Como outras mídias, o rádio foi impactado de maneira profunda pelas novas tecnologias e plataformas à disposição dos consumidores, e as empresas do setor estão se reinventando para engajar seus ouvintes não apenas no ao vivo do dial, mas em toda sua jornada diária de consumo de conteúdo. Os podcasts são uma das expressões mais populares dessa explosão de possibilidades sonoras, em que tanto a produção de conteúdo quanto a publicidade estão conseguindo atingir novas fronteiras criativas e se valorizando.

Sergio Rezende, fundador e diretor musical da Comando S (Divulgação)

Nessa nova era para o segmento, mais que rádio, os projetos de conteúdo e publicidade precisam ser pensados sob a perspectiva do áudio, como apontam especialistas do setor. O Festival de Cannes, por exemplo, ampliou a visão da categoria Radio, que passou a se chamar Radio&Audio, para demonstrar a força de ideias que se espalham com o som, e comunicam uma mensagem de marca por meio de excelência no áudio, na inovação de som e no storytelling auditivo. “Há muitas formas inovadoras de nos comunicarmos por áudio, mas a essência é a mesma. A forma de transmissão muda: sai da torre e vai para internet, mas, no final das contas, tem alguém roteirizando, criando conteúdo em áudio, e outra pessoa ouvindo. O mecanismo é o mesmo. Na parte de publicidade, em Cannes, vimos de podcasts modernos a jingles tradicionais sendo premiados, o que demonstra a capacidade ampla de comunicação dessa categoria”, afirmou Sergio Rezende, fundador e diretor musical da Comando S, que foi jurado brasileiro em Radio&Audio Lions em Cannes.

A melhor ideia de áudio do ano, vencedora do Grand Prix na categoria, é um exemplo do uso de tecnologia e novas plataformas. The Maze, da 360i de Nova York, usou tecnologia Alexa (Amazon) para divulgar a segunda temporada de Westworld, da HBO. A iniciativa recriou o universo da série, permitindo às pessoas participarem de um game e entrarem no enredo. Com uso de inteligência artificial, a história ia sendo contada conforme interação das pessoas, dentro de uma base com mais de 11 mil linhas de roteiro e até 60 possibilidades de histórias. Personagens como Bernard emprestaram sua voz para conduzir as pessoas, que investiram, em média, 14 minutos na experiência. “O case é um bom exemplo de como o rádio pode unir as novas tecnologias com um bom conteúdo. The Maze, embora tivesse grande participação de uma tecnologia nova como a Alexa, ganhou o Grand Prix porque tinha tudo bem feito. Do casting bem escolhido, ao sound design à inovação de ter um game em que as pessoas jogavam através de interação por áudio”, explica Rezende.

Segundo ele, depois de Cannes, aumentou muito seu interesse pelos podcasts, por ver como eles já eram tratados no exterior. Um dos cases envolvendo o formato foi The 200 year old podcast, um experimento da seguradora Sanlam gravado “no futuro”, que mostra durante o conteúdo como será o mundo daqui 200 anos.

Edu Luke, da produtora Hefty (Divulgação)

Outras grandes ideias do festival são destacadas por Edu Luke, da produtora Hefty, que participou do case Air Max Grafitti Stores, da AKQA para Nike, vencedor do Grand Prix de Media Lions. Para ele, foi possível ver ideias pensadas em rádio, como Bk bot 92 Whopper, de Burger King, e as peças da sul-africana Town Lodge, que ganharam diversos Leões na área. “Na outra ponta, houve trabalhos como Sounds of Future Ocean, da National Geographic, cuja ideia sonora usa o streaming, mas transcende a plataforma”, conta.

Criatividade
Projetos de marca como esse trazem reflexões para o setor, inclusive para a produção de conteúdo, onde uso da tecnologia e de plataformas pode levar a mensagem mais longe. E, especialmente, retroalimentar o rádio de criatividade para pensar em novas formas de se comunicar e garantir a relevância futura. A explosão dos podcasts parece o melhor exemplo de que isso é possível. “Eles, podcasts, trouxeram a democratização na produção de conteúdo. E o poder de escolha ao ouvinte, não só do que ouvir, mas de quando ouvir. Isso é positivo para o rádio, no sentido de ter de observar melhor o comportamento do ouvinte”, afirma Luke.

