“O mito: e-commerce é um inimigo mortal das marcas e, naturalmente, do branding. Com o acesso universal e quase infinito que temos a todas as possibilidades de escolha que a internet nos oferece, o mais provável seria ficar com o que é mais barato. Nesse ambiente de compra, preço seria a variável-chave que comanda a decisão. Por que gastar mais se podemos gastar menos?

Esse é um pensamento que ronda não apenas o borbulhante ambiente digital de compras, em épocas mais difíceis como esta que estamos vivendo. Análises precipitadas profetizam o declínio das marcas em nome de decisões mais inteligentes que faríamos, em nome de uma suprema racionalidade que comanda nossas decisões.

A realidade: e-commerce se alimenta de escolhas que atendem às nossas necessidades e aos nossos desejos. Ele não criou um ambiente em que deixamos de ser o que nós somos. O e-commerce não criou um consumidor virtualmente racional, desprovido dos sonhos e expectativas que dão sentido às nossas vidas.

A ilusão sobre a existência de consumidores que agem de forma programadamente racional já foi descartada há muito tempo no pensamento científico. Prêmios Nobel já foram concedidos, nas últimas décadas, a economistas que entenderam a imponderabilidade e imprevisibilidade do mercado e das decisões de consumidores e investidores. E mostraram também como o mercado resiste à imposição de equações matematicamente lindas e elegantes, mas sem o poder de um oráculo.

Em épocas de maior contenção econômica, de orçamentos domésticos mais apertados, evidentemente certos desejos de consumo são adiados. E são recalcados! Quando há um aperto no bolso, há um aperto também no coração.

Como disse Martin Lindstrom em seu livro recente – ‘Brandwashed’ – nós, consumidores (também conhecidos por pessoas!) não conseguimos fazer um ‘brand detox’.

Não conseguimos eliminar de nossas vidas o que faz parte de nossa identidade, de como queremos ser vistos pelos outros ou por nós mesmos, como é o caso das marcas, por exemplo. A compra online não é um
‘brand detox’.

Há algo mais forte ainda que ajuda a explicar por que o e-commerce depende ainda mais de marcas de prestígio e de branding. ‘Nunca te vi, sempre te amei’ é bom em literatura e cinema, mas não nas escolhas que fazemos na vida e constroem nosso projeto de felicidade. Acabei de comprar um tênis Vans online. Eu sei o que eu vou receber. Conheço meu número e gosto da marca e seus produtos. É como esticar o braço e pegar na prateleira da loja.

A realidade que se opõe ao mito é a seguinte: o fortalecimento das marcas e de seu prestígio são uma ferramenta eficaz para estimular compras online. O que eu não conheço eu não desejo ou pode até ser fonte de suspeição, mesmo sendo barato. Porém, as marcas que eu conheço e admiro eu compro de olhos fechados, quase como é, aliás, uma compra online.

Esqueçam essas conclusões ingênuas e precipitadas de pesquisas em que consumidores declaram estar trocando marcas de que gostam por preço. O aperto no coração deixará recalcado o desejo que não se realizou. E, em algum momento, quando a vida melhorar eles correrão atrás delas outra vez, para se reconciliar com aquilo que, de fato, os faz felizes.

Nessas ocasiões, o que acaba primeiro nas prateleiras são as marcas mais valorizadas, como já vimos acontecer no Brasil algumas vezes. O e-commerce deveria render uma homenagem especial aos que gerenciam as marcas que vão desaparecem em primeiro lugar das suas ‘prateleiras’.”

*Presidente do Grupo Troiano de Branding