Executivo dá detalhes da sua imersão na China sobre a jornada de consumo

Para que a experiência do cliente se traduza, efetivamente, em resultado de negócio, é preciso entender que a comunicação parte do que ele vive com a marca, e não do que ela diz.

Essa é a visão de Felipe Paniago, CMO do Reclame Aqui, após mais uma imersão na China sobre a jornada de consumo, compartilhada no evento da empresa, o RA Trust Executive.

O executivo reforça a importância de cada interação ser planejada com intenção. “Não se trata apenas de tecnologia, mas de uma cultura de cuidado, onde o atendimento é projetado para entregar eficiência e gerar impacto direto na percepção da marca.”

Poderia falar um pouco sobre a evolução do RA Trust Executive e da importância de nesse momento vocês terem ido à NRF China, uma vez que o Reclame Aqui atua como um canal de comunicação entre marcas e consumidores?
A missão internacional foi um marco importante dentro do processo de amadurecimento do RA Trust Executive, uma iniciativa que já nasceu com o propósito de conectar executivos de diferentes segmentos aos temas que realmente impactam a confiança entre marcas e consumidores. Desde o início, nosso objetivo sempre foi provocar reflexões profundas sobre reputação, relacionamento e experiência. E participar dessa missão com olhar para o varejo de lá simbolizou o quanto estamos comprometidos em ir além do debate: fomos buscar, na prática, os aprendizados que podem transformar o mercado brasileiro.

E como foi essa experiência?
A missão à China teve como foco central entender como a experiência do cliente é pensada de forma integrada — e como ela se traduz, efetivamente, em resultado de negócio. O que vimos por lá foi uma abordagem altamente estratégica: cada interação, cada ponto de contato com o consumidor é planejado com intenção. Não se trata apenas de tecnologia, mas de uma cultura de cuidado, onde o atendimento é projetado para entregar eficiência e gerar impacto direto na percepção da marca. E isso dialoga profundamente com o que o Reclame Aqui defende no Brasil: reputação construída na entrega, e não apenas no discurso.

Quais aprendizados vocês tiveram que podem inspirar empresas brasileiras a repensarem suas estratégias de comunicação?
O principal aprendizado é que, cada vez mais, a comunicação de valor vem do consumidor, e não da própria marca. Lá fora, vimos que o review virou canal de mídia, o atendimento virou posicionamento e a experiência virou conversão. Ou seja, o que o cliente fala depois da interação com a empresa tem mais força do que qualquer peça publicitária. A comunicação mais autêntica nasce do que o consumidor vive, não do que ele ouve. As marcas que entendem isso estruturam suas estratégias com base em performance de atendimento e fidelização real. A maior propaganda que uma marca pode ter é o que o cliente fala depois de ser atendido. E lá eles trabalham bem essa parte. O cuidado com o consumidor vem antes do post, antes da campanha. Ele é o que vai fazer a campanha acontecer depois, no boca a boca digital. E isso reforça algo que o Reclame Aqui sempre defendeu: a reputação se constrói na prática, todos os dias.

Quais das soluções apresentadas na feira que mais demonstram potencial real de adaptação ao mercado brasileiro?
Mais do que um produto, o que nos chamou a atenção foi o mindset com o qual as tecnologias são aplicadas. Soluções como superapps, inteligência artificial, pagamentos integrados e automação de processos não são mais tendências: são o presente operacional das empresas chinesas. O salto tecnológico é visível. Eles pularam etapas. Enquanto aqui no Brasil a gente fala em phygital, eles já vivem um mercado onde tudo acontece pelo digital. Não existe mais ‘online e offline’, o que existe é o cliente — e ele está no app. Para o Brasil, o desafio não é apenas adotar as ferramentas, mas incorporar essa lógica de fluidez e integração total. O que importa não é mais a separação entre canais, mas a continuidade da experiência. E isso é totalmente aplicável por aqui, desde que exista uma mudança de mentalidade.

Poderia comentar sobre as principais facilidades e desafios para se implementar essas tecnologias e mindset chineses no Brasil?
Há sim algumas facilidades, especialmente quando falamos de custo-benefício. Os produtos chineses têm tecnologia de ponta com preços mais competitivos. Porém, o grande desafio está no ruído cultural: o marketing das empresas chinesas ainda é tímido, e isso exige das empresas brasileiras uma postura mais proativa para buscar informação, entender e se conectar. É uma lógica muito diferente da que estamos acostumados no Ocidente, onde a comunicação muitas vezes vem antes da entrega. Lá, o foco está primeiro no produto — que precisa ser robusto, funcional e eficiente. Falar sobre ele vem depois. Então, cabe às marcas brasileiras tomarem a iniciativa de explorar essas oportunidades, porque muitas vezes uma excelente tecnologia passa despercebida simplesmente por falta de divulgação.

Felipe Paniago, CMO do Reclame Aqui (Divulgação)

Como executivo brasileiro, o que você percebeu sobre as diferenças culturais entre os consumidores chineses e os brasileiros e como isso influencia nas estratégias de marketing?
O consumidor chinês está muito mais digitalizado — e tem mais poder aquisitivo. Lá, o volume de consumo é enorme. E o comportamento já se moldou a isso: experiências rápidas, avaliações constantes e menos paciência para falhas. Você pede uma mala e ela chega no hotel em 40 minutos. Tem entrega por drone, por carro autônomo. Eles estão dois passos na frente, e isso muda o que o consumidor espera — porque ele já vive esse nível de serviço. Além disso, campanhas na China geralmente se integram profundamente ao ecossistema digital local, aproveitando os superapps e exigindo uma abordagem de marketing integrada entre redes sociais, e‑commerce e fintechs. Enquanto isso, o consumidor brasileiro valoriza muito a personalização, o contato humano e a confiança construída ao longo do tempo, sendo sensível a preço e qualidade, com alta exigência por clareza e conveniência na jornada de compra.

