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Muito provavelmente você já tentou acender um isqueiro sem gás. Faísca, mas não faz fogo. Inspiração é faísca.

Etimologicamente, a palavra inspiração vem de “soprar dentro”. Assim, estar inspirado é ter alguém soprando algo dentro de você ou, de uma forma mais poética, ter alguém insinuando alguma coisa para o seu coração. Prefiro a opção poética, porque já me ajuda a lembrar que inspiração pode até ser mental, mas nada tem de racional.

Talvez por isso o significado original da palavra seja ligado primeiro a atividades teológicas, pressupondo que ‘alguém’ seja uma entidade divina, e depois aos artistas, dada a característica subjetiva de sua produção – “de onde esse cara tira essas ideias?”.

Como teólogos e artistas nunca foram maioria, inspiração muitas vezes é tida como um dom concedido a pessoas especiais, eleitas, iniciadas.

Mas uma rápida observação nos faz perceber que inspiração é da natureza humana e faz parte do cotidiano de todos nós. Não é à toa que se fala que “Fulano acordou inspirado hoje” quando alguém faz alguma coisa – o café da manhã, a escolha da roupa, uma apresentação – com entusiasmo e brilho nos olhos.

O brilho nos olhos é a faísca, mas, como no exemplo do isqueiro, produzir algo a partir de uma faísca depende de uma combinação de elementos… Para ter fogo, precisa haver também combustível e ar.

O comentário de Picasso, na frase que está abaixo do título, me ajudou a entender que faísca que não vira fogo, some. Foi essa frase que me ajudou a compreender que inspiração não significa receber uma solução pronta soprada diretamente no seu coração, porque sempre há trabalho mental, físico ou ambos envolvido na concretização de uma ideia: só percebo a inspiração quando estou buscando solução para algo (o que comer, o que vestir, o que apresentar) e só consigo fazer algo com ela quando tenho a técnica e os recursos (ingredientes, roupas e conteúdo) necessários.

Outro aspecto que acho importante comentar é que algo que se traduz como faísca, como sopro e como insinuação nada tem de objetivo, previsível ou linear.

Assim, não necessariamente existe relação de causa e efeito entre inspiração e solução, pelo menos não óbvia. Entender como árvores gigantes sobrevivem na Patagônia com apenas um metro de terra para nutri-las (as raízes se conectam e compartilham recursos, num exemplo de cooperação eficaz) me ajudou a reorganizar a dinâmica de trabalho com minha equipe.

E pode somar ao problema, à técnica e aos recursos necessários a intenção e a capacidade de autocontrole de quem se inspira. Faísca pode vir de qualquer lugar: das árvores patagônicas, de uma história, da interação com uma pessoa carismática, do amor ou do ódio. Pode gerar coisas belas na mesma medida em que motiva golpes e violência.

Porque inspiração é democrática e sopra dentro dos fanáticos do Estado Islâmico assim como se insinua para corações geniais como o do nosso já saudoso David Bowie.

Paula Nader é diretora de marca e marketing do Santander