Nem um nem outro. É neutro. É paralelo ao masculino e ao feminino. “Portantes”, é assim que é a linguagem de gênero, que não é nova, começa a entrar na publicidade. Dia desses foi a Galeria que “inventou” palavras para avisar, no Instagram, que o TikTok tinha “baixades” na agência. Começava assim: “Amigues, querides… A conta criativa do TikTok está mudando de agência. Ela estava na DPZ&T e segue agora para a Galeria…”. E terminava assim: “Quem tem TikTok tem tudo”… bem-vindes, querides!”. Repercutiu bem!

Depois foi um artigo de Andre Fischer, publicado na Ilustríssima, da edição do último dia 3, na Folha de S.Paulo, sob o título: Estamos prontes para o gênero neutro?, sobre as linguagens neutra e inclusiva. Enfim, a linguagem está na boca do povo e o fato é que a moçada, em especial, adotou o @ no lugar do “a”; o “e” substitui o “o”, e assim por diante. Pode tudo, viu!

Para Danilo Janjacomo, vice-presidente de criação da Isobar Brasil, o mercado começa lentamente a adotar o gênero neutro, mas “ainda falta muita informação e consciência da importância do gênero neutro”. “Um dos pontos a observar é que esse movimento de linguagem e representatividade não é uma consciência global, devido a muitos países não terem artigos de gênero na língua nativa – como é o caso daqueles de língua inglesa”. Mas, segundo ele, já alerta marcas que ao mencionarem “os nossos consumidores, por exemplo, podem falar ‘consumidores da nossa marca’”. “Essa consciência de que não estamos falando apenas do artigo em si, mas de procurarmos formas de, cada vez mais, criarmos mensagens que não isolem nenhum grupo de identidade”, observa Janjacomo.

Danilo Janjacomo (Divulgação)

Já Dimas Ribeiro, coordenador de conteúdo da Jüssi, fala que, com a importante preocupação de incluir todas as pessoas e criar um espaço seguro de troca, o crescimento da linguagem neutra deve se dar aos poucos nesse mercado. “Isso porque várias questões intrínsecas rodeiam o uso da mesma. O objetivo é a representação de todas as identidades de gênero, inclusive as não binárias, e creio que ainda estamos no caminho da comunicação ideal por meio do diálogo com toda a comunidade”.

Dimas Ribeiro (Divulgação)

Daniela Graicar, sócia e CEO da PROS, e fundadora do Movimento Aladas, constata que já se vê esse movimento acontecer cada vez mais no mercado, “até porque tem de se estar conectado e acompanhar as mudanças e necessidades da sociedade”. “Não acho que uma adoção real tenha sido iniciada, mas já podemos ver alguns exemplos nesse sentido”, afirma.

Sofia Ricciardi, diretora de relevância digital da SoWhat, é mais enfática e fala que “com certeza o mercado já adota a linguagem neutra”. “Para muito além da linguagem ‘dita’, a preocupação e o olhar para o gênero neutro estão em várias outras frentes de comunicação de marca: da roupa, ao perfume, ao tweet, à gravação da voz de um serviço de assistência virtual”. Segundo ela, no atual contexto – cujas conversas estão ganhando protagonismo ao mesmo tempo que o mercado está cada vez mais “pessoal e personalizável” – é ideal que essas formas de linguagem sejam adotadas. Em contrapartida, Marcelo Rullo, head de estratégia e conteúdo na Oliver Latin America, lembra que esse é um movimento que tem pouco tempo e ainda é tímido.

Marcelo Rullo (Divulgação)

“Temos poucos movimentos de comunicação dedicados a isso e muito dentro do social. Começou ali, com as novas gerações se posicionando no Twitter, as problematizações vão também para outras redes, como TikTok e YouTube. Então, as redes sociais são o principal canal onde esse discurso tem voz. A partir disso, como vemos, um movimento de mercado das marcas se apropria das conversas nas redes, é natural que elas entrem e discutam esse tema”.

