“’Todos nós que fazemos marketing louvamos o dia em que se inventou o email, que é a mais fantástica e democrática ferramenta de comunicação jamais imaginada, capaz de colocar a mensagem certa na frente da pessoa certa, em questão de segundos, a um custo muito pequeno, o que a torna acessível a qualquer tipo de negócio. Entretanto, enquanto nós sofisticávamos as formas de fazer o email marketing para torná-lo o mais possível segmentado e eficaz, poderosas forças começaram a operar no sentido de criar dificuldades para a sua utilização. Em vez de preocupar-se em banir ou pelo menos inibir os envios de vírus e as fraudes praticadas através de emails… os provedores resolveram priorizar o ataque ao que chamaram de spam.’

O texto acima é de um artigo meu, publicado há quase dez anos neste jornal (14/11/2005), sob o título ‘Provedores ou Inquisidores?’. Seis meses depois, sensibilizado pelo meu alerta no propmark, o jornal O Globo me pediu para escrever um artigo sobre o mesmo tema, que saiu publicado (18/06/2006) sob o título ‘Só falta um Hitler, ou nem isso…’.  Começava assim:

‘Estão violando e censurando a nossa correspondência no Brasil, sabia? Não, a culpa não é do correio, pois não mandamos mais cartas, só emails… Talvez você não tenha se tocado, mas a maioria dos provedores, a pretexto de combater o que chamam de spam, censura todos os emails. Na melhor das hipóteses o email é até entregue, porém precedido da infame palavra ‘Spam’. Como a estrela de David que obrigavam os judeus a vestir para identificá-los, no começo…’.

Depois disso escrevi outros artigos no propmark, denunciando esta censura que se tornava a cada dia mais grave. E sabem o que é ‘Spam’ para os provedores? Basta acessar o site deles e verá que eles definem como sendo qualquer mensagem de propaganda. Ou seja, eles se julgaram no direito de proclamar a interdição do email como mídia. Que cada pessoa possa criar os seus filtros, para selecionar o que deseja ou não receber por email, é muito louvável e eu sou o primeiro a aplaudir. Mas que os provedores estabeleçam seus ‘filtros’ por conta própria e os impinjam aos clientes, simplesmente banindo os emails a eles destinados, isto já é digno do Tribunal do Santo Ofício.

E por que os provedores fazem isso? Certamente não é para dar proteção a seus clientes contra emails nocivos (pois estes continuaram a chegar). Mas simplesmente porque querem que se anuncie nos seus portais e enxergam o email marketing como uma mídia concorrente. Por isso começaram criando dificuldades. Só que, após um período inicial de censura relativamente parcial aos emails, alguns provedores, percebendo a força desta mídia e a teimosia das empresas em fazer uso dela, resolveram ‘mudar de lado’: para tirar proveito da situação, passaram a oferecer eles mesmos serviços de email marketing! Só que o feitiço virou-se contra o feiticeiro, porque cada provedor passou a permitir a entrega dos seus emails apenas aos seus usuários e a censurar as divulgações feitas a partir dos demais provedores!

E como evoluiu a situação nestes dez anos que se passaram? A resposta é que, infelizmente, eles conseguiram perpetrar um verdadeiro holocausto desta mídia.

Empresas como a minha livraria virtual (Livraria Resposta), que construíram um amplo mailing de clientes a partir do email marketing, viram-se praticamente impossibilitadas de atingir a sua própria base de clientes. Enquanto antes a entregabilidade dos emails chegava a 90%, hoje não passa de 10%. A grande parte é simplesmente bloqueada, ou seja, tem a entrega recusada sob a alegação de spam.  A Microsoft é a inquisidora mais radical: detectando que um determinado IP disparou acima de uma quantidade mínima de mensagens para os seus Hotmail, simplesmente bloqueia aquele IP, recusando a entrega de toda e qualquer mensagem que dele provenha. Outros, como o Google, querendo dar uma impressão de tolerância – não bloqueiam, mas colocam os emails de divulgação na pasta de spam – o que equivale a bloqueá-los, pois as pessoas que abrem emails em programas como Outlook simplesmente não têm acesso a esta pasta. E entre os que abrem pela web apenas uma minoria se dá ao trabalho de consultá-la.

O resultado disso é catastrófico para o comércio eletrônico porque a maioria das mensagens automáticas dos sites, para confirmação de compra, envio de boletos ou avisos de envio dos produtos, simplesmente não é recebida pelos destinatários ou vai parar nesta pasta que eles não consultam. E os clientes do e-commerce ficam escrevendo ou telefonando, enlouquecidos, para as lojas virtuais ou para o Reclame Aqui, achando que foram ‘roubados’ pelas lojas, quando o que aconteceu foi simplesmente que os provedores de email desses clientes censuraram as mensagens que as lojas lhes enviaram!

Cabe perguntar com que direito os provedores fazem o que fazem. Que em países como a China, Coreia do Norte, Cuba e Venezuela se faça censura de mídias em função do conteúdo das mensagens nós já estamos habituados. Mas que em países democráticos empresas respeitáveis e de grande porte façam o mesmo é algo que não podemos tolerar. O assassinato de uma mídia é um precedente perigoso. Pois amanhã quem garante que a internet, os sites, o Facebook não sejam também censurados, como se faz nessas ditaduras? E quem garante que, também como nelas, a censura não atinja jornais, rádios e TVs?

Vozes não faltam entre nós para ameaçar com ‘regulação da mídia’. Se bobearmos, amanhã apenas os blogueiros a serviço do poder conseguirão postar com sucesso suas mensagens pela web – e depois nas outras mídias.”

*Diretor da Livraria Resposta e das Edições Sobornost