Posso falar para você sobre crise? Pois me dê licença. De crise no Brasil eu entendo. Pelo menos, algumas doeram-me no lombo. A única vantagem de ter a minha idade é ter vivido crises. Se é que isso é vantagem. Todas as outras vantagens da idade eu troco por uma boa ereção. Na verdade, a idade não rende nada, não traz nada e não serve para nada. A idade serve, talvez, para você saber inventar melhores explicações para peru mole. Acontece que o mundo não está interessado em teorias sobre broxadas. O mundo troca – ingrata vida! – uma boa trepada pela mais bem estruturada teoria sobre as causas da finitude da paudurecência diante da perversa distribuição de renda. Aliás, se você quer saber, distribuição de renda justifica apenas ativismo político. Pau mole é outro departamento. Pau mole é culpa do possuidor dele. Experiência é uma balela que só os velhos acham que traz alguma vantagem. Bukovisky escreveu: “Onde está você, juventude? Só agora eu percebo o quanto você faz falta, sua grande filha da puta”. Pois é, está dito. Eu já fui jovem e já li Bukovisky, hoje tão antigo quanto a Maisena. Ou a Pomada Minâncora. Pensando bem, como a MTV.
Por falar em crise, já atravessei o governo Collor com 1.500% de inflação anual, confisco de poupança e três indexadores. Já atravessei 1999 e a quebradeira toda. Vivi racionamento de combustível, com postos fechando no fim de semana. Já tive de aplicar o pequeno saldo da minha conta corrente no over nigth para que, a cada noite, eu não acordasse mais pobre. Já acompanhei o fim da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a saída de milhares de empresas da cidade e a queda vertiginosa dos salários na área da propaganda. Já vivi uma onda de sequestros hoje inacreditável e um delegado da polícia declarar na televisão: “a partir de hoje a Delegacia Anti-Sequestros não sequestra mais!”. Sobrevivi a tudo isso e não deve ter sido para poder assistir ao derradeiro e formidável enterro de nossa última quimera.
Hoje eu liguei para o Cesar Benjamim e conversamos sobre a vida e a crise. Jogamos um sobre o outro nossos lugares-comuns de sempre, nossas inside informations tão furadas quanto as inside informations dos comentaristas econômicos e políticos e concluímos, finalmente, uma coisa importante. Que precisamos sair pra almoçar e chegar muito tarde de volta ao escritório. E durante o tempo em que estivermos juntos vamos falar muita besteira. Combinamos rir. De nós mesmos em primeiro lugar, dos amigos em seguida e principalmente da filha da puta da crise. É preciso exorcizar de nossas vidas os bem-informados mensageiros da desgraça, os sommeliers do modismo, os charuteiros posudos. Qualquer um que leia Valor, Gula, Vinhateiro Moderno, Folha, CartaCapital, Caros Amigos e Veja sabe falar em crise, charutos ou vinhos com a maior autoridade. Logo, há que se achar melhor e mais proveitoso assunto.
Não, eu não estou propondo a nefelibatice total. Não acho que a ignorância cor-de-rosa dos otimistas enlouquecidos sirva para atravessar a crise e encontrar soluções para ela. Evidentemente creio no trabalho duro e na busca de soluções inovadoras e corajosas. Levo bastante a sério o conselho de Churchill: “se você estiver atravessando o inferno… não pare!”. O que eu quero dizer é que a crise está servindo para justificar apatia, incompetência e até mesmo alguma má fé. E papo chato.
Estou, ultimamente, precisando apenas ouvir boas histórias, boa filosofia de vida e carinho amigo. Pode ser que eu esteja ficando irremediavelmente veado. Mas, juro, espero ser um veado menos chato do que um veado conhecedor de vinho, charuteiro e filósofo de crise econômica. Serei, se Deus me permitir e der forças, um veado inteligente, alegre, criativo. Talvez até um pouco mal informado sobre o mundo digital e o futuro da “indústria da propaganda”. Provavelmente serei incapaz de prever com exatidão a morte dos veículos impressos e da propaganda “como se faz hoje”.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor