O pensamento sobre o propósito de empresas e marcas já era pauta de reflexões corporativas e reuniões estratégicas bem antes de sermos atropelados pela COVID-19. Hoje o tema protagoniza esses espaços. Buscar se posicionar e atuar nesse momento virou urgente e sublinhou boas soluções, mas também equívocos e dúvidas que já existiam antes. O que é impacto positivo de verdade? Qual o papel dos agentes de transformação social? Devemos promover desenvolvimento ou sermos assistencialistas? Dar o peixe ou ensinar a pescar?
A resposta a essas perguntas está no exercício de nos transportar da nossa realidade para o território onde pretendemos atuar. É necessário entender que existem variáveis que não dependem apenas do nosso desejo, ou performance. São histórias de vida, contextos socioculturais, e realidades distintas que precisam ser consideradas. Apenas a vontade e o investimento em uma causa não serão suficientes para que uma nova situação social se estabeleça. Se entendermos as dificuldades em todos os seus âmbitos poderemos identificar onde é mais necessário atuar naquele território e naquele momento, se nas potencialidades por trás das vulnerabilidades ou no auxílio às necessidades extremas.
Em um cenário de escassez de recursos como o que estamos vivendo hoje, a filantropia tem um papel importantíssimo. Com fome, com sede, sem saúde, em situação de extrema vulnerabilidade, ninguém consegue se dedicar para o desenvolvimento de um futuro melhor, ainda que seja o seu próprio. O problema a se resolver no presente é imenso e urgente. Empresas de diferentes categorias entenderam isso e incluíram acertadamente doações em seus planos estratégicos de sustentabilidade, atuando a partir das demandas e necessidades dos beneficiados. Segundo a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), o volume de doações destinados ao combate da COVID-19 no Brasil está chegando aos R$ 6 bilhões no mês de julho. Por outro lado, em um contexto onde necessidades emergenciais já foram sanadas, atuar em iniciativas que promovam impactos mais profundos a médio e longo prazo, se mostrará mais relevante para o desenvolvimento social.
Não existe um modelo de plano de ação engessado para atuar na complexidade que é ser um elemento ativo em um processo de transformação social. Apenas saindo das bolhas de certezas e imergindo nos contextos onde se pretende atuar, é que marcas e agentes sociais obterão sucesso em seus papéis, já que conseguirão avaliar estrategicamente quando ensinar a pescar, quando ensinar a armazenar o pescado, quando ensinar a ganhar dinheiro com a venda ou simplesmente quando dar o peixe. Afinal, com fome, ninguém tem força nem para colocar a isca no anzol, não é mesmo?
Cláudia Mattos é consultora, empreendedora social, pós-graduanda em economia e gestão da Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em projetos de impacto positivo da NBS SoMa