Para ele, o rádio precisa também encontrar a sua razão de ser, evitando formatos mais genéricos. “Ainda existem as pessoas que querem apenas apertar um botão e não se preocupar em ter de buscar conteúdo. Só não vejo mais espaço para as rádios que queiram ser nacionais e genéricas, por isso, conhecer o seu público, em âmbito regional, e trabalhar essas métricas “analógicas” pra gerar conteúdo relevante e sedutor para aquela comunidade é o essencial”, completa. Rezende aponta que a capacidade da rádio de gerar conteúdo 24 horas por dia é muito interessante nesse novo cenário, desde que misturado com conteúdos gravados como podcasts e com presença nas redes sociais e aplicativos como Spotify. “Os grandes profissionais de rádio podem produzir conteúdo de qualidade com agilidade, que é o que mais se precisa hoje”, diz.

Tula Minnassian, produtor-executivo da Play It Again (Divulgação)

Sobrevida
“Há quantos anos muitos dizem que o rádio acabou? Pois bem, primeiro foi a TV, depois Netflix, streaming e Spotify que o iam matar. E o rádio continua vivo, podendo ser ouvido em muitas plataformas. O rádio é imaginação e, sendo assim, sempre se beneficiará de todos os movimentos voltados a instigar as pessoas a saírem da realidade”, reflete Tula Minnassian, produtor-executivo da Play It Again.

Para ele, é muito bem-vindo o aumento de possibilidades de realização de áudio para diversas plataformas e também que possam ser julgadas criativamente. “Antes deveríamos acabar com a secundagem fechada na grade de programação dos comerciais. Tanta inovação tecnológica e o rádio continua oferecendo os mesmos formatos. Uma ideia que pretenda encantar e prender a atenção do ouvinte tem de ter o tempo que ela precisar. O que decide o tempo é a realização e não a venda de espaço. Quanto menor for a obrigação com o tempo da peça em questão, maiores as possibilidades de veiculação.

Sobre podcasts, Tula vê o movimento ainda engatinhando no Brasil, e que em muitos lugares do mundo já há profissionais especializados em sound design para o formato. “A produção sempre vai diferenciar os conteúdos. Hoje em dia, falar em produção específica no Brasil significa custos extras, que não são bem-vindos atualmente”, afirma. Na produtora, está sendo feito o podcast Rádio Cachola, de Henrique Szklo, por exemplo, mas o cenário geral é de muitos projetos orçados, mas não concretizados.

Thomas Roth, sócio e diretor-geral da Lua Nova (Divulgação)

Thomas Roth, sócio e diretor-geral da Lua Nova, afirma que o meio rádio enfrenta a barreira de se criar e produzir conteúdos diferentes pela estratificação dos formatos de 15, 30 ou 60 segundos. “O que não quer dizer que não se possa criar peças interessantes, ousadas e originais nestes tempos. Até porque os podcasts, por exemplo, podem, perfeitamente, suprir esta questão. Mas, o universo dos ‘ouvintes de podcasts’, principalmente aqui no Brasil, ainda é muito pequeno. Tem muito espaço para a criatividade oferecer soluções diferenciadas, mas existem algumas barreiras históricas. Poucas agências têm gente capacitada
pra escrever roteiros interessantes para o rádio. Poucos clientes têm entusiasmo em investir em ideias e formatos interessantes em rádio. Há sob o meu ponto de vista um certo comodismo para explorar toda a potencialidade do veículo”, critica Roth.

Para que o meio rádio possa se beneficiar do sentido mais amplo do áudio, diz Roth, é necessário haver mais inteligência estratégica e criativa. “Vivemos um período onde estamos todos num grande marasmo, com algumas pequenas ilhotas que vibram, pulsam, ousam, arriscam, que não perderam a curiosidade, a capacidade de se reinventar, de buscar novos caminhos”, afirma.

Roth conclama o mercado a ter mais coragem e inconformismo para explorar o potencial do áudio. “Das rádios, cuja maioria tem formatos rígidos e está satisfeita ‘do jeito que está’; das agências, que até hoje, a maioria, utiliza o rádio de uma forma quase ‘burocrática’, sem olhar com mais profundidade todas as possibilidades que este veículo proporciona; dos próprios anunciantes, que, fascinados pelo mundo digital, se esquecem que, neste país, há uma multidão absolutamente gigantesca que acorda e vai dormir ouvindo rádio. E, finalmente, cabe a nós, produtoras de áudio, sugerirmos ideias criativas”, avalia.

PROPMARK ouviu alguns dos principais players do mercado de rádio para compreender como as emissoras estão trabalhando seus podcasts, quais atualizações tecnológicas foram necessárias, bem como os ganhos da nova plataforma. Acesse o especial aqui.