Em dezembro completa um ano desde que Niel Golightly se tornou diretor global de comunicação da Fiat Crysler Automobiles (FCA) – cargo inédito no organograma – e integrante do Conselho Executivo do Grupo (GEC). Com formação em artes liberais e experiência como piloto de caça, o executivo foi VP de relações externas na Shell Oil Company, onde liderou a implementação de estratégias de reputação, marca e engajamento nas linhas de negócios na América do Norte e do Sul, e atuou 13 anos na Ford Motor Company. Durante passagem pelo Brasil, ele falou sobre seu aprendizado, o momento da FCA e para onde a companhia e o mercado caminham.
A FCA nunca teve um diretor global de comunicação. Por que agora?
A companhia está passando por um ponto de transição, especialmente com o Mike Manley (CEO desde julho de 2018), para uma posição muito mais forte, olhando para uma estratégia de longo prazo e global, com a reputação sendo construída com visão de 50 anos à frente.
É preciso pensar muito mais profundamente sobre alguns aspectos estruturais além da reputação?
Nunca teve, além do CEO, alguém especificamente para olhar isso de forma integrada e global, bem como sua compreensão de forma ampla. A segunda coisa, e eu acredito que isso sirva para outras empresas também, é que o papel da comunicação nas corporações está mudando drasticamente, porque o papel das corporações na sociedade também está. Vai muito além de fabricar e vender produtos, e competir entre eles. Isso continua, sim, na fundação, mas agora há expectativas sobre como as companhias vão se envolver e atuar nas grandes questões como meio ambiente, clima e diversidade.
Nesse sentido, as empresas se posicionam como parceiros atuantes?
São questões gigantes que governos estão provando que não conseguem resolver sozinhos, e as empresas estão participando mais. Daí a necessidade de ter alguém na empresa que não apenas forneça informações, mas na verdade que, junto com o time global, seja os olhos e ouvidos da empresa do lado de fora: no mercado, na sociedade, nas comunidades, ouvindo e escutando, trazendo insights para dentro da companhia. Além disso, certificar que a performance da companhia está alinhada com as expectativas da sociedade. A transformação é uma grande oportunidade, não é um desafio.
Com um escopo tão amplo, como fica sua rotina e a interação com todos os times?
Tenho a ajuda dos times de liderança globalmente para encontrar o equilíbrio entre as eventualidades que acontecem em cada mercado – porque seria muito fácil deixar isso nos engolir – com a visão estratégia de longo prazo especialmente importante nesse momento de transição de um ciclo para o outro. Isso significa que algumas habilidades precisam ser construídas. Em cada lugar, estamos olhando juntos para criar globalmente as estruturas certas, os processos e os recursos certos.
Qual é essa estratégia de longo prazo para a FCA?
A FCA sempre foi muito poderosa em suas marcas individualmente: Fiat, Jeep, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Maseratti… e elas estão no core dos negócios. Mas a FCA percebeu que também precisa desenvolver sua força como corporação. Então a reputação da FCA está nos principais objetivos junto ao desenvolvimento de novas tecnologias, e pensar nas grandes questões da sociedade, ou qual posição deveríamos toma em relação à política, ou como nos posicionar em cidadãos corporativos e em cada local que atuamos. E do ponto de vista pessoal, uma das minhas prioridades é ter certeza de que estamos desenvolvendo o time que continue esse trabalho.
Como a FCA vê a Fiat no Brasil? Como está o país para a companhia?
Toda a América Latina, mas especialmente o Brasil, é um mercado incrivelmente especial para a FCA, para Fiat e Jeep, por uma série de razões. Uma delas é o forte potencial de crescimento em longo prazo, isso é significativo. Eu sei que houve turbulências na economia, como em outros mercados, mas estamos vendo a estabilização. E do ponto de vista pessoal, quando penso no meu passado em sustentabilidade e nas questões como mudanças climáticas e meio ambiente, eu penso que algumas coisas que estão acontecendo no país, mostram que o país está se provando ser uma parte da solução para o problema. Pode não ser o nosso maior mercado, mas é, com certeza, um mercado muito importante.
Quais transformações centrais na indústria e nas prioridades do consumidor o senhor destacaria?
