Poderíamos resumir a lógica do marketing dos últimos cinco anos da seguinte maneira: “torne-se pessoal ou desista”. A evidência para tal afirmação é esmagadora: uma pesquisa da Deloitte sugere que os consumidores estão dispostos a pagar mais de 20% por produtos e serviços genuinamente personalizados.

Na América Latina, por exemplo, 80% dos varejistas perceberam que isso não é somente mais uma tendência e usam dados para personalizar experiências de compra. Os dados sugerem que a maior demanda por experiências verdadeiramente personalizadas (de qualquer lugar do mundo) vem do Brasil e do México. Ou seja, a capacidade das marcas de personalizar suas ofertas se multiplicou exponencialmente com a forte combinação de mídia social e Big Data.

Vamos ao  Facebook, uma das maiores redes sociais do mundo. Ele, sozinho, coleta impressionantes 52.000 pontos de dados de seus usuários.. Isso significa que hoje, cientistas de dados são capazes de identificar uma única pessoa entre dez mil  com 96,7% de precisão, simplesmente analisando seus feeds do Twitter!

Isso quer dizer que, nos dias de hoje, qualquer empresa pode rastrear os padrões de gastos de seus clientes (ou clientes em potencial), tendências de navegação e localização física; tudo a partir de dados obtidos de forma fácil e econômica.

O sonho de todo o profissional de marketing! O que poderia dar errado?

De fato, os consumidores nunca permitiram que as marcas os rastreassem, seguindo cada passo dado, mesmo no caso de oferecer a eles uma experiência personalizada. Ou, para ser mais preciso, os consumidores nunca “conscientemente” concordaram em trocar sua privacidade por relações infinitamente mais profundas com suas marcas favoritas (ou com qualquer empresa que, por acaso, tenha acesso a seus dados).

Por conta disso, o conteúdo genérico tornou-se extremamente inútil. As marcas precisam se tornar cada vez mais pessoais para permanecerem relevantes. De acordo com a pesquisa da Flybits, por exemplo, quase um quarto (16,9%) dos brasileiros simplesmente ignoram o conteúdo não solicitado que recebem em seus telefones celulares, enquanto quase metade (47%) admite “nunca” ou “raramente” ter comprado um produto como resultado de receber tais mensagens.

No entanto, os consumidores agora relutam em compartilhar os próprios dados de que as marcas precisam para oferecer experiências genuinamente pessoais. Em nossa pesquisa, quase um em cada dez consumidores brasileiros (8,3%) descreve a sensação, quando as marcas solicitam repetidamente seus dados pessoais, como algo tão doloroso quanto ‘ter um dente extraído’. Já 44,1% afirmaram que a sensação é de uma “indigestão”. Este paradoxo está no cerne do que chamamos  “tensão digital” – o grande tabu do marketing digital. Como entregar experiências personalizadas relevantes e contextualizadas, sem se indispor com os próprios consumidores que as demandam?

A tensão digital está particularmente presente no setor bancário e financeiro, onde os consumidores são – naturalmente – muito protetores de sua privacidade. Quase um quarto dos brasileiros (29,3%) acredita que seu banco atualmente “nunca” ou “raramente” lhes envia conteúdo online que seja interessante e pertinente. Isso se compara a uma proporção quase equivalente de entrevistados – 32,0% para varejistas online e 27,6% para serviços de entretenimento como Netflix e Amazon Prime – cujo conteúdo é geralmente considerado relevante e interessante.

A comparação não é totalmente fora de contexto. Na realidade, os consumidores normalmente se envolvem e falam sobre bancos em duas ocasiões – quando estão decidindo abrir uma conta bancária ou quando seu cartão de crédito ou débito é recusado (ou seja, algo dá errado). Para bancos que buscam construir um relacionamento mais profundo com seus clientes, marcas como Amazon Prime e Netflix oferecem um exemplo de como envolver os clientes com conteúdo relevante e oportuno… nos termos do cliente.

Para os bancos, as implicações da tensão digital não poderiam ser mais profundas; 24,7%  dos brasileiros pesquisados nunca os consideraram para nada além de simplesmente mover dinheiro ou verificar suas contas. Para 43,2%  deles, seu aplicativo de celular atualmente “nunca fornece informações de interesse relevante”. Somente quando esta conexão – “além da transação” – for estabelecida, os bancos poderão esperar desenvolver relacionamentos mais profundos dentro dos ecossistemas de seus clientes e de acordo com os termos deles..

Voltando à pesquisa, o real impacto da tensão digital é revelado em outra estatística: 7,2%  dos consumidores brasileiros não só ignoraram o conteúdo móvel irrelevante e não solicitado, mas também tentaram impedir a marca de interagir com eles de maneira definitiva! Este é o verdadeiro desafio apresentado pela tensão digital: os consumidores estão mais atentos, não apenas à pertinência do conteúdo que estão recebendo das marcas, mas ao grau em que estas respeitam sua privacidade. Se errar, o consumidor pode encerrar o contato de forma permanente.

Ao longo da última década, o marketing digital oscilou entre dois extremos – a abordagem indiscriminada de “espalhar e pagar” até a invasiva “seja pessoal” a todo custo. O surgimento da tensão digital é consequência desses excessos.

A lógica de marketing para os próximos cinco anos poderá se tornar: “seja relevante ou desista”, mas com uma advertência importante: o consumidor é quem decide o que é relevante e também quais dados deseja compartilhar.

Federico Desimoni é diretor Geral para América Latina da Flybits