Presidente da entidade de live marketing, Heloisa Santana faz um balanço da campanha Estamos ESGotados, que chama a atenção para as dores do setor

Há apenas dois meses à frente da presidência da Ampro (Associação de Marketing Promocional), Heloisa Santana vem movimentando o setor. Atuando há 26 anos no mercado de comunicação, sendo os últimos 15 no live marketing, a executiva, ao lado do conselho da entidade, lançou a campanha Estamos ESGotados, com o objetivo de chamar a atenção para as equivocadas práticas em andamento pelos anunciantes. A principal dor é a questão das concorrências  “job a job”, muitas vezes com foco em redução de preços. “Precisamos criar um mercado mais sustentável e equilibrado, onde a criatividade seja nosso maior valor”, reforça ela, que está no júri de Mobile (shortlist) do Cannes Lions. Confira a sua entrevista a seguir, em que a executiva também fala sobre a retomada do segmento.

Quando você assumiu a presidência da Ampro e qual o balanço que faz do período?
Cheguei na Ampro no início de abril e de lá para cá, o balanço desses dois meses foi de: imersão entre associados (espalhados por todo o Brasil), integrantes do Conselho Executivo e Comitês, time interno e outras entidades do setor. Além de um olhar gigantesco para os principais movimentos do mercado nesta retomada, após dois anos sofridos e desafiadores.

Como está a retomada do setor?
Estamos observando uma intensidade de demandas, concentradas em eventos/ativações/ações em PDV, o que gera uma movimentação interessante não só para agências, como também para toda cadeia. Isso, sem dúvida, é reflexo das atividades presenciais. Passando inclusive com eventos focados aos profissionais do setor. Isso sem contar os eventos presenciais internacionais, que o Brasil vem marcando presença.

De que forma a pandemia afetou o live marketing? Quantas agências foram fechadas?
Nosso mercado foi o primeiro a ser afetado de forma imediata e abrupta, pois teve cancelamento de todas as atividades presenciais. Imagine, de uma hora para outra, o setor paralisar suas operações sem perspectiva de retomada. Isso trouxe um impacto grande de fechamento de empresas; demissões e de muita incerteza. Temos um número estimado de cerca de 40% de empresas fechadas ou que migraram para outras atividades, que não o live marketing. Pela Ampro, fizemos um levantamento que concluiu que mais de 90% das agências especializadas em live marketing foram diretamente afetadas com a crise da Covid, com queda de faturamento de até 75% até o fim de 2020.

Quais foram as lições tiradas com a pandemia? Que novos formatos de serviço surgiram?
Várias. A primeira delas foi ressignificar algumas frentes, como criar alternativas para as marcas estarem em contato com seus públicos, levando o melhor das experiências. Neste sentido, o digital apoiou, e muito. As lives (musicais, corporativas, educacionais) são belos exemplos. As trilhas de relacionamento entre marcas e consumidores também. Idem as promoções de produtos. Pudemos ver o surgimento de plataformas e estratégias digitais, vinda de operações já existentes, assim como também empresas nascendo no live marketing.

Qual foi o papel do digital nesse processo?
Foi fundamental! Novas estratégias, soluções e o melhor: as conexões com o público, que vieram para ficar. Neste sentido, estou otimista de ver cases interessantes tanto no Ampro Globes, quanto no Cannes Lions que logo mais se aproxima, onde o digital levou a experiência em potência máxima! E o mais interessante: sem perder de vista a essência do live marketing, que é experiência.

O formato híbrido de eventos veio para ficar? E como o metaverso se insere nesse contexto?
Sem dúvida. Ele mostrou que as marcas podem se conectar de forma transversal para suas experiências, começando no digital, indo para o presencial (ou vice-versa). As marcas podem ficar mais tempo em contato com seus consumidores. O metaverso facilita inclusive esse caminho, já que algumas estão formando cases, mas atenção! Nada substitui o olho no olho, a energia da vibração do palco, aquela ativação que surpreende, a participação das pessoas para estender as iniciativas. O famoso “abraço ao vivo, a música alta e a dinâmica coletiva ao vivo” são essenciais para o nosso mercado. Existem marcas, inclusive nativas do digital, que vêm optando em fazer suas atividades no presencial.

