O futebol levou um drible na semana passada. A Fifa, entidade máxima do esporte mais popular do mundo, caiu no gramado e ficou estatelada no chão. Tudo porque, na manhã do último dia 27, nove dirigentes da associação foram presos em Zurique, na Suíça. Entre os detidos, estava o ex-presidente da CBF, José Maria Marin. Ele e os outros presos foram à Europa participar da eleição do presidente da Fifa, que aconteceu na última sexta-feira (29) e reelegeu o suíço Joseph Blatter para o seu quinto mandado à frente da associação. Ele teve 133 votos das 209 federações nacionais pertencentes ao quadro da Fifa. Já o príncipe da Jordânia, Ali Bin Al Hussein, seu único adversário, contou com apenas 73 e desistiu da candidatura antes da segunda rodada de votações.
O pedido de prisão foi expedido pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que aceitou as denúncias de uma grande investigação do FBI iniciada em 2011 e que contou com a colaboração da polícia suíça. Dentro do imenso esquema de corrupção, foram mencionados crimes como pagamentos obscuros e ilegais, propinas e subornos. Além de um suposto esquema de venda das próximas Copas do Mundo para Rússia e Catar, fato que já havia sido denunciado publicamente antes mesmo do torneio realizado no Brasil no ano passado. Também estão sob investigação contratos de marketing no futebol brasileiro. De acordo com a Justiça americana, o escândalo movimentou US$ 150 milhões, equivalente a R$ 471 milhões.
Todo o escândalo, porém, não fica apenas na esfera do alto escalão que comanda o futebol. O marketing esportivo é uma das atividades que serão abaladas diretamente, pelo menos na opinião de Pedro Trengrouse, coordenador do curso FGV/Fifa de gestão, marketing e direito no esporte. “Agora, com esse problema que afetou a Fifa, as empresas pensarão duas vezes antes de vincular sua imagem à instituição”, diz.
Além disso, Trengrouse criticou o modelo de negócios da Fifa. Para ele, trata-se de algo ultrapassado. “O problema não é fulano nem sicrano, e sim esse modelo. As entidades ligadas ao futebol não precisam de intermediários, pois, atualmente, existe uma fila de emissoras que querem transmitir as competições, assim como uma série de empresas que querem patrocinar”, afirma. “Ou seja, essas transações poderiam ser feitas de uma forma direta. Esse modelo ainda tem resquícios de quando foi criado”, complementa.Outra crítica do especialista diz respeito à escolha dos países-sede da Copa do Mundo. “Não tem cabimento 20 pessoas se trancarem numa sala para decidir qual país será sede de uma Copa num tempo em que quase todo mundo tem a internet na palma da mão, precisaria de mais transparência e democracia nisso.”
Pé atrás
Já José Cocco, diretor-presidente da J. Cocco Sport Marketing, disse que, como em todo escândalo, os patrocinadores certamente ficarão com o “pé atrás”. Isso porque, de acordo com ele, no marketing esportivo a relação vai além do patrocínio. “Uma empresa está lincando a sua marca com a modalidade, com o atleta. Então, por conta disso, ela está suscetível a coisas boas ou ruins”, afirma. Sobre o caso da Fifa, especificamente, Cocco acredita que ainda é muito cedo para que as marcas comecem a agir. “O que me chateia é que essas empresas envolvidas não têm nada a ver com o marketing esportivo. Eles apenas estão vinculando sua marca, elas apenas fazem negócios com esporte”, critica o especialista.
Clarisse Setyon, coordenadora do MBA de Negócios do Esporte e do Núcleo de Esportes da ESPM, afirmou que, inicialmente, a crise envolvendo a entidade causará preocupação nas empresas relacionadas ao futebol. “Por outro lado, o impacto, quando falamos em educação na área de marketing esportivo, acredito que será positivo. Nós, não só no curso de MBA de Negócios de Esportes da ESPM, mas em todos nossos cursos, sempre tivemos foco na elaboração de projetos que privilegiam a ética, a transparência e o profissionalismo”, diz.