Então, a tecnologia de uma empresa como a Huawei pode ser vista, de fato, no Brasil como tendência transformadora, e não mais como algo distante da operação prática?
A Huawei já opera aqui no Brasil com tecnologia de ponta. A questão não é acesso, é aproximação. A empresa tem escritório no Brasil, oferece serviços robustos de cloud e está pronta para colaborar com o mercado brasileiro. O que falta é mais empresas techs brasileiras abrirem diálogo com eles. Não é futuro, é presente. Empresas brasileiras — especialmente as do setor tech — precisam enxergar essas gigantes como parceiras viáveis. A transformação tecnológica já está disponível, mas exige uma postura mais aberta das lideranças para aproveitar o que está sendo oferecido. A mudança está muito mais em atitude do que em infraestrutura.

Você destacaria alguma nova tecnologia ou modelo de prática que precise ser compreendida rapidamente pelas empresas brasileiras para acompanharmos essa aceleração tecnológica liderada pela China?
Inteligência artificial para produtividade real. Não como modinha, como ferramenta. Eles usam IA no dia a dia para reduzir esforço, acelerar entregas, fazer mais com menos. Aqui ainda se vê como algo distante, mas é o que vai fazer diferença competitiva nos próximos meses, não anos. Lá, a IA está presente em fábricas inteligentes, no varejo e na logística, otimizando processos, reduzindo esforço humano e acelerando entregas. Enquanto isso, no Brasil, muitas empresas ainda encaram essa tecnologia como algo distante. Para acompanhar a aceleração liderada pela China, é essencial que as empresas brasileiras adotem rapidamente a IA operacional, aplicando-a em tarefas como manutenção preditiva, automação e assistentes inteligentes para ganhar competitividade nos próximos meses.

E nesse cenário de aceleração tecnológica, como o propósito das marcas se sustenta e se comunica com autenticidade em mercados de alta velocidade como o chinês e o que podemos aprender com isso?
Sustenta-se na prática, no produto bom, no preço justo e na experiência consistente. Lá não tem muito espaço para discurso vazio. O propósito aparece na entrega: o consumidor compra, avalia e compartilha. A comunicação nasce do que ele viveu, e não do que a marca escreveu. Marcas que focam no propósito no mercado chinês precisam conectar-se com valores locais e agir de forma tangível, quase metade dos consumidores espera que as marcas ajudem comunidades locais e que elas se posicionem em questões relevantes. E essa autenticidade se reforça via conteúdo gerado pelos próprios consumidores, seja por posts em rede social, avaliações ou vídeos de unboxings, pois 80% das compras online na China envolvem recomendações entre pessoas, o que reforça que o propósito só vale se for comprovado na experiência real.

A experiência da NRF China trouxe alguma provocação sobre como as marcas brasileiras devem evoluir a sua comunicação com o consumidor omnichannel e hiperconectado?
Sem dúvida. A principal provocação é: as marcas precisam parar de pensar em canais e começar a pensar em jornadas. A lógica omnichannel já não é mais uma novidade — é um pré-requisito. Lá, o consumidor circula entre apps, QR codes, redes sociais e plataformas de review sem nenhuma fricção. Ele quer ser atendido onde estiver, com consistência e velocidade. No Brasil, ainda temos a tendência de tratar canais de forma isolada. Mas o consumidor já não vê mais essa separação. Ele quer conversar com a marca em qualquer ponto de contato — e espera que a marca escute, responda e aprenda com ele. Quem não acompanhar essa expectativa ficará para trás. Isso reforça que precisamos ir além do omnichannel e abraçar o conceito de “unified commerce”, onde a fluidez entre canais, dados integrados e consistência na experiência definem a relevância da marca. Além disso, tecnologias como QR codes, realidade aumentada e inteligência artificial, amplamente usadas por grandes marcas, são cruciais para oferecer interações imersivas e hiperpersonalizadas, transformando cada ponto de contato em uma oportunidade de engajamento real com o consumidor.

Diante do que você viu na China, o que pode ser visto como inspiração e concorrência direta para o mercado nacional e o que o Reclame Aqui recomendaria às empresas para atenderem melhor seus públicos?
A grande inspiração é o cuidado intencional com o consumidor. Cada detalhe é pensado para gerar encantamento. A concorrência direta é a velocidade de execução. E o nosso conselho para o mercado nacional é simples: ouça de verdade. Na China, reputação é número de estrelas, é comentário em tempo real, é nota no superapp. E aqui, o Reclame Aqui é esse espelho. Então, nosso papel é ajudar as empresas brasileiras a aprenderem com o que o consumidor já está dizendo, porque a reputação já virou um ativo de negócio. As empresas devem encarar as reclamações não só como sinal de alerta de que algo não funcionou, mas como oportunidades para melhorar processos internos, ajustar produtos e conquistar o cliente com a sua experiência, afinal, cada problema solucionado e atendimento avaliado pelo consumidor Reclame Aqui reflete diretamente na reputação pública e na fidelização. Se a China ensina o poder de reputação digital instantânea, o Reclame Aqui oferece o espelho para a empresa nacional: quem monitora reviews, responde com eficiência, soluciona de verdade e evolui com base no feedback, ganha competitividade real no mercado.