Quais são os números hoje do setor? Existem dados que mostram o aquecimento do mercado no primeiro trimestre?
O live marketing é, historicamente, um dos setores que mais movimentam a economia brasileira. Somente a indústria de eventos impacta mais de 50 setores da economia e já movimentou, anualmente, no país, mais de R$ 930 bilhões, o que representa quase 13% do PIB – índice maior que o das indústrias automobilística, farmacêutica e a petrolífera –, com a geração de 25 milhões de empregos diretos e indiretos. O Brasil geralmente organiza e recebe cerca de 590 mil eventos anuais (dados de 2019 – fontes: WTTC/Min. Turismo/UFF/Sebrae/ABEOC/Revista Eventos/CNC). Em termos de faturamento, os números do setor do live marketing, que inclui os eventos, as promoções e ativações, o marketing de incentivo, o trade marketing, já se aproximaram de R$ 50 bilhões anuais (dados do fim de 2019), com crescimento de mais de 130% de 2013 a 2019. A Ampro não tem dados mais recentes apurados ainda, mas as expectativas para este ano são otimistas conforme temos observado no aumento de movimentação das agências e no retorno dos eventos presenciais.

Recentemente, a Ampro lançou  campanha por boas práticas no live marketing. Qual é o retorno?
A campanha Estamos ESGotados tem o objetivo de chamar a atenção para as equivocadas práticas em andamento pelos anunciantes. Precisamos ter mais diálogos para que sejamos entendidos e respeitados. O retorno está bem positivo de toda cadeia do live marketing (agências, fornecedores, profissionais e acadêmicos), além também da imprensa, entidades do setor de comunicação e eventos. Consideramos o impacto positivo, pois, além das interações e compartilhamentos, também crescemos a base de empresas e profissionais nas nossas redes sociais. Olhando os anunciantes, tivemos dois cases em detrimento da campanha: 1. um grande anunciante em contato conosco, que antes de lançar seu processo de concorrência (grande, aliás) para contratação de agência de live marketing, baseado em fee, foi escutar nossas melhores práticas. Saímos de lá com um olhar muito positivo, pois muito do que falamos era desconhecido para as áreas técnica e de compras; 2. Denúncias no nosso canal Denuncie Mais, como o caso de um anunciante com alto posicionamento de sustentabilidade/ESG, porém executando um processo concorrencial totalmente na contramão das melhores práticas da Ampro.

A campanha terá novos desdobramentos? O que está sendo feito na prática?
A campanha será constante até que consigamos construir um mercado mais saudável, justo e humano. Estamos na fase de traduzir o “ESG” para o nosso segmento. E conversando com entidades do setor para somar forças, além de abrir diálogos com anunciantes para adequar as melhores práticas. A Ampro está sendo porta-voz de problemas que existem faz muito tempo e ainda não foram tratados com a devida atenção e valor.

Quais são as principais dores e reivindicações do setor?
Precisamos criar um mercado mais sustentável e equilibrado, onde a criatividade seja nosso maior valor. São várias as dores que vivemos no dia a dia que afetam agências, profissionais e toda cadeia. Destaco a questão das concorrências  “job a job”, muitas vezes com foco em redução de preços.  Nossa recomendação é que as contratações sejam com contratos longos, para que a relação seja mais pautada em desafios estratégicos/criativos/inovação, como já realizado na publicidade, PR e digital; reduzir a quantidade de agências nas concorrências (no máximo três); briefings e feedbacks de mais qualidade e por fim um tema que amplamente trabalhamos nos últimos anos, o prazo de pagamento.

Que insigths foram tirados da última pesquisa de pulso da Ampro? Quando foi feita e qual a amostra dela?
Foram vários, mas destaco cinco principais:

  1. Alto número de concorrências job a job pautadas no melhor
    preço.
  2. Número elevado de agências para as concorrências, extrapolando a recomendação ABA/Ampro.
  3. Falta de feedbacks, o que deixa as agências sem saber onde poderia ser melhor.
  4. Prazos de pagamento extensos.
  5. E um sinal positivo de perspectiva de crescimento nos negócios, a partir do 2º trimestre. Mas alguns dados que chamaram muito a atenção são de que menos
    de 15% dos processos de concorrência são para contratos longos, enquanto que a maioria esmagadora (72,1%) dos processos ainda acontecem no job a job; no quesito prazo de pagamento, apenas 32,6% estão dentro da recomendação das melhores práticas da Ampro, sendo que 67,4% continuam praticando até 120 dias; e um dado muito preocupante é que, em 74,1% das concorrências, o critério de escolha da agência é preço, o que nos leva a entender que a criatividade está em segundo plano para os anunciantes. O levantamento foi feito de 20 a 31/5, com 605 respostas de representantes de agências e empresas fornecedoras de live marketing; associados e não associados, com abrangência nacional.

Quais são as suas expectativas e objetivos à frente da entidade?
Continuar e evoluir o trabalho da Ampro, que este ano completa 28 anos. Reforçar a imagem da associação e a relevância do mercado por todo Brasil, inclusive dando maior visibilidade às agências regionais. Amplificar as vozes de nossos associados na busca de um mercado sustentável com diversidade e equidade. E aumentar o diálogo com anunciantes na construção de relações mais sólidas.