Daniela Graicar (Divulgação)

Já Paula Queiroz, head de planejamento da Cheil, avalia que o mercado ainda se divide em relação ao uso do gênero neutro, e que ainda existem clichês. “Vejo marcas jovens adotando como forma de identificação e postura corporativa, mas a verdade é que o gênero neutro é um caminho sem volta e, como toda mudança social, vai acontecendo passo a passo de forma contínua e vai chegar a todas esferas da sociedade deixando de ser uma tendência de um nicho para se tornar uma prática universal”, declara. Ou seja, ela acredita que “todas as marcas passarão a adotar o gênero neutro da mesma forma que adotaram discursos sobre empoderamento feminino e não ao racismo”.

Paula Queiroz (Divulgação)

Ser ou não ser
Sobre ser tendência ou não, Janjacomo fala que não chama a linguagem neutra de tendência, mas, sim, “de evolução da própria linguagem, com mais consciência e importância do papel social que ela tem”. “E, sim, é um caminho sem volta, que independe do tempo para acontecer”.

Ribeiro segue a mesma linha de raciocínio e vai além, afirmando que não “apostaria nisso como tendência, mas, sim, como uma realidade iminente de pessoas que não se sentem representadas pelo masculino/feminino”. “Para muitos, a língua portuguesa já comporta neutralidade, e essa discussão ainda é latejante entre as partes interessadas”, diz e acrescenta: “É mais uma questão de quando isso começa a acontecer de forma perene do que se realmente vai acontecer”.

Já Daniela lança uma dúvida, ao declarar que o português é uma língua viva, que vem apresentando várias evoluções de acordo com as mudanças culturais ao logo do tempo. “Não sei se o gênero neutro vai se tornar regra, especialmente como está sendo aplicado neste momento, mas esse movimento certamente vai gerar um impacto na forma como nos comunicamos – e pode, sim, se tornar uma tendência e até gerar mudanças definitivas na língua em longo prazo”, afirma.

Ao contrário de alguns colegas de profissão, Sofia acredita que já seja uma tendência, porque, para ela, nem todas as marcas vão se adaptar ou se lançar no mercado rapidamente nesse formato de comunicação e atuação, “mas acredita que há um grande potencial de destaque para aquelas que buscarem isso”. “A inclusão é uma forma de conexão, de aproximação. E demonstrar essa preocupação através da construção de marca e linguagem pode despertar sentimentos muito relevantes entre as marcas e seus targets”, argumenta.

Rullo vai ainda mais longe e declara que temos uma parte das pessoas preocupada e com um discurso mais negativo, por causa do conservadorismo e da possibilidade dessa conversa ficar mais “nichada”. “Outra parte é mais positiva e acredita que a discussão do não-gênero ou gênero neutro nasceu de uma geração nova, que começa a não se identificar com nenhum tipo de rótulo”, avalia. Conforme opinião dele, esse fenômeno fez as marcas transformarem discurso em capital, ou seja, essa conversa virou produto, e para os comunicólogos é oportunidade de trazer o assunto à tona. “E essa tendência deve aumentar. É um rio que não volta para trás. O rio pode ficar mais lento, mas sempre progredindo”.

Sofia Ricciardi (Divulgação)

Geração z
Daniela Craicar lembra ainda que a Geração Z não se prende ou se vê dentro de gêneros específicos. “E, além de serem o futuro, são eles os maiores geradores de conversas nas redes sociais atualmente. É por isso que esse tema ganha tanta repercussão, e deve ganhar ainda mais até que apareçam definições mais claras. Mas, com certeza, as marcas precisarão de atitude para uma mudança completa. Usar só por usar, de qualquer jeito, soa bem estranho para a maioria delas”.

Sofia Riciardi também remete o raciocínio à Geração Z. Ela fala que o interesse dessa geração pelo gênero neutro na forma de se comunicar, se vestir e consumir (informação ou entretenimento) é um fato. Mas, “jamais indicaria a linguagem neutra para ‘brincar’ ou ‘se aproximar dos jovens’”. “É preciso ser genuíno e coerente. Deveria ser menos sobre colocar um ‘x’ ou um ‘e’ nas palavras e mais sobre aderir a um novo mindset de branding. É uma nova forma de pensar construção de marca”, aponta ela.

