O mercado varejista enfrenta mudanças diárias graças à transformação digital. Com uma década de atuação em 2020, a Via Varejo, responsável pelas empresas Casas Bahia, Pontofrio, Bartira e Extra.com.br, encara agora o desafio de revitalizar suas marcas. À frente desta missão está Ilca Sierra, que possui 20 anos de experiência no segmento e nos últimos meses vem comandando campanhas e ações diferenciadas para cada bandeira. Nesta entrevista, a diretora de marketing e comunicação da Via Varejo comenta sobre a expansão do e-commerce e marketplace – que já representam 48% das vendas -, diferenciais competitivos e faz uma análise socioeconômica do mercado. Além disso, a executiva fala sobre a aposta em formatos de comunicação que abraçam todos os canais de mídia para atender o consumidor crossmedia.

Ilca Sierra, diretora de marketing e comunicação da Via Varejo (Alê Oliveira)

A Via Varejo completa uma década em 2020. Que balanço a companhia faz desta trajetória?
Não consigo fazer um balanço de toda a trajetória. Mas, sim, da nova gestão. O Roberto (Fulcherberguer – CEO da Via Varejo) fala que precisamos tirar atrasos e acompanhar algumas coisas, onde o modelo não favoreceu lá atrás. Essa história de 10 anos teve os seus tropeços. Com este novo gerenciamento, junto com os meus colegas, conseguimos fazer e destravar rapidamente muitas coisas. Brinco dizer que estamos fazendo o dobro na metade do tempo nestes últimos meses.

Com 20 anos no segmento, qual está sendo o seu principal desafio nestes primeiros meses de companhia?
O meu principal desafio é a possibilidade de fazer uma virada, uma transformação digital. No Magazine Luiza, onde fiquei os últimos 10 anos, a história foi similar. Mas, aqui, a escala é maior. A Casas Bahia possui uma grande relevância na vida e no coração do brasileiro. Para qualquer marqueteiro isso é um sonho de consumo. Quem não gostaria de fazer uma virada de chave em uma marca icônica que representa o Brasil? Para você ter uma ideia, na última Black Friday estávamos procurando inspirações para chegar na música da campanha. Com isso, entrei no site Vagalume e fui pesquisar músicas que continham nas letras menções à Casas Bahia. Achei que só encontraria aquela música do Mamonas Assassinas (Chopis Centis), mas, para minha surpresa, apareceram diversas páginas de músicas que vão do rap ao sertanejo. Que marca consegue estar tão na cabeça e no coração das pessoas que vira até letra de música? Isso não é para qualquer um. Já com Pontofrio, a marca segue outra linha, mais focada na inovação e tecnologia. As pessoas esperam que a marca traga essas novidades. Claro que tudo isso de uma forma democrática e acessível. Então, como marqueteira, e de varejo, pois nunca sai deste campo, o meu desafio é fazer a virada dessas marcas.

As redes varejistas sempre estiveram atreladas ao consumo das classes C e D. Isso mudou?
As nossas bandeiras são muito democráticas. Naturalmente, temos mais classe C no Brasil. Com isso, quando você olha para o volume, vemos mais a classe C comprando. A nossa pirâmide é assim. Já a ponta da pirâmide, a classe A e B, ela é mais agnóstica a marcas, então, ela vai atrás da melhor composição de preço e frete. Resumindo, as marcas são democráticas e o nosso olhar é muito mais sobre estar presente nas ocasiões de compra do que estar focado em uma determinada classe social.

O varejo é um segmento competitivo, mas qual a melhor estratégia para se destacar?
Há algumas coisas no varejo que são commodities. Por exemplo, trabalhamos com uma TV Samsung, mas os meus concorrentes também. Então, onde você se diferencia? Em serviço, atendimento, agregando no processo de venda etc. Além disso, temos uma entrega rápida e competitiva. O consumidor pode comprar pelo site e aplicativo, não pagar o frete e retirar na loja. Toda essa conveniência da multicanalidade é muito forte. Outro fator é ser uma marca que se conecta com as pessoas durante todo o ano. Seja do ponto de vista do calendário promocional, em que estamos sempre nos reinventando e trazendo novidades, ou pela conexão pelo lado mais afetivo e emocional, com temas que façam sentido para as pessoas. Todas as nossas verdades a respeito da diversidade e sustentabilidade colocadas na comunicação também ajudam o consumidor na hora de decidir a compra. Ele decide pelo racional, mas, também, pelos motivos emocionais que acredita. Isso, sem dúvidas, faz diferença.

Qual a importância do e-commerce e do marketplace para a companhia? O segmento já é expressivo?
O e-commerce está em um crescimento muito bacana. Estamos expandindo muito também o nosso marketplace para estar mais presente em ocasiões de compra. Ele cresceu 79% no terceiro trimestre de 2019. Já o online representou 48% das vendas no mesmo período. O brasileiro está entendendo a compra online como parte da sua rotina e dia a dia. Acreditamos que o e-commerce vai crescer exponencialmente este ano. Observamos também o crescimento dos aplicativos. Tínhamos com Casas Bahia e Pontofrio uma base de usuários ativos ainda muito pequena, mas em seis meses de trabalho crescemos seis vezes e, hoje, temos sete milhões de usuários mensais ativos.

