Foi minha segunda vez no Festival de Criatividade de Cannes. Claramente agora menor e mais dinâmico. Mas sempre com o mesmo charme que nos faz querer que o tempo pare naquela atmosfera inspiradora e que, depois, venha um pouco para casa com a gente.
Os assuntos do nosso tempo estavam lá. Todos aqueles que parecem permear qualquer conversa dentro da indústria de comunicação: inteligência artificial, diversidade, digital, métricas, conteúdo, colaboração, inovação, consumidor e transformação. Até aí, nada que tenha me deixado surpresa ou mexido com minhas convicções. Uma sensação boa, de que estamos no “game” e alinhados com as questões mundiais.
Mas se há um considerável consenso internacional em torno do conjunto de temas que pautam a indústria da comunicação no século XXI, isso não significa que não seja necessário continuar refletindo sobre objetivos, modelos e prioridades. Visto por esse ângulo, um festival como este traz uma boa oportunidade para conhecer e reconhecer diferentes maneiras de estar no game, de “jogar o jogo”. Nesse cenário, interessa saber qual é a melhor “combinação de cartas” que poderia impactar positivamente tanto a vida e a atuação profissional de cada um de nós quanto esse mundo fragmentado no qual vivemos.
Em Cannes 2019 foram dois os momentos que me fizeram perceber que, combinando novas e velhas cartas, há espaço para essa reflexão. Não por acaso, Scott Galloway, professor de marketing da Universidade de Nova York, e Madonna Badger, Chief Creative Officer da Badger & Winters, falaram sobre escolhas e sentimentos. Em um mundo movido por tantas e constantes mudanças tecnológicas, falar de felicidade e amor poderia soar como o nível máximo da ingenuidade. No entanto, pode significar também coragem para questionar o que está estabelecido e o que está naturalizado em nome de um saber técnico objetivo e homogeneizador.
Felicidade foi o tema do Scott Galloway. Lembrando que a depressão atinge hoje índices altíssimos, que a indústria de antidepressivos cresce e que também cresce o número de suicídios entre jovens, Galloway indagou: “Depois que você alcança um nível de segurança econômica, o que te faz feliz?”. E me fez refletir: o que significa pensar em felicidade? Seria um mecanismo produtor de autoengano? Ou poderia ser pensado como algo mais transformador do que qualquer nova invenção que um expert do Vale do Silício possa criar?
Segundo seu ponto de vista, os capítulos que serão escritos da nossa vida são definidos pelas pequenas escolhas. É o delta entre ação e não ação que vai determinar o enredo das nossas histórias de vida. Pensar em amar as pessoas não faz de você uma pessoa amorosa. Agir faz. Por que não aglutinar todas as coisas boas que você sente e agir a partir deste sentimento? Esse parece ser o recurso natural mais inexplorado do mundo. Há tantos bons pensamentos correndo entre nossos ouvidos e muito medo em torno de nossa disposição de realmente articulá-los. O mundo está precisando.
E o que o mundo está precisando ficou evidente no painel da Madonna Badger. Ela viveu a situação mais trágica que alguém pode passar: a morte das filhas em um incêndio. Porém, contaminada pelo amor materno que continua dentro dela, busca hoje impactar o mundo com campanhas que pretendem jogar luz a temas extremamente relevantes e urgentes. Em 2016, apresentou a campanha #WomenNotObjects contra a objetificação da mulher em peças publicitárias. Este ano, o projeto Rise Up Against Borders tem como foco as fronteiras que impedem a inclusão, cuja campanha arrebatadora mostra crianças separadas de suas famílias na fronteira dos EUA. #NoKidsInCages é um soco no estômago e uma inspiração.
As escolhas e as ações de Scott Galloway e de Madonna Badger geram impactos no mundo e ampliam o nosso campo de possibilidades de comunicação. Mas por que conversas sobre felicidade e amor encontram lugar em um festival que reúne publicitários antenados de tantos lugares do mundo? Certamente não se trata de evocar uma volta ao passado, idealizado e romantizado. Ao contrário, é o presente e o futuro que tornam urgente um novo olhar sobre quais são os direcionadores das nossas prioridades pessoais e profissionais.
Mariana Novaes é gerente de marketing corporativo da Globosat