“Conquista difícil, na antiguidade os romanos a ansiavam, ainda que tardia. ‘Libertas quae sera tamem’. O poeta Paulo Bonfim escreveu que a ama tanto que gostaria de ter um filho com ela.

A liberdade de expressão, filha mais moderna dessa matriz generosa e quase inatingível, vem sofrendo as restrições mais duras e as agressões mais indignas de toda a sua história.

São dois percalços que pretendo realçar nesta crônica. As restrições vicejam no choque visceral que existe entre a liberdade de manifestação do pensamento (Artigo 5º, Incisos IV e IX da Constituição) e o sagrado direito à imagem do ser humano (Inciso X, do Artigo 5º da Lei Maior).

Quando esse choque sangra e mina a honra dos cidadãos, o Judiciário tem trilhado caminhos tortuosos para aplainar a dureza do embate, no campo do direito.

Ao lado do jornalista, a velha lição do magistrado Godofredo Mauro, em caso famoso do antigo Tribunal de Alçada Criminal: ‘Há muita diferença entre o boquirroto de esquina e o profissional da pena. O primeiro fala por falar, sem necessidade, sem outro animus, portanto. Já o jornalista noticia sob a coação da urgência fatos que lhe chegam ao conhecimento, de interesse social, que nem sempre podem ser apurados convincentemente’ (In: ‘Julgados do Tribunal de Alçada Criminal’, Editora LEX, vol. 69, págs. 198/199).

Ocorre que o fim do século 20 se viu tomado pela explosão da internet e a honra das pessoas ficou devassada por minúsculos celulares que invadem a vida privada dos cidadãos e a expõe, não raro levianamente, nas redes sociais. Nesses momentos, vindo a causa para a barra dos tribunais, a serenidade dos magistrados tem procurado o equilíbrio do episódio, em dois princípios fundamentais: o interesse público e a liberdade de expressão.

Por isso escreveu a doutrinadora Aparecida Amarante: ‘Uma coisa é a usurpação do nome ou da imagem e outra é que, pela utilização dos mesmos, se exponha a pessoa ao menosprezo e ao ridículo’ (cf. sua obra ‘Responsabilidade civil por dano à honra’, 5ª Ed., BH, Del Rey, 2001, pág. 127).

Assim, pois, mal ou bem, o problema da ‘restrição’ à liberdade de expressão tem encontrado um agasalho razoável no Poder Judiciário. O problema está nas agressões totalitárias que o velho anseio libertário da humanidade vem sofrendo. E, aqui, embora persistam os ataques dos velhos ditadores, há uma nova forma de limite que pode destruir a própria liberdade.

Os modernos aprendizes de tirania buscam legalizar os limites que sempre procuraram lhe impor. A velha lição de Gramsci, nos seus ‘Cadernos do Cárcere’: A manutenção do poder não se faz pelas armas, mas pela conquista das mentalidades. Essa é uma arma poderosa, no campo das idéias. São as ‘ONGs’, as chamadas ‘comunidades de base’, que procuram criar mecanismos para encurralar a manifestação do pensamento nas redes sociais, na falácia que eles denominam de ‘democracia direta’.

São juristas da estatura de um Fábio Konder Comparato, quando escreveu: ‘Se, na atual sociedade de massas, a verdadeira liberdade de expressão só pode exercer-se através dos órgãos de comunicação social, é incongruente que estes continuem a ser explorados como bens de propriedade particular, em proveito exclusivo de seus donos.

Os veículos de expressão coletiva devem ser instrumentos de uso comum de todos – (opus cit., pág. 7 de 15)’ e ‘é preciso proibir que os veículos de comunicação sejam explorados por organizações capitalistas; o que significa vedar a utilização das formas societárias mercantis, pois em todas as sociedades comerciais o poder de controle pertence aos detentores do capital.

Resta, portanto, a organização dos órgãos de imprensa, rádio e televisão sob a forma de associações sem fins lucrativos, de cooperativas ou fundações, públicas ou privadas. Assim, em todas essas organizações a estrutura do poder deveria ser dividida em conselho deliberativo e direção. Naquele, os representantes dos jornalistas ou editores deveriam ocupar, pelo menos, a metade dos lugares. Os diretores seriam designados pelo conselho, mas só por unanimidade poderia nomear algum de seus membros como diretor – (cf. op. cit., pág. 11 de 15).’

… Alguma dúvida?

É por isso que, sempre que posso, em minhas falas no rádio, reproduzo a velha lição do filósofo inglês Stuart Mill: ‘Para os males da liberdade só há um remédio: é mais liberdade’. Ou então declamo os versos de Castro Alves, pequenino trecho de sua ‘Ode ao dois de julho’, quando, ‘Lá no campo deserto da batalha, uma voz se elevou clara e divina’, o poeta conclui: ‘Eras tu, liberdade peregrina: esposa do porvir. Noiva do sol!’.”

*Âncora do “Jornal da Manhã”, da Jovem Pan