Eletrobras suspendeu processo de concorrência de Furnas, hoje atendida pela Arcos; 14 agências participavam da disputa pela conta de R$ 20 milhõesNos últimos meses, alguns casos de concorrências canceladas – ou suspensas por tempo indeterminado – levantaram a discussão em torno dos prejuízos causados às agências de publicidade participantes, quando um anunciante, seja ele público ou privado, interrompe um processo de concorrência. Tiveram seus processos interrompidos, recentemente, o Sesc-Rio (Serviço Social do Comércio-RJ) e o Senac-Rio (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial-RJ), depois de anunciadas as agências vencedoras. Os episódios levaram o Sinapro-RJ (Sindicato das Agências de Propaganda do Estado do Rio de Janeiro) a encaminhar uma carta ao presidente da Federação do Comércio do Estado protestando contra os cancelamentos.

Mais recentemente, a Eletrobras anunciou a suspensão, também por tempo indeterminado, da concorrência pela conta de R$ 20 milhões de Furnas, atualmente atendida pela Arcos, que contava com a participação de 14 agências. O processo foi atribulado, gerando protestos do mesmo sindicato em relação a algumas exigências do edital – como manter funcionários dentro da empresa e admitir o “custo zero” pelos serviços. Por sinal, o último item que não foi modificado, ao contrário da exigência por funcionários in-house, que foi eliminada.

Ainda não se sabe se Furnas terá continuidade, uma vez que seu último processo, ocorrido em 2009, também foi bastante conturbado. Mas o fato gera apreensão às agências. Segundo uma fonte do propmark, cancelamentos costumam ser um grande prejuízo. Em primeiro lugar, de tempo de parte da equipe. Como geralmente equipes em agências estão quase sempre completamente tomadas de trabalho, costuma-se contratar consultores ou free-lancers para ajudar. Além disso, há toda a impressão e o preparo dos materiais. Os investimentos variam, mas a média por concorrência é R$ 30 mil – valor que pode dobrar ou aumentar muito em seleções de grandes anunciantes como Petrobras, por exemplo, ou grandes clientes da área privada.

EXPLICAÇÕES

Tanto Senac-Rio quanto Sebrae-Rio não deram explicações ao mercado sobre os cancelamentos. No caso de Furnas, o mercado comenta que existem impasses políticos atrapalhando o processo.  Muitas agências participantes investiram justamente algo em torno de R$ 30 mil, sem contar hora/homem, que faz o valor aumentar.

Agnelo Pacheco, presidente da Agnelo Comunicação, afirma que nas concorrências públicas anuladas nunca existiu um ressarcimento pelo trabalho feito pelas agências. E, como a competição ficou muito forte, as agências passaram a investir pesadamente no planejamento, na criação, nas mídias on e offline e na produção.  “A disputa ficou tão intensa que, em alguns casos, o edital permite que a agência apresente o material eletrônico (filmes, jingles e spots) quase que finalizados. As agências precisam, então, buscar produtoras parceiras para que possam desenvolver essas peças, ou seja, a concorrência cancelada após a entrega de todo o trabalho é prejuízo na certa.”

O publicitário chama a atenção para outro detalhe: o aproveitamento de ideias. É algo preocupante porque há um momento, segundo ele, mesmo nas concorrências que não são anuladas (a grande maioria, é claro), logo na entrega, em que as campanhas apócrifas, sem identificação das agências, são vistas por todos. “Nesta hora, com o celular na mão, todos fotografam tudo. Destas campanhas, só uma será vitoriosa, descartando muitas vezes excelentes ideias. E como a criatividade no Brasil, hoje, está muito longe de merecer esse rótulo e muitos enganadores conseguem se apresentar como redatores e diretores de arte, esse é um momento para ‘colecionar’ boas ideias que poderão ser usadas no futuro”, diz. “O correto seria registrar tudo antes como direito autoral. Mas no Brasil, ao contrário de outros países, essa prática não existe”, afirma.

No caso de cancelamentos, segundo Pacheco, se as peças estiverem lacradas devem ser devolvidas dessa forma pela instituição que promove a concorrência. “Costumam colocar todo o trabalho à disposição das agências para recolhimento. Se não devolverem, a agência pode solicitar as peças de volta. É um direito dela.”

GUIA

Luiz Lara lembra que lançou o “Guia de Melhores Práticas nas Concorrências”, quando presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), entre 2009 e 2013, que estipulava uma remuneração mínima para as agências em processos de concorrência. “Mas o mercado é livre. Nesse guia recomendávamos às agências e anunciantes que se ativessem à apresentação de credenciais e recebessem remuneração quando fossem solicitadas a fazer exercícios criativos. Nem sempre funciona assim. Muitas vezes, diante de um grande cliente ou de uma boa marca, elas investem. Particularmente, temos evitado essas concorrências, preferindo a apresentação de credenciais”, diz o atual sócio e chairman da Lew’LaraTBWA.

Consultada, a Abap, hoje presidida por Orlando Marques, enviou ao propmark declaração sobre o tema: “As concorrências devem ser pagas pelos clientes, já que as agências têm custos altos para delas participar. No caso de cancelamento ou postergação do processo, as agências que estavam participando devem ser reembolsadas dos custos que tiveram”.

Glaucio Binder, presidente da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda), afirma que os Sinapros de todo o país, com o apoio da Fenapro, têm se posicionado em relação aos editais de licitações na área de publicidade em situações em que o processo de escolha de agência apresenta inconformidade com a legislação vigente ou é realizado de acordo com regras que são consideradas predadoras ou prejudiciais ao setor.

“O caso das concorrências do Sesc-Senac, particularmente,  ilustra uma distorção que vem ocorrendo tanto na área pública quanto na privada, que é de mobilizar as agências em torno da elaboração de propostas complexas e custosas, sem remunerá-las por essa participação. Nessas situações, as agências investem recursos expressivos na alocação de pessoal especializado para estudar os problemas e desafios. Da licitação de Furnas, por exemplo, participaram 14 agências. Se levarmos em consideração uma média de investimento de R$ 20 mil por agência, significa que a categoria gastou R$ 280 mil, no mínimo”, calcula.

O executivo destaca que cada licitação cancelada significa um grande desperdício de tempo, dinheiro e energia de todo um mercado que já tem dificuldades para manter sua rentabilidade.  “Apesar de legítimo, é injusto, é descabido e até desonesto com as agências. De certa forma, trata-se de um abuso de poder econômico”, afirma.

ESTADOS UNIDOS

Binder tem defendido junto à Fenapro que o mercado brasileiro adote práticas semelhantes às vigentes nos Estados Unidos, onde se estabelece um valor de remuneração, em caso de licitações e concorrências na área de publicidade, como forma de ressarcir as despesas de estudo e elaboração das propostas. “No Brasil, o mercado privado ainda não adotou esse sistema, enquanto na área pública, o procedimento tem por base a lei federal, além de haver, em alguns setores, como Sesc e Senac, um regulamento próprio. Em ambos, contudo, não há previsão de remuneração sequer para o possível uso de propriedade imaterial oferecida na proposta, como a autoria das peças sugeridas”, conclui. Procurada pela reportagem do propamark, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) não se pronunciou até o fechamento desta matéria.