“O ponto onde quero chegar é que nós precisamos criar um novo imaginário coletivo sobre quem é artista. Artista é gente, ponto”
Pelo menos era isso que eu pensava até pouco tempo atrás. Mas o fato é que hoje reconheço a artista criativa e criadora que sou. Não sei exatamente quando me dei conta disso, mas acho que é normal, né?
A confiança vai se construindo aos poucos, por vezes ela surge de dentro pra fora, conforme realizamos coisas das quais temos orgulho. Por outras aparece de fora pra dentro, quando o mundo reconhece os nossos feitos.
Mas a questão é, por que eu não queria me reconhecer nesse lugar? Isso vem desde muito cedo e os motivos se construíram em efeito dominó. Não venho de uma família de músicos, atores, cineastas ou escritores.
A arte que minha família praticava muito bem era a arte de empreender para sobreviver. Logo, no meu ciclo de pessoas próximas, não conhecia gente que se reconhecia como artista. Mais tarde, educada pela televisão, aprendi que os grandes e reconhecidos cantores, atores, compositores, escritores e autores eram, em sua maioria, homens e mulheres brancas, raras as exceções.
Entrando na vida adulta, quando passei a consumir e me interessar cada vez mais por cinema, aí lascou de vez! A essa altura, eu passei a acreditar que apenas gênios, superintelectuais e ricos poderiam ser cineastas.
Os meus diretores prediletos falavam de um jeito que eu não sabia falar. Eram excêntricos, autoritários, obcecados pela própria obra e eram esses sujeitos que conquistavam o público, a crítica, lotavam salas de cinema, desfilavam por tapetes vermelhos, davam entrevistas para o The New York Times.
Mas e eu, como poderia me encaixar na mesma categoria que essas pessoas tão distantes de mim? Comecei a trabalhar com audiovisual, na produção, com coisas mais burocráticas e racionais, mas, conforme o tempo foi passando, o trabalho se tornou progressivamente mais criativo, e eis que, de experiências em experiências, me tornei diretora.
Já fiz curta-metragem futurista, documentário premiado, videoclipe de diva pop, série e muitas propagandas. Mas, mesmo tendo realizado tudo isso, eu ainda tinha receio de responder que sou artista quando me perguntavam a minha profissão.
Preferia pensar no meu trabalho como mais técnico do que artístico, pois, na minha cabecinha dura, isso causava menos pressão do que não ser a gênio que citei algumas linhas acima.
Mas, como também mencionei, a confiança vai se construindo aos poucos.
Conhecendo pessoas, pessoas que admirava e outros que passei a admirar, fui percebendo que, quem constrói essas obras de arte que a gente ama, é tão gente quanto a gente.
Sim, alguns têm habilidades impressionantes que parecem vir de fábrica, mas essas são mais raras do que imaginamos. A maioria esmagadora tem o privilégio da oportunidade ou resiliência (ou as duas coisas ao mesmo tempo).
O ponto onde quero chegar é que nós precisamos criar um novo imaginário coletivo sobre quem é artista. Artista é gente, ponto.
A parte mais importante do meu processo criativo é a vida real, ouvindo conversas no metrô, observando adolescentes voltando da escola, escutando histórias da minha família, conversas de bar, ou seja, todas essas coisas comuns, sem nenhuma excentricidade ou obsessão.
Ainda me arrisco a dizer que trabalhar partindo do cotidiano simples é que torna meu trabalho cada vez mais complexo, tanto conceitual quanto esteticamente.
Agora proponho que você apague da mente esse homem maluco, com megafone na mão sentado em sua carreira de rei diretor/ditador.
É por isso que escolhi essa foto pra ilustrar esse texto. Pra você se lembrar de mim quando pensar na figura de uma cineasta…
É, eu sou artista!
Thati Almeida é diretora de cena da Magma