Estamos vendo um ponto de inflexão. O mais próximo é o de veículos elétricos. Ainda é um segmento pequeno, mas cada vez mais empresas, a nossa inclusive, estão se preparando com investimentos para no futuro ter isso em todo o portfólio. Mesmo que não vejamos muito ainda, acredito que com um pouco de desenvolvimento, muito em breve, consumidores que ainda têm um pouco de receio vão fazer a transição e perceber que é uma solução melhor. Outro aspecto que anima, mas ainda está mais longe, é a autonomia. É um conceito fascinante. Muito da tecnologia já existe, mas há uma série de questões relacionadas a confiança, como estar num carro sem motorista, e a complexidade do ambiente de navegação. A terceira é a relação pessoal com o carro, a necessidade de termos o próprio veículo.
A partir disso, qual o futuro do carro como produto?
Acredito que será um mix dessas coisas todas. Vai haver pessoas que terão necessariamente carros apenas pelo prazer de ter e dirigir, mas também pessoas que só usam para ir do ponto A ou ponto B, seja elétrico, autônomo… Tudo isso dito, o veículo segue no core. As companhias que souberem como fazer isso continuarão fazendo, mas como capturam o valor de todas as coisas que estão em volta do carro, essa é a questão de bilhões de dólares.
Além da atuação em grandes companhias, o senhor tem um longo passado como piloto de caça e experiência em gerir crises junto ao poder público. O que traz dessa trajetória para a FCA?
Essencialmente tem alguns pontos que pude trazer para a FCA e para meu trabalho. Um é o da experiência de 30 anos na Marinha, desde o fundamento básico de liderança, como ela funciona, a organização e trabalho em pequenos grupos, o senso de missão e a importância de tê-lo. Em cada companhia que passei envolvido na comunicação aprendi como ela deve estar integrada com outras áreas e expertises, como marketing, jurídico, operações. Pude absorver como o papel da comunicação e das corporações mudou. O terceiro é o da importância da sustentabilidade de todos os pontos de vistas.
Sustentabilidade em que sentido?
Quando percebemos que todos temos o mesmo objetivo – fazer do mundo um lugar melhor – temos de entender qual nosso papel e o que precisamos fazer para alcançar isso. Fiquei alguns anos fora da indústria, e muitos dos temas que faziam parte das conversas 50 anos atrás ainda continuam. Algumas das hipóteres e conclusões mudaram, mas os temas seguem. E há novos. Isso tudo moldou minha visão de qual o papel da comunicação e das corporações.
Emprestado pela Shell e a pedido do prefeito de Houston, o senhor ajudou na recuperação da cidade após o impacto multibilionário do furacão Harvey. O que traz de aprendizado dessa e de outras crises?
Todo mundo que já lidou ou lida com crises, sabe que há um manual básico do que fazer: como comunique rápido, frequentemente, traga as pessoas rapidamente para a mesa, entenda o que está acontecendo… São coisas simples. Mas, na minha visão, a coisa mais valiosa e o papel mais importante que um líder da comunicação pode ter em uma crise é aconselhar o líder dos negócios. Em uma crise, ele está sob níveis absurdos de estresse e pressão. Nas que eu me envolvi, observei e absorvi os estados emocionais dos líderes de negócios, para garantir que eles, nesse lugar e momento solitários, tivessem individualmente o suporte necessário para seguir durante todo o processo, mesmo com toda a pressão nos ombros. Orientando e dizendo que ‘você precisa fazer isso’, ‘deixe que eles cuidem daquele ponto, você vai cuidar desse’… Esse é um dos papéis mais importantes durante uma gestão de crise.
Além da técnica, características comportamentais como a calma são tão essenciais?
Sim, você precisa ser muito estratégico. Por exemplo, é muito fácil você ser absorvido pelo que está acontecendo naquela hora, na próxima, no dia seguinte, especialmente se é uma crise física. Cada momento traz um dado novo para a mesa. Mas é preciso ser hábil para se afastar e garantir que as pessoas lidem com as situações hora por hora. Assim você pode pensar nas decisões que precisam ser tomadas naquele momento para garantir que a reputação e o impacto sejam positivos um ano dali, assegurar que a resposta dada seja a melhor possível, e que a empresa saia melhor e mais forte.