Dizem que a mudança começa com os jovens. No caso do mercado da propaganda e do marketing, tal afirmação parece ser cada vez mais verdadeira. A nova geração de profissionais está mais diversa e ciente de seus objetivos.
A mudança começa na universidade, onde aspirantes a profissionais de comunicação se encontram com desejos variados. “O estudante hoje tem um leque muito mais vasto capaz de recebê-lo”, afirma Paulo Cunha, coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM.
“Antigamente, quando você chegava em sala de aula, logo no primeiro ano, perguntava: ‘quem quer fazer criação?’. Cerca de 70% da sala, até mais, levantava o braço. […] Hoje, quando pergunto para o pessoal de primeiro semestre quem quer ser criação, já não é nessa proporção”, revela Rogério Martins, coordenador do curso de PP do Mackenzie.
Na AlmapBBDO há hoje mais de 50 estagiários em todas as áreas da agência. A formação destes jovens é pensada em três etapas: o Welcome Day, a devolutiva do MAPA e o Programa de Estágio.
No Welcome Day é apresentado o propósito do programa e quais são os módulos que serão abordados, tentando fazer com que os estagiários se sintam mais acolhidos. O MAPA é um teste de personalidade aplicado durante o processo seletivo. Já o Programa de Estágio em si é dividido em módulos e sessões de troca com profissionais do mercado. Além disso, a empresa também conta com o programa Menor Aprendiz, que capacita os jovens não só para atuarem na agência, mas também para se inserirem no mercado de trabalho em geral.
“Muita coisa tem melhorado na questão de inclusão e diversidade, mas eu acho que no Brasil a propaganda ainda é muito elitista. Até mesmo na questão de contratação de estagiários: são sempre as faculdades privadas que são escolhidas. Isso acaba afunilando um pouco o mercado e não dá novas oportunidades. Eu acredito que no país é só uma classe que pensa a publicidade e sinto que já está mudando, mas precisamos continuar com esse movimento”, opina Tainara Marcolino, planejamento da Almap.
Sua colega de agência, Caroline Gonçalves, tem opinião semelhante. “Eu acho que a publicidade tem um poder muito grande. Ela criou um estereótipo e acho que a gente está no momento de ter esse mesmo poder para quebrar todos esses estereótipos para as gerações futuras”, relata.
Outra característica do cenário atual é que não são só os alunos de PP compõem o time das agências. Victoria Peters, estagiária de BI da Artplan, estuda ciências sociais. Para ela, tal disciplina dá uma forte “base de conteúdo” para business intelligence e é complementar com os outros perfis, conforme destaca seu colega de agência, Felipe Ferrarez, estagiário de mídia. “Acaba trazendo uma bagagem e entendendo melhor as relações sociais, motivações de compras comportamentais”, exemplifica.
Outro ponto do novo mercado é que a coisa é mais horizontal do que vertical. Ou seja, há cada vez menos estrelas e mais equipes fortes. Camilla Santos, também estagiária de BI da Artplan, fala que só foi descobrir os cargos da equipe com o tempo, pois todos se tratavam como equipe. “A gente sabia quem era a gestora apenas”, revela.
“O mercado está fragmentado. Você falava de Nizan, Duda Mendonça, Marcello Serpa… Estávamos até comentando: quem são estes nomes hoje em dia?”, questiona Martins, do Mackenzie. Mas o professor enaltece essa fragmentação citando que hoje há diversos nomes relevantes, principalmente no digital.
A força da fragmentação do novo mercado ganha coro entre os estagiários da Wunderman Thompson. “Queremos, antes de reconhecimento, ser grandes nomes de nós mesmos. Lutamos firmemente por autoestima, por autenticidade, procuramos sem cansar espaços, e quando nenhum nos abriga, nós os criamos. Compreendem? O objetivo não é mais repetir o sucesso dos outros, mas validar e ter respeito sobre o próprio sucesso. Os modelos mudaram, o sucesso não é mais único e de mesmo formato. Isso é uma ideia furada e antiquada”, explica Gustavo Costa, estagiário de atendimento.
“Há, com certeza, muitos nomes que inspiram no mercado. Mas, acho que o desejo que guia essa geração é alcançar o reconhecimento através de prêmios que entreguem valores tantos sociais quanto para a marca, independentemente de seu tamanho ou nome”, relata Marjorie Burjato, colega de agência de Costa e estagiária de produção.
A Wunderman Thompson, aliás, conta com mais de 60 estagiários. “Capacitá-los com base em nossos propósitos e valores e os acompanhar crescendo em suas carreiras é gratificante. […] Temos alguns compromissos que são base dos nossos projetos de atração de talentos, como o 20/20, que prevê 20% do nosso headcount ocupado por negros até 2020; e o 50/20, que traz o desafio de ocupar 50% das cadeiras nas áreas de criação e CX por mulheres, também até o próximo ano”, diz Adriana Massari, diretora de RH da empresa.
Mesmo com os visíveis avanços, ainda há muito a melhorar. “Nossos processos de contratação ainda são bastante fechados e não humanizados, se espera muito de alguém sem experiência, que está conhecendo um complexo mundo novo, e certamente está ansioso e assustado. […] É essencial buscar alguém para ensinar e nada mais, quando você ajuda um estagiário a amadurecer e entender sua importância para os processos, sendo também capaz de guiar cada um deles, você cria um profissional mais humano e mais capaz, sem desprezar suas características”, analisa Costa.
Para Daniel Cardoso, também da Wunderman Thompson, há um claro avanço nas discussões sobre empoderamento, porém ainda há muito o que mudar. “A publicidade de hoje em dia já se relaciona com essas pautas, mas apenas apropriando o discurso, muitas vezes sem trazer a prática para o cotidiano”, afirma o estagiário.
Na opinião do estudante, as agências estão descobrindo como conduzir as marcas de forma que elas contribuam significativamente para as causas e assumam seu discurso completamente. “Já vi muitos exemplos de campanhas verdadeiras transformadoras e com representatividade e diversidade da equipe na elaboração aqui na Wunderman Thompson, não só no produto final. É isso que me encanta e fez me apaixonar por essa agência”, comenta.
Com tantas opiniões fortes, é curioso saber como estes jovens se enxergam para daqui a 10 anos. A opinião de Costa é uma síntese de como pensam os novos profissionais: “essa pergunta é tão injusta, eu nunca conseguiria dizer a ninguém quem eu seria ou como seria daqui dez anos, de forma profissional e pessoal. […] Hoje sou parte de um time de atendimento publicitário e amo. Mas nosso mundo, dos comunicólogos, quer e gira mais rápido que a Terra. No balanço das horas tudo pode mudar”, finaliza o estagiário.
Resta esperar para saber quais mudanças o balanço das horas trará.