Roberto Justus está renovando o contrato do Grupo Newcomm com o WPP por cinco anos. O CEO e futuro chairman do grupo que engloba a maior agência do país, a Y&R, consolida a venda de 80% dos seus ativos para a holding inglesa que já era majoritária no negócio. Seu objetivo é ficar mais “no lado estratégico”. Justus defende o modelo brasileiro de publicidade quando abriga a mídia, mas é crítico quanto às regras de preço. “Defendo a livre negociação”, diz Justus, que também faz restrições ao sistema “procurement” dos anunciantes.
Como o maior grupo de comunicação do país está vendo o cenário econômico?
É uma preocupação do mercado empresarial. A crise política exerce influência na economia. O Estado não oferece condições para as empresas operarem porque há uma insegurança que norteia todo esse cenário. Não importa se o PIB (Produto Interno Bruto) caiu apenas 3%. O problema é que as vendas despencaram, em alguns mercados, em mais de 40%. O ambiente é desfavorável e o Newcomm está a reboque disso porque os clientes estão mais retraídos. O dever de casa é nos preparar para esse momento ruim. Mais: o capital estrangeiro não se sente atraído em realizar investimentos em nosso país. O rebaixamento das notas do Brasil pelas principais agências de risco influencia essa decisão. O ano de 2016 deve seguir sem alento, o que só deve voltar a acontecer em 2017. Para se ter uma ideia de como a política interfere, bastou o impeachment da presidente Dilma ser iniciado que as bolsas reagiram positivamente e o dólar caiu.
A má gestão pública é cognitiva com os elementos emocionais dos consumidores?
Sim, claro. Mas, repito, ela afeta diretamente os mercados. O Brasil é um país em que o Estado tem um peso tão grande na economia que qualquer sintoma ruim contamina toda a cadeia produtiva. A livre iniciativa é o melhor caminho. O governo deveria se ater ao social, segurança pública, saúde, habitação, educação. O ideal seria o mercado cuidar de todo o resto porque sabe andar sozinho e é muito competente. Quem atrapalha é o governo, que, mesmo cobrando os maiores impostos do mundo, tem corrupção e um serviço público medíocre. Isso colabora para um clima desfavorável à livre iniciativa. A crise política tornou o clima tenso e propiciou uma situação muito difícil. A economia brasileira tem bons fundamentos e é dotada de um parque industrial fantástico. O problema é a infraestrutura e, nesse caso, entra o governo de novo, que não soluciona o escoamento da produção com estradas e outros meios logísticos. A retomada do crescimento econômico depende da solução desse ambiente político e o fim de escândalos.
Como incrementar vendas com o consumidor retraído?
O desemprego é o primeiro sintoma de que o consumidor não tem disponibilidade de recursos. Em tempos de crescimento, a agência ajuda seus clientes no desenvolvimento de produtos porque eles estão querendo expandir faturamento. Nesse momento, o foco é olhar o concorrente e fazer melhor do que ele para chamar a atenção do consumidor. O share of pocket em um mercado recessivo é mais difícil. Por isso, a comunicação tem de estimular a fidelidade às marcas. O objetivo é tirar share do concorrente porque não há novos mercados para serem explorados.
E qual é o papel da publicidade?
Ajudar as marcas a reterem a atenção do consumidor e, como consequência, ganhar a sua preferência na definição de compra.
Qual é o modelo ideal de agência nesse ambiente?
Muita gente reduz operação, mas não faz sentido, porque o ativo mais caro de uma agência é o seu pessoal. Salários e encargos representam cerca de 70% dos custos de uma agência. Mas, se a empresa é desestruturada demais, o risco é a perda de qualidade. Infelizmente uma quantidade de mão de obra teve de ser dispensada. A solução é otimizar serviços. O Grupo Newcomm tem um back office que estrutura áreas como contabilidade e finanças das suas cinco empresas. Recentemente concentramos a produção eletrônica e gráfica da Y&R, Grey, Wunderman, VML e Red Fuse. Conseguimos economizar e manter o nível elevado de entrega. Em tempos de crise, enxugar exige eficiência. E vamos manter esse modelo de execução de produção, independentemente do fim ou não da crise. O que será sempre independente é a inteligência estratégica.
Agências como a Y&R, a maior do país, e a Wunderman já estão consolidadas, qual será o papel da Grey no Newcomm?
