Deus quer, o homem sonha, a obra nasce, nos ensinou Fernando Pessoa. Mas não custa nada perguntar para os russos, como certa feita Garrincha sugeriu a Feola. Não custa absolutamente nada, antes de se deixar mergulhar nos sonhos, e merecer o aplauso da mulher, filhos, família e vizinhos, se é verdadeiramente isso que os “russos”, as pessoas que supostamente comprarão aquele serviço, querem.
Todos os dias em todo o mundo, em todas as cidades brasileiras, nascem negócios na base do entusiasmo, do voluntarismo e do wishful thinking. E dias, semanas, meses, no máximo um ou dois anos depois, encerram as suas atividades. Quase sempre o epitáfio é o mesmo: “aqui jazz um negócio que não foi compreendido pelo mercado”. Pode?
Vou pegar apenas um exemplo a título exclusivamente de exemplo e com todo o carinho e respeito por seus protagonistas. Leio no DCI um novo negócio que nasce na cidade de Campinas. Levando em consideração, dentre outros dados, afirmações genéricas do Sebrae de que o mercado de estética masculina cresceu mais de 100%. Era tudo o que faltava para o delírio começar e a tragédia próxima ganhar corpo e vida: “Levantamento feito pelo Sebrae revelou que o mercado de estética masculina cresceu mais de 100% no Brasil desde 2013 e segue como uma tendência para os próximos anos, pois os cuidados com a aparência são, cada vez mais, prioridade também para os homens”.
E assim nasceu um híbrido de infinitas coisas – inclusive barbearia – batizado de “Máfia da Navalha”. Explica um dos sócios, “Éramos clientes e percebemos que barbear é uma arte, pela história e cultura que representa, e queríamos investir num setor que mescla arte com bem-estar, estilo, cuidado pessoal e lazer”.
E o que tem no espaço “multiplataforma”? O espaço contará, por exemplo, com um bar com dezenas de rótulos de cervejas e chopes especiais, cardápio diferenciado, mesa de sinuca e, é claro, seis cadeiras com alguns dos melhores barbeiros da região: “Trouxemos um dos barbeiros mais conceituados da região, o JB, que tem mais de 16 anos de experiência. E ele nos ajudou a captar outros profissionais talentosos de diferentes cidades”. E, arremata: “Viemos para mudar o mercado com qualidade!”.
Infelizmente não vieram. Não vai acontecer absolutamente nada. Cortar o cabelo nesse espaço multiplataforma vai ser um porre. Tanta atração afugentará os verdadeiros clientes que sustentam essa atividade – os que vão cortar o cabelo mensalmente – e atrairá chatos e malas de todas as naturezas. Que empatam, falam alto, são invasivos, apoderam-se, espantam.
Mas, independentemente de frequenta- dores indesejados, não era e não é bem isso que os “russos” continuam buscando numa barbearia. É o de sempre. Quando você oferece além do desejado, uma série de penduricalhos e inutilidades, a única coisa que ocorre, como certa vez disse Theodore Levitt, é que o enterro fica mais caro.
Imagino que na inauguração o grupo de empresários tenha recebido amigos e parentes, abraços, beijos, tapas nas costas e ouvido: “na mosca, você vai ficar rico”, ou “parabéns, que ideia espetacular”. E foram dormir felizes e realizados. Pena que a aprovação não fosse dos “russos”, dos verdadeiros clientes. Os tais que mantêm os negócios, todos, em pé.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br