Um dos mais profundos pensamentos da filosofia ocidental foi dita por meu dupla, Marcelo Martinez, que sentenciosamente afirmou: “Às vezes, a gente passa por babaca por pura babaquice”. Sábias palavras, principalmente para quem, como eu, já viu ou praticou besteiras que nem na ficção mais delirante seriam possíveis.
Besteiras gigantescas e inacreditáveis ocorrem mais do que a gente pensa. Um querido amigo, afamado e produtor, antes de se bandear para o cinema, ajudava o pai numa empresa de exportação. Pois conseguiu mandar um navio inteiro, lotado de café, para um porto errado, fato que durante muito tempo constou no anedotário da marinha mercante internacional. Impossível? Claro que sim. Exatamente por isso, ocorreu.
A grande, a monumental cagada, ocorre como somatório de pequenos enganos. Lembrem-se da tragédia do avião da Vasp que caiu na floresta por uma sucessão de mal-entendidos, incluindo uma inacreditável troca de sintonia de uma emissora de rádio. O piloto sabia que o sinal de uma rádio que serviria para ajudá-lo na navegação estava transmitindo um jogo de futebol.
Ele já se enganara na interpretação da bússola e nos ajustes de navegação. Só faltou mais essa escorregada quanto à emissora de rádio. Achando que a narração do jogo que ouvia era de uma determinada emissora, rumou em direção ao sinal. Só que não era. E caiu, sem combustível.
Agora me permita contar a minha burrice, que os antigos comandantes da PM do Rio de Janeiro se lembram. Estupidez tão grande que levei anos sem ter coragem de contar para ninguém.
Durante a gestão do grande Luiz Eduardo Soares, na Secretaria de Segurança, minha agência tinha parte da conta do governo do estado do Rio de Janeiro.
Preocupado com a imagem da PM, Luiz Eduardo teve a ideia de mudar a cor da polícia, como sinalização de novos tempos e de nova mentalidade.
E pediu para algum design, entre seus inúmeros amigos, uma nova programação visual que seria implantada aos poucos, ao mesmo tempo que uma campanha de propaganda divulgaria que estava surgindo uma espécie de “nova PM”, mais adequada aos tempos de abertura e de preocupações cidadãs.
O chefe de comunicação da corporação me passou o briefing e, como eu estava viajando para o exterior, passei as informações para a agência pelo telefone no aeroporto.
Por um desses lapsos que só o diabo consegue explicar, quando disse aos colegas a tese central da campanha, repeti várias vezes que a cor da PM era azul, por simples engano.
Eu queria dizer verde, como algumas viaturas recém-adquiridas já vinham pintadas. O tema da “nova PM” foi bem transmitido, embora a dupla tivesse entendido também que eu estava sugerindo o uso da cor azul. E foi criada uma bela campanha com o tema: Tudo azul na PM.
Essa besteira seria pequena se, para completar, o nosso diretor de operações, que não conhecia o briefing, mas acreditou que a campanha era adequada, enviou para a dupla um email dizendo: “Ok. Vamos em frente”.
O que queria dizer somente que era hora de apresentar para o cliente. O email foi interpretado como “tudo aprovado” e a campanha finalizada. Por muito pouco não foi publicada.
Mesmo assim, o Luiz Eduardo me jurou de morte. Graças a Deus, mais tarde esqueceu, tanto que ainda somos amigos. E eu estou vivo.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)