“Mudar de repente e entrar na onda para se aproximar dos mais jovens não é uma boa”, declara Rullo. Conforme ele, os jovens identificam que a empresa talvez não tenha ações efetivas para entrar nessa conversa. “Então, a marca seria criticada. Óbvio que todas precisam conversar com mais jovens, mas não se trata de ter comunicação neutra, mas, sim, entender as necessidades deles em primeiro lugar”. Ele cita exemplos de empresas mais preocupadas em ter diversidade na sua equipe. “Como modificar para ser aceita como love brand para uma geração que em cinco anos vai ditar tudo no mercado. É identificar essas necessidades e como eu como marca me comunico, e não apenas jogar um ‘todes’, alerta.

Sobre estar ou não preparados para a linguagem do gênero neutro, tão cheia de significados, o executivo da Isobar Brasil afirma que incluiria nesse bolo não só os consumidores e anunciantes, mas também as agências. Segundo ele, já percebe hoje que alguns setores não só estão preparados, mas também usam esse movimento como uma grande ferramenta de narrativa, como marcas de beleza, vestuário, gadgets e outras que têm no seu pilar central a expressão da individualidade e do grupo. “Mas neste cenário são também essas marcas que puxam outros mercados a acompanharem as evoluções de campanhas e mensagens. É um movimento necessário para cada vez mais termos uma troca honesta e respeitosa entre marcas e pessoas”, conclui.

Já Ribeiro acha que ainda é preciso educar o país sobre isso. Para ele, a comunicação reflete a conversa da nação como um todo, e se seu segmento entende o que você fala, tudo bem. “Mas para marcas e serviços com escala nacional abrangente, ainda é um problema”. Segundo ele, os esforços em educar e levar esse conceito à frente precisa se intensificar em escala nacional. “Em um país com dimensões continentais onde boa parte ainda não possui acesso à educação de qualidade e mal compreende as regras gramaticais da língua portuguesa, é preciso considerar um esforço e compromisso em educar e levar informação amplamente qualificada para que a linguagem neutra seja compreendida”, analisa. Além disso, para ele, pessoas com deficiência cognitiva podem ter problemas com os sistemas de audiodescrição, libras e outras formas de comunicação inclusiva, a depender do estilo de grafia escolhido. “A adaptação desses sistemas ainda pode levar um tempo, mas também deve acontecer aos poucos. É um trabalho de formiguinha que pode valer a pena embarcar enquanto marca que se compromete de verdade com inclusão e diversidade”, finaliza.

Já Daniela lembra que, pela origem no latim, o português tem fortes marcações de gênero e como o plural é quase sempre masculino, nos induz a um pensamento defasado e sexista. “O uso da linguagem neutra vai nos provocar a pensar na maneira como nos expressamos e rever conceitos do nosso idioma que assimilamos desde a década de 1970. Só espero que essa mudança não represente uma dificuldade ainda maior de se falar o português corretamente”, conclui.

A diretora de relevância digital da SoWhat espera acompanhar o percurso disso tudo. “Não acredito que será uma mudança generalizada tão rapidamente, mesmo porque essa pauta ainda permeia segmentos específicos como entretenimento, beauty, fashion etc. Mas, há potencial para ser explorada em muitos outros, e gradualmente vamos observar as camadas de profundidade que essa discussão relevante pode nos trazer nesta nova forma de construir marcas mais inclusivas”.

Rullo acredita que o público não está educado ainda, se pensar no consumidor de forma geral. Nem as marcas. No entanto, “tudo bem não estar pronto, se lembrar que há dez anos ninguém estava pronto para conversas que hoje são normais”. “O problema é saber se as marcas estão se preparando e educando o consumidor sobre isso”, pontua.