Ela também enxerga um legado positivo para o futebol e, principalmente, para o Brasil. “O processo iniciado na semana passada pode deixar um legado positivo para o Brasil, trazendo para o mercado justamente esta governança tão necessária em todas as áreas, assim como na área do marketing esportivo”, destaca.
Já em relação às empresas patrocinadoras da Fifa, a professora não vê outra saída que não seja as companhias deixarem bem claro o grau de envolvimento com a entidade. “Elas devem estar abertas para eventuais auditorias independentes. A Fifa comanda o futebol mundial, um esporte que envolve paixão em todos os continentes. Envolve uma audiência gigantesca. Se estas empresas se identificam com o esporte, com a paixão, não há nada de errado em patrocinar eventos da Fifa, desde que haja esta transparência e os processos de negociação sejam feitos de modo profissional.”
Ela, no entanto, acredita que haverá um questionamento enorme em relação a futuros patrocínios. “Isso porque a Fifa deverá provar a mesma credibilidade que as marcas patrocinadoras querem transmitir a seus consumidores.”
Mudanças
As marcas, por sua vez, que são exibidas em estádios e têm o direito de utilizar a Fifa em suas propagandas, quebraram o silêncio e exigem mudanças na organização. A Nike, patrocinadora oficial da CBF, afirmou em comunicado que está cooperando com as autoridades, apesar de não ter sido citada na denúncia da
Justiça americana. “Como fãs em todo o mundo, somos apaixonados pelo jogo e estamos preocupados pelas acusações gravíssimas”, diz o comunicado, de acordo com a agência Reuters. “A Nike acredita no jogo limpo e ético tanto nos negócios quanto no jogo e se opõe fortemente a qualquer forma de manipulação ou suborno. Nós temos cooperado, e vamos continuar a cooperar com as autoridades”, afirma a nota.
Já a Coca-Cola declarou que esta “longa controvérsia manchou a missão e os ideais da Copa do Mundo da Fifa”. A Adidas afirmou estar comprometida com “altos padrões de ética e conformidade”, e espera o mesmo dos seus parceiros. Ainda na nota, a marca diz que encoraja a Fifa “a continuar a estabelecer e seguir um padrão de conduta transparente em tudo que faz”. A rede McDonald’s, por sua vez, disse que os últimos acontecimentos são “extremamente preocupantes” e monitora a situação de perto.
A Visa também se posicionou a respeito do assunto, afirmando, também em comunicado oficial, que “espera que a Fifa tome atitudes rápidas e imediatas para resolver essas questões”. “Se a Fifa falhar na tarefa, já informamos que iremos rever nosso patrocínio.” A Hyundai Motor demonstrou preocupação a respeito dos procedimentos legais contra alguns executivos da Fifa e vai continuar monitorando a situação de perto. Já AB InBev manifestou-se por meio da Budweiser. “Esperamos que todos os nossos parceiros mantenham padrões éticos fortes e operem com transparência.”
Em relação à postura das marcas, Pedro Trengrouse afirmou que a saída seria pressionar. “As empresas que são parceiras da Fifa poderiam e deveriam pressionar a instituição para que as coisas fossem esclarecidas. Elas deveriam ter essa postura”, diz o coordenador do curso FGV/Fifa de gestão, marketing e direito no esporte.
Nike
A CBF foi uma das citadas na nota emitida pelo FBI semana passada. O texto diz que “a maior parte dos esquemas alegados no indiciamento se relacionam à solicitação e ao recebimento de subornos por dirigentes de futebol pagos por executivos de marketing esportivo em conexão com a comercialização de direitos de mídia e marketing de diversas partidas e torneios – incluídas aí eliminatórias da Copa do Mundo na região da Concacaf; a Copa de Ouro da Concacaf; a Liga dos Campeões da Concacaf; a Copa América Centenário; a Copa América; a Copa Libertadores e a Copa do Brasil – que é organizada pela CBF. Outros esquemas alegados se relacionam com o pagamento de suborno em relação ao patrocínio da CBF por uma grande marca esportiva americana; a escolha da sede da Copa de 2010; e a eleição presidencial da Fifa em 2011”, diz a polícia federal norte-americana.
