhenta, ela conta, e a tia Adriana Carone Batista, médica cardiologista, tem um lugar aparentemente especial na vida da executiva. “Ela é uma gênia.”
Anos atrás, Marcia ficou três meses entre a vida e a morte. “Eu ainda estava na Rapp, viajava muito e amava. O que aconteceu não tem nada a ver com a agência. O fato é que, quando pegamos muito avião, a nossa saliva engrossa. Um dia, uma das minhas bochechas inchou, pensei que era cachumba. No dia seguinte, acordei com muita dor e fui para o hospital. Resultado: tive um cálculo na glândula carótida, que possui um canal estreito. Esse cálculo ficou entalado no canal, provocando uma infecção grave. Foram três meses de tratamento para o antibiótico acabar com a bactéria que se instalou ali. Minha família foi e é fundamental na minha vida.“ Mas e a tia? É ela que segura toda a onda médica com carinho.
De ascendência italiana e portuguesa, Marcia fala que seus olhos claros e seu rosto redondo são a marca genética dos Esteves. “Minha família preenche demais a minha vida. Minha avó teve quatro filhos e ela sempre foi muito letrada. Uma das filhas se tornou diretora da Graded School, a outra é minha tia médica, a minha mãe, que é incrível, linda, maravilhosa, um treco, virou dentista. Hoje não tem mais o consultório, atende ocasionalmente e gosta de escrever. O meu tio também é engenheiro. Somos muito unidos.”
À noite, Marcia costuma participar de eventos profissionais. “Qualquer comemoração dos meus clientes é minha também. E sempre tem viagem. Mantenho uma rotina boa, saudável, o que não quer dizer que não olho e-mail de casa”, avisa.
Das relações fortes e longas que costuma ter, Marcia ainda conta a que teve com seu primeiro namorado, um romance que começou aos 15 anos e foi parar no altar. “Fomos casados por quase cinco anos e hoje somos melhores amigos.” A executiva não teve filhos, mas é madrinha de crianças e torce para a irmã lhe dar sobrinhos. “Não senti o amor de mãe, mas isso não é um drama para mim. Minha vida é completa e feliz. A sensação de liberdade que tenho é o que me faz, toda a vez que paro para pensar nisso, não na maternidade, mas em tudo o que ela envolve, a ter dúvida se entro nisso de novo. Já me casei, amo meu ex-marido. Não estou dizendo não, mas minhas afilhadas já me satisfazem muito.”
Marcia Esteves, a jovem presidente da Grey Brasil, gosta de conversar e tomar café sem açúcar. Em uma hora e meia de papo, foram duas xícaras e uns bons goles de água mineral. Foi um prazer conhecê-la.