Texto: Ana Carolina David

Com um cenário altamente competitivo caracterizado pela comoditização de produtos e o aumento do poder do consumidor, há uma pressão crescente para que as empresas coloquem (de verdade), o cliente no centro de seus processos. A expressão “foco no cliente”, velha conhecida no mundo dos negócios e incorporada de forma abundante em planejamentos, metas e missão, é uma forma de traduzir essa necessidade e fazer com que toda a organização envide esforços e energia para atender ou superar as necessidades dos seus clientes.

Nesse contexto, a transformação digital surge como um componente adicional: um catalisador de oportunidades (para os otimistas) ou um simples desafio (para os mais céticos). Com o crescimento das redes sociais e o desenvolvimento de tecnologias como big data, inteligência artificial e machine learning, bem como o aumento dos canais de comunicação digital, é preciso encontrar novas formas de se relacionar com os clientes, inclusive em contextos B2B. Sim, é isso mesmo: conceitos como UX (user experience), CX (customer experience) e todos os outros Xs da questão deixaram de ser prerrogativas apenas de empresas de consumo.

Cenário atual do B2B

Hoje, no B2B, a maioria dos processos de compras acontecem antes mesmo dos tomadores de decisão contatarem um representante de vendas. Os dados são interessantes: cerca de 68% dos compradores B2B preferem realizar pesquisas online, enquanto 60% preferem não interagir com um representante de vendas como fonte primária de informação; e mais, 62% afirmam que é possível desenvolver um critério de seleção ou finalizar uma lista de fornecedores apenas com base em informações disponibilizadas virtualmente (FORRESTER, 2019). Em outro estudo, a projeção é que em 2025, cerca de 80% das interações de vendas no B2B vão ocorrer por meio de canais digitais (GARTNER, 2020).

Imperativo: entender a jornada do cliente e aprimorar a sua experiência

A natureza dos relacionamentos reside em conexões emocionais e, de forma geral, é sempre examinada sobre a perspectiva da intenção comportamental. Talvez por suas características intangíveis, seja tão difícil desenvolver processos eficazes e holísticos de construção de relacionamento que de fato coloquem o cliente no centro, tirando esse objetivo de uma posição conceitual e filosófica e transformando-o em ações práticas, concretas, que possam ir além da simples implementação de um software de CRM (Customer Relationship Management).

Não é uma tarefa de marketing ou de vendas. O processo de geração de valor ao cliente deve considerar a integração de uma cadeia de processos que envolva toda a organização – desde a definição de proposta de valor, passando por segmentação e posicionamento, operação e logística até a mensuração do impacto dessas ações (MCCOLL-KENNEDY, 2019).

Entender, mapear e atuar na jornada do cliente é o primeiro passo para transformar o desejo de atendê-lo bem em ações concretas de aprimoramento. E essa lógica dá resultado. Uma pesquisa realizada pela ZENDESK e pela Enterprise Strategy Group (ESG) agora em 2020 revelou que as empresas focadas na experiência do consumidor detêm maior participação de mercado, vendem mais e contam com processos mais dinâmicos. No entanto, segundo a mesma pesquisa, apenas 26% das empresas no mercado possuem alta maturidade no assunto e podem de fato utilizar essa competência como vantagem competitiva.

Jornada do cliente B2B: precisamos falar mais sobre isso (Shutterstock)

Mapear a jornada no B2B: complexo, mas não impossível

A experiência de compra no B2B é mais complexa, longa e conta com a participação de diversos atores. Dependendo do setor, envolve uma grande dose de análise funcional e cognitiva para justificar a decisão de compra. Há também um público mais restrito, com menos clientes, porém com volume de faturamento significativamente maior – o que implica em altos níveis de risco, incertezas e consequências.

A jornada é o caminho que o consumidor percorre para adquirir um bem ou serviço, e engloba diversas etapas e pontos de contato. O conjunto dessas interações entre o consumidor e a empresa resulta na sua experiência. É um conceito que considera os aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais, sensoriais e sociais dos clientes em toda a sua interação com a empresa, e que vai muito além da simples tomada de decisão (LEMON e VERHOEF, 2016).

A jornada engloba três etapas gerais:

1 – Fase de pré-compra: que considera os processos que antecedem a tomada de decisão, como a identificação da necessidade, busca e consideração;

2 – Etapa de compra: que abarca todas as interações com a marca e a empresa durante a compra e inclui aspectos como emissão de pedido e pagamento;

3 – Pós-compra: caracterizada pelas interações realizadas após a compra, incluindo o uso e consumo do produto, bem como solicitações de serviços.

Com o mapeamento dessa jornada, é possível identificar oportunidades para geração de valor ao cliente, verificar quais são os momentos cruciais durante todo o caminho percorrido, da venda à realização de um serviço, além de gerar ideias sobre como aprimorar produtos, serviços e processos organizacionais. O mapa em si é o produto dessa análise, uma representação visual e cronológica de todas as interações realizadas com a empresa e, em geral, vem acompanhado de indicadores emocionais (HALVORSRUD e FØLSTAD, 2016).

Uma vez que o cliente é o verdadeiro protagonista do processo, a jornada deve ser mapeada sob sua ótica e não da forma como a empresa imagina que deveria ser. Portanto, para mapear a jornada do cliente, é preciso reconstruir o processo com o cliente. Entrevistas, observação, workshops e grupos focais são algumas das metodologias que podem ser empregadas para o seu desenvolvimento. Ferramentas como Design Thinking também podem contribuir com o processo, considerando a sua abordagem colaborativa e baseada na ideia de cocriação.

Tomemos como exemplo a contratação de uma agência de marketing para a empresa. A empresa é o cliente e a agência de marketing o fornecedor do serviço. A relação entre as duas provavelmente envolverá diversos atores, como o profissional de marketing que demandou o serviço, a área de compras que vai apoiar o processo, o tomador de decisão que, dependendo do valor e da complexidade do serviço, pode ser um cliente interno ou um superior imediato. É importante entender essa dinâmica, pois nem sempre quem toma ou influencia uma decisão é quem utilizará o produto ou serviço.

O mapeamento da jornada deve conter os seguintes elementos:

Ator(es) envolvido(s): são as pessoas que experimentam o processo de compra do produto ou serviço. No B2B, há geralmente o envolvimento de diversos atores como os demandantes do serviço, compradores, tomadores de decisão e usuários.

Pontos de contato: momentos em que há uma interação direta ou indireta entre a empresa e o cliente (ex. anúncios, website, canais de distribuição, sites de avaliação e recomendação etc.)

Expectativas e emoções do cliente: a forma como o cliente espera ser atendido naquele momento pela empresa e de que forma se manifesta emocionalmente ao longo do processo (emoções positivas: alegria, empatia e orgulho; e emoções negativas: raiva, insatisfação, tristeza etc.);

Responsáveis: quais são os departamentos da empresa envolvidos na jornada e responsáveis pelos processos subjacentes;

Recomendações gerenciais para o aprimoramento da experiência: aqui reside o grande benefício do mapeamento que é identificar oportunidades de melhoria para o aprimoramento de produtos, serviços e processos organizacionais.

Clique aqui e confira um exemplo de mapa de jornada do cliente.

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