Ética e corrupção figuraram entre os principais temas que permearam a primeira reunião do ano da diretoria executiva da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), realizada no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (21). Na pauta, os reports do presidente da entidade, Orlando Marques, sobre a reunião das entidades com representantes do Comitê Olímpico e seu polêmico anúncio da “agência patrocinadora”; e sobre o anúncio da house-agency do grupo Silvio Santos, a Liderart’s, além de apresentações sobre publicidade institucional em ano eleitoral, a lei anticorrupção, entre diversos outros assuntos.

O episódio do anúncio de uma concorrência valendo uma cota de patrocínio às Olimpíadas Rio 2016 pelo comitê Olímpico (relembre aqui) gerou muita polêmica e levou a Abap e outras entidades e se manifestarem fortemente contra o processo. O resultado após a reunião entre representantes da Abap, Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) e Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) e o Comitê foi a retirada de cena do edital.

Marques, porém, não pode garantir que não haverá uma agência patrocinadora nas Olimpíadas. Segundo o presidente da Abap, pode haver cotas para esse tipo de patrocínio nos moldes do que ocorreu nas Olimpíadas de Londres, em 2012. “O retorno deles foi retirar o edital. Não se pode fazer concorrência para ter uma agência patrocinadora. Isso não dá. Agora, quem quiser comprar uma cota, como um patrocinador comum, OK”, disse.

O outro report que Marques apresentou foi resultado de uma manifestação do mercado junto à notícia de que a nova agência in-house do grupo Silvio Santos, a Liderart’s, atenderia clientes do mercado como um todo. “É uma agência da casa mesmo, mal divulgada pelo grupo na época. Isso ficou claro. Eles enviaram uma carta explicando que trata-se de uma agência interna para cuidar das produções do Grupo. Eu mesmo tenho Jequiti como cliente e sempre produzi com eles internamente. Eles pagavam a criação”, explicou.

Há, naturalmente, uma preocupação da entidade em relação à criação de agências in-house. “É preciso reconhecer as houses de um jeito diferente das agências profissionais, sem as mesmas vantagens, como planos de incentivo”, reforça o presidente. Marques diz que trouxe temas como propaganda política e a lei anticorrupção para o encontro porque há temas aos quais é preciso sempre voltar. “É como os 10 mandamentos. De vez em quando temos que voltar a eles. Acredito, sinceramente, que o mundo será honesto nos próximos anos, na marra. A câmera, a internet, o digital pegarão qualquer pisada na bola. Não tem jeito. Não somos melhores ou piores do qualquer outro segmento, mas temos que ter clareza daquilo que nossos atos podem representar nas nossas vidas”, disse.

Anticorrupção

A rígida lei anticorrupção 12.846/13, que entrou em vigor em janeiro desse ano, demanda muita atenção e cautela do mercado publicitário, pois pode levar à proibição de seus representantes em participar de concorrências públicas, entre muitas outras consequências. Ela foi explicada em detalhes para a diretoria da Abap pelos especialistas do escritório Peixoto & Cury, os advogados José Alcides Montes Filho, José Nantala Bádue e Vera Lúcia de Paiva Cicarino. “Como toda lei nova, essa pode gerar abusos de interpretação e injustiças. Eu recomendo que não se dê nem brindes ou presentes a representantes do poder público porque, especialmente em ano de eleições, tudo pode ser considerado suborno”, disse Bádue.

Segundo a nova lei, um funcionário que comete qualquer ato de corrupção levará sua empresa a ser responsabilizada – uma novidade chamada “responsabilidade objetiva da empresa”. As agências terão de tirar periodicamente certidões de nada consta no CNEP (Cadastro Nacional das Empresas Punidas). Possivelmente licitações e concorrências – públicas e privadas – devem incluir certidões como essa, entre outras demandas. Há inúmeras medidas preventivas para proteger-se de eventuais problemas e a segurança de sistemas internos é ponto crucial e elaboração e aplicação de programas de conduta/compliance para os funcionários está entre elas. “Nesse começo, é normal ‘patinar’. Contratar auditorias pode ser interessante para ajudar nesse início”, concluiu o advogado.

O consultor jurídico da Abap, Paulo Gomes de Oliveira Filho, discorreu sobre os temas publicidade institucional em ano eleitoral e propaganda política, compilados em cartilha para os associados da entidade. O mais importante aspecto, segundo ele, é suspender qualquer espécie de propaganda institucional para empresas públicas federais ou estaduais durante os três meses que antecedem as eleições.

A lei eleitoral (12.232) é bem clara nisso. E mesmo nas ações municipais, não pode haver qualquer menção aos poderes públicos, sejam eles federal ou estadual. Campanhas em mídia exterior, por exemplo, instaladas no período anterior aos três meses que antecedem as eleições, devem ter cobertos as eventuais referências à administração pública.

Ano preocupante

Ao falar de previsões para o mercado em 2014, Marques confessou-se preocupado, embora 2014 tenha começado bem. Ele citou seu próprio grupo, o Publicis, como exemplo dos bons ventos dos primeiros meses, já que vários clientes estariam antecipando investimentos que não poderão ser feitos no segundo semestre, devido à Copa e às eleições, quando a mídia estará repleta de publicidade temática. A propaganda eleitoral gratuita terá início em 6 de julho de 2014.

“A tela está livre, perfeita para fazer boas campanhas, mas devo confessar que o cidadão Orlando Marques está preocupado. Temos dois eventos importantes para o país, mas podem degringolar devido aos seus ‘efeitos sociais’ – eleições e Copa. Se bem conduzida, a Copa trará muitas coisas boas. Mas se não der certo, a coisa pode desandar. Quando existe vontade política, as coisas são bem feitas. Vimos isso na ECO-92”, disse Marques.

Novos diretores

Marques anunciou novidades na diretoria nacional da entidade. Renato Tourinho, presidente do capítulo baiano da Abap, assumiu durante a reunião a diretoria administrativo-financeira no lugar de Paulo Zoéga, que pediu licença à Abap, enquanto Antonio Luiz de Freitas tornou-se vice-presidente de gestão e relações com o mercado no lugar de Antonio Lino Pinto. Paulo César Queiroz tornou-se diretor de assuntos interassociativos no lugar de Otto de Barros Vidal Jr.

Pesquisa esmiúça publicidade dirigida ao público infantil

Mais uma ação da campanha “Somos todos responsáveis”, apresentada pela primeira vez à diretoria nacional da entidade em forma de livro, foi a pesquisa “No mundo da publicidade infantil”, que esmiuçou o que pensam pais e mães brasileiros residentes no exterior a respeito da propaganda na vida de seus filhos. O projeto foi liderado pela Medialogue e apresentado na reunião da Abap por seu presidente, Alexandre Secco. Foram feitas, por jornalistas especializados, mais de 200 entrevistas em 50 países. “O que ficou claro é que não houve mãe ou pai que revelasse alguma apreensão em relação à influência da publicidade sobre seus filhos”, destacou Secco.

A pesquisa também apontou que o que se considera “propaganda” hoje é muito amplo e ultrapassa os limites da TV. A internet, a influência dos amigos, os estímulos eletrônicos de uma maneira geral e nas ruas: tudo é propaganda. Outra conclusão: em geral associa-se ‘propaganda negativa’ ao consumo excessivo de fast-food. Por outro lado, segundo o estudo, as pessoas não enxergam proibições como solução, enquanto a propaganda mostrou ter aspectos positivos de informação e benefícios bastante lembrados. Os pais entrevistados não se sentem “reféns” da mídia e estão conscientes de seus papéis na educação dos filhos.