A Grey Worldwide conquistou uma reputação internacional materializada com a conquista de 113 leões no Cannes Lions 2015, por exemplo. No Brasil, porém, nunca foi uma marca de sucesso. O projeto é fazer a Grey Brasil ter o mesmo protagonismo de lá fora. Como não tem clientes em muitos segmentos, ela leva vantagem porque pode prospectar negócios nas áreas de telefonia, varejo e bancos. E crescer. O investimento realizado na operação é considerável. Em pessoal e na sede. O Walter Longo presidiu a agência por um período preestabelecido, mas retornou à função de mentor de estratégia, inovação e novos negócios, cedendo lugar a Sergio Prandini, Marcia Esteves e Rodrigo Jatene. A presença do Longo nessa função é essencial no momento de crise. Vou dar atenção à Grey e estamos animados com as perspectivas. A agência atende a um portfólio importante de marcas da P&G, como Gillette e Pantene, por exemplo. Nos próximos dias vamos anunciar pelo menos duas novas contas.
Quais são seus planos para o Newcomm?
Estou renovando meu contrato com o WPP, nosso sócio majoritário, por mais cinco anos. Estou vendendo 80% da minha participação e no final desse novo compromisso vamos rediscutir os 20% restantes. Tudo deve estar assinado nesta terça-feira (15). Meu plano é ficar mais no ambiente estratégico. Isso vai me permitir analisar oportunidades, aquisições e até lançamentos de marcas do WPP no Brasil. O momento do Brasil é de crise e muitas empresas interessantes podem ser absorvidas. Quero estar disponível para o estratégico, repito. Quando a negociação com o WPP for concluída, vamos anunciar o Marcos Quintela, hoje na Y&R, como presidente do Newcomm. E eu passo para a posição de chairman. O Quintela será substituído na Y&R pelo David Laloum. Venho desacelerando o meu dia a dia na parte operacional há algum tempo e dedicando minha agenda aos problemas e soluções estratégicas dos nossos clientes de um modo geral. Desse jeito, consigo me dedicar às atividades de apresentador na Rede Record no programa Roberto Justus Mais e no reality show A Fazenda. Aliás, participar de A Fazenda tem sido prazeroso e surpreendente. É um programa de muita qualidade e considero o melhor reality do país, que vou estar à frente em 2016. O melhor de todos, em minha opinião, foi O Aprendiz.
Essa projeção que a televisão lhe proporcionou ajuda a abrir portas?
Sim. Esse lado que criei para mim, o do entretenimento, é uma fonte inesgotável de energia. Poderia estar parando nesse momento e vendendo todos os meus ativos para o WPP. Mas tenho um prazer enorme de permanecer na vida executiva porque tenho muitas coisas me retroalimentando. Estou sempre presente nos momentos mais importantes do grupo, fazendo reuniões estratégicas com clientes e visualizando oportunidades. Encontrei o momento certo para me tornar desnecessariamente ativo. Eu me dedico ao macro management. No micro, o Newcomm tem um grupo de profissionais que dão conta do recado. A visibilidade que ganhei na TV abre, sim, muitas portas e me aproveito disso. Mas, quando comecei a fazer os meus programas, em 2004, o Newcomm já era o maior grupo de comunicação do mercado.
Como vê o modelo brasileiro de publicidade?
Do jeito que a mídia mudou no mundo, chegou a hora de o modelo internacional ser revisto. Há muitos movimentos nessa direção nos principais mercados. O poder da mídia junto com as disciplinas de criação, atendimento, produção e planejamento é campeão. Sempre defendi e respeitei a livre negociação entre empresas. O Newcomm não se rebaixa. Cobrar pouco, não dá. Temos um valor, e ele precisa ser respeitado. Há uma discussão grande envolvendo o Cenp e a ABA, mas prefiro me concentrar no fenômeno do “procurement” estabelecido nos anunciantes. A área de compras, com a sua visão concentrada em preço, causa um dano enorme ao negócio.
Qual é a missão?
A agência precisa ser mais construtiva. Muitas consultorias entraram nos anunciantes e assumiram um papel na área de comunicação que deveria ser da agência. O Newcomm está atento e é por esta razão que cada vez mais enfatizamos a postura estratégica. É onde quero estar mais presente. Isso interfere na remuneração. O “procurement” vem negociar preço de serviços estratégicos de marketing e comunicação com o mesmo procedimento que usa para comprar cadeiras. Outro dia, participei de uma reunião em uma multinacional e o pessoal de “procurement” estava presente. Fui taxativo em dizer que eles não têm a visão e não respeitam o valor de uma ideia capaz de gerar milhões de retorno para uma marca, produto ou serviço. A remuneração de uma agência não pode estar nesse padrão de redução de custo. Quem paga menos perde qualidade e o resultado é a diminuição de vendas. O modelo de mídia em casa é excelente, mas defendo a livre iniciativa.