Como a companhia trabalha a comunicação de cada uma de suas marcas?
Casas Bahia é uma marca extremamente democrática. Por exemplo, na Black Friday apostamos em uma música com a dupla Maiara & Maraisa e o instituto de pesquisa Blend New Research e Shopper Experience identificou que essa foi a campanha mais lembrada pelos consumidores na data. Em uma época em que a briga é grande e todos os segmentos apostam suas fichas, conseguir se destacar é incrível. Já no Carnaval, realizamos uma versão da música Tudo Ok e fomos muito felizes. Ela estava na boca do povo e esse território de fazer parte da cultura da população é o território de Casas Bahia. Agora, na semana do consumidor, trazemos o jornalista Márcio Canuto, que é extremamente carismático e popular. Já com Pontofrio, a comunicação muda totalmente. Para a Black trouxemos os pinguins de Madagascar e uma pitada de irreverência. Os personagens sempre apresentaram um plano genial e, desta vez, a mensagem era que para se dar bem na Black Friday precisava só ir ao Pontofrio. A aposta deu supercerto. Na semana do consumidor, apostamos na diversidade e trouxemos diferentes personagens revelando o que eles esperavam da marca. Uma linguagem jovem e contundente.

O investimento em comunicação e marketing aumentou para 2020?
Estamos em uma fase de virada. Como toda virada de companhia, ela é muito cautelosa. Então, estamos colocando as fichas naquilo que acreditamos que vai ajudar nesse processo. Renovamos o patrocínio com o futebol e o formato Casa de Novela, pois entendemos que fazia sentido permanecer. Vamos realizar uma adequação do investimento para o crescimento do e-commerce. Mas nossas ações abraçam todos os canais.

Com Casas Bahia, a empresa vem chamando a atenção do consumidor ao fazer parte de algumas histórias na televisão. A TV aberta ainda é a principal aposta de mídia?
Acredito que não há como definir uma mídia principal neste mundo fragmentado. Sou de um tempo onde a gente resolvia tudo com televisão, mas agora o nosso negócio é multicanal e o consumidor é crossmedia. Não existe estar off. Temos de estar conectados com o consumidor em todos os pontos de contato da hora em que ele acorda, até a hora de ir dormir. Nossa estratégia é transversal e fragmentada.

A companhia possui uma agência de publicidade e uma house. Como vocês realizam esse trabalho conjunto?
Temos a felicidade de ter a agência Y&R em nosso prédio. Então, na mesma estrutura, contamos com toda a equipe e isso é extremamente positivo. O nosso negócio precisa de agilidade e decisão rápida. Com a nossa house fazemos um blend entre os times e temos muita cocriação e colaboração. Com o e-commerce, onde a produção e o volume são muito grandes, é preciso ter toda essa estrutura. Afinal, temos uma loja aberta 24×7 em 365 dias do ano. É um modelo de trabalho muito produtivo e assertivo.

Como a diversidade e a sustentabilidade são trabalhadas em suas marcas?
Estes movimentos já existiam dentro da companhia, mas não eram demonstrados para o consumidor. Quando começamos a nossa gestão estávamos próximos do Dia Nacional dos Surdos, e descobrimos que dentro da empresa já havia funcionários e um grupo de afinidade que realiza treinamento para o atendimento dessas pessoas. Com isso, fizemos um filme mudo na TV aberta apenas com uma intérprete de libras. O ouvinte iria ver um preço no comercial. Agora, o consumidor que entendesse libras, enxergaria outro preço mais barato. Outro exemplo foi no Dia Internacional da Mulher, quando tiramos todas as nomenclaturas femininas que as cozinhas da Bartira recebiam. Isso trazia um machismo estrutural. É um gesto que muita gente não havia percebido, mas são detalhes que estão enraizados em nossa sociedade e precisam mudar. Outra iniciativa é com a redução de emissão de CO2. Com o Retira Rápido, a pessoa compra pela internet e retira o produto na loja. Isso evita que grandes caminhões fiquem circulando por pequenos trajetos. Então, em nossas ações você não vai encontrar só promoção, mas também os nossos valores.

Que análise você faz do mercado já que o momento socioeconômico do país não é tão favorável?
O brasileiro estava otimista até aparecer o coronavírus. Como estamos em nosso primeiro ano de gestão, seguimos o nosso plano. Ele está traçado e acredito que podemos fazer adequações, mas ele será mantido.

O que o consumidor busca hoje?
Conveniência. Essa é a palavra de ordem. As pessoas até topam pagar um pouco mais caro se a entrega for mais rápida. É importante também ter um atendimento consultivo, proativo e soluções rápidas para as dúvidas e anseios do consumidor. Ofertas segmentadas e personalizadas para cada cliente também são importantes. É a comunicação one to one, que já desenvolvemos há algum tempo.