Para quem trabalha com marketing há pelo menos 20 anos, é impossível não se lembrar do boom dos Programas de Loyalty no Brasil nos meados da década de 1990. Foi um momento de proliferação de programas em diferentes categorias. Muitos deram certo e sobrevivem até hoje (como os das companhias aéreas, redes hoteleiras e cartões de crédito), mas muitos outros foram interrompidos, como os de algumas redes de varejo, marcas de moda e mesmo algumas empresas de Tecnologia e Telecom.
Assim como muitos ainda confundem ações promocionais pontuais – que têm começo, meio e fim (sorteios ou “compre e ganhe”) – com programas de pontuação – que são contínuos (acúmulo de pontos para troca por prêmios), muitos também ainda acreditam que estratégias ou programas de fidelização são sempre ligados a mecanismos de premiação, o que não é verdade, afinal, existem caminhos distintos para a estratégia de relacionamento de uma marca com seus clientes. Alguns deles podem estar mais vinculados a “hard benefits” (as premiações), mas muitos podem também basear-se essencialmente em “soft benefits” (conteúdo, serviços ou privilégios).
Segundo a revista FORBES, o americano médio participa de quase uma dúzia de programas no formato de recompensa (hard benefits). Com isto, os programas neste formato tornaram-se tão comuns que as “regalias” (soft benefits) como presentes de aniversário, atualizações gratuitas e serviços especiais – vem sendo cada vez mais requisitadas pelos clientes.
A realidade é que a conexão entre uma marca e seus consumidores é muito mais subjetiva, emocional e complexa do que imaginamos.
Podemos ser fiéis a marcas com as quais temos vínculo afetivo, como uma boa lembrança de infância, por exemplo. Podemos também ser fiéis a marcas que nos propiciam experiências encantadoras, independentemente de nos recompensarem com prêmios. Podemos nos atritar irreversivelmente com uma marca que nos dá pontos e prêmios, mas pisa na bola no atendimento, muitas vezes do próprio programa de pontuação… Quem nunca passou raiva, por exemplo, por não conseguir emitir uma passagem aérea porque alguma regra do programa simplesmente mudou sem uma comunicação clara e adequada?
De um jeito ou de outro, o que sabemos é que clientes fiéis são mais rentáveis e normalmente representam muito da receita ou do lucro de uma empresa. De acordo com um estudo da Bain & Company, Inc., um aumento de 5% na retenção de clientes tem o potencial de aumentar a lucratividade de 25% a 95%. A “velha conhecida” Lei de Paretto é também quase sempre imbatível: 20% a 30% dos seus clientes provavelmente representam de 70% a 80% da sua receita e/ou rentabilidade.
Por tudo isto, identificar quem são os melhores clientes e cuidar de cada um deles com o máximo de atenção deveria ser prioridade de toda e qualquer marca, independentemente da categoria em que se insere. Mas a realidade é que ainda vemos muitas empresas obstinadas em captar novos clientes, atraindo-os com ofertas, prêmios e sorteios e, por outro lado, negligenciando os relacionamentos com seus clientes mais antigos e representativos.
Em tempos em que a tecnologia e a comunicação digital podem ser disruptivas, transformando categorias inteiras, é preciso lembrar que chegou a hora de integrarmos as mídias sociais – onde todos estão – com a estratégia de CRM das empresas
Na era de abundância de dados, é preciso garimpá-los para oferecermos a melhor experiência de relacionamento possível em toda a jornada dos nossos clientes. Lembrando que tão importante quanto identificar quem são seus clientes, é avaliar o que pode ser efetivamente relevante para melhorar a sua experiência. E, neste contexto, uma das tecnologias que mais transformará esta experiência é a internet das coisas.
Para se ter uma ideia, o Gartner previu que 8,4 bilhões de coisas conectadas estariam em uso em todo o mundo em 2017, um aumento de 31% em relação a 2016. E esse número está previsto para chegar a 20,4 bilhões até 2020. Somente dispositivos domésticos inteligentes (termostatos inteligentes, controles de iluminação, sensores de movimento etc.) já estão inseridos em 15% das residências nos EUA. À medida que os dispositivos inteligentes entram no dia a dia das pessoas, eles permitem que as marcas capturem uma quantidade enorme de dados reais de uso do produto, dentre muitas outras estatísticas. Em outras palavras, a “Internet das Coisas” permitirá que as marcas rastreiem o comportamento real, e não apenas o comportamento declarado, conseguindo se tornar ainda mais úteis e relevantes para os seus clientes, que possuem expectativas completamente diferentes, de acordo com o segmento de cada negócio.
Recentemente, numa conversa com um CEO de um grande player do segmento de varejo, ele me disse uma frase que fez todo sentido e jamais esquecerei: “para classe CD, o melhor mecanismo de fidelização que existe é o crédito”. Afinal, pra esse público, crédito é essencial para viabilizar o seu sonho de consumo.
Um outro especialista em marketing de luxo me garantiu que para classe A, a qualidade do produto, a experiência no processo de compra e, sobretudo, o “storytelling” em torno da marca são essenciais. Neste segmento, a fidelização certamente não vem por meio de premiações e, sim, por questões muito mais emocionais e intangíveis.
Para outras categorias, como os supermercados, alguns mecanismos de fidelização básicos – como a simplicidade “analógica” dos adesivos e cartelas (para troca por pequenos prêmios como panelas, talheres ou vasilhas) – têm sido replicados por muitas redes, pois dão extremo resultado! A frequência de visitas ao supermercado aliada à escolha de prêmios que atraem a dona de casa, responsável pelo lar e, na maioria das vezes, pelas compras, são os pilares estratégicos que fizeram dessa modalidade uma febre no Brasil. Vamos ver até quando terá fôlego!
Depois de vivenciar, implementar e estudar muitos programas de fidelização do Brasil e do mundo, não acredito em soluções prontas ou padronizadas, afinal, cada segmento e perfil de clientes requer uma estratégia customizada. Por isso, desconfie cada vez mais das soluções “empacotadas” ou discursos pasteurizados. E, antes de pensar em prêmios, invista na melhoria da experiência do seu cliente, garantindo atendimento ainda mais diferenciado para os melhores.
Muitas empresas ainda lançam programas de relacionamento para reverter ou maquiar problemas de insatisfação com produto ou serviço. E isso não faz sentido, pois antes de FIDELIZAR é preciso garantir a SATISFAÇÃO dos seus clientes.
Pense numa escala de 4 steps principais:
1) o que é básico (o mínimo que você deveria oferecer aos seus clientes),
2) o que é esperado (o que o cliente já espera de você).
Só depois desses 2 steps, pense:
3) no que é desejado (o cliente adoraria, mas não tem expectativa de receber) e
4) no inesperado (aquilo que o cliente nunca nem imaginou que sua marca pudesse fazer por ele!).
Por fim, acredite: o foco no básico muito bem feito já pode fazer enorme diferença para a fidelização dos seus clientes.
Otávio Dias é sócio fundador e CEO da agência Repense