A grande marca norte-americana envolvida na investigação é a Nike, que patrocina a seleção brasileira desde o fim dos anos 1990 e já foi inclusive investigada pela CPI do Futebol, realizada no Congresso Nacional, por irregularidades e pagamentos de comissões indevidas a dirigentes brasileiros pelos direitos de fornecer material e explorar a imagem do time nacional do Brasil.
Outro brasileiro investigado pelas autoridades dos Estados Unidos é o executivo de marketing esportivo J. Hawilla, presidente do grupo Traffic, que já teve que devolver US$ 25 milhões ao governo norte-americano e está participando de um programa de delação. Ele, que já é considerado réu confesso, possui um grupo de empresas subsidiárias nos Estados Unidos e participou da intermediação de contratos da CBF no passado, assim como da negociação de acordos de direitos de televisão da Copa Libertadores e da Copa América. A Traffic também teve exclusividade na comercialização de direitos internacionais de TV da Copa do Mundo da Fifa no Brasil, em 2014.
O propmark entrou em contato com o advogado da empresa, José Luís Oliveira, que seria o responsável por emitir uma posição sobre o fato, mas ele não retornou as ligações até o fechamento desta edição. Durante o anúncio das prisões da última quarta-feria (27), o procurador dos Estados Unidos responsável pela operação, Kelly T. Currie, fez questão de declarar que este não é o fim da novela. “Que fique claro: este não é o último capítulo da nossa investigação”, disse.
Os documentos da polícia americana dão conta que os contratos da CBF mostram que o acordo com a Nike gerou R$ 47 milhões em propinas para Ricardo Teixeira. Essa informação foi dita pelo dono da Traffic, José Hawilla. De acordo com a Justiça dos Estados Unidos, existem documentos nos diversos processos que mostram um acordo secreto para uma empresa de material esportivo norte-americana pagar um total de US$ 40 milhões para a Traffic em conta na Suíça. Do total do pagamento previsto por fora, efetivamente foram transferidos US$ 30 milhões entre 1996 e 1999, o que representa R$ 94 milhões.
Brasil
A Copa do Mundo do ano passado foi a mais lucrativa da história da Fifa. A associação teve uma receita de US$ 5,7 bilhões entre 2011 e 2014. O dinheiro arrecadado é quase 40% maior que o obtido durante o Mundial da África do Sul em 2010 – à época, a receita foi de US$ 4,1 bilhões. O número também é mais do que o dobro da Copa de 2006, realizada na Alemanha, que, entre 2003 e 2006, teve receita de US$ 2,5 bilhões.
A receita com a venda dos direitos de transmissão para emissoras de televisão aumentou pouco da África do Sul para o Brasil – passou de US$ 2,44 bilhões no quadriênio até 2010 para US$ 2,48 bilhões até 2014. Já no marketing, a Fifa ganhou muito mais com as empresas do Brasil do que com as da África do Sul, por exemplo. O valor levantado com os patrocínios passou de US$ 1 bilhão em 2010 para US$ 1,6 bilhão no ano passado.
No entanto, essa diferença de realizar a Copa no mercado brasileiro pode ser sentida pela quantia levantada por meio dos chamados apoiadores nacionais, que são empresas do país-sede que compraram o direito de usar o nome da Copa do Mundo. A Fifa faturou US$ 30 milhões com essa cota em 2010 e US$ 163 milhões em 2014.
Já em relação aos licenciamentos, a associação arrecadou US$ 115 milhões contra US$ 70 milhões da África do Sul. Os ingressos, por exemplo, deram à Fifa outro bom ganho. Enquanto em 2010 a associação repassava o valor ao comitê local, em 2014 a história foi diferente: a entidade passou a ficar com a quantia. Ou seja, no ano passado a Fifa levou para casa US$ 476 milhões. Entretanto, com um lucro de US$ 141 milhões em 2014, a Fifa conseguiu reforçar suas reservas financeiras: no ano passado, elas cresceram 7% e chegaram a US$ 1,5 bilhão.