A área de filmes ainda é a mais tradicional do Cannes Lions — e deve permanecer assim por um longo tempo, como analisa Guga Ketzer, sócio e vice-presidente de criação da Loducca, jurado brasileiro na competição em 2012. Em suas considerações sobre a edição deste ano do festival, o profissional ressalta que a inclusão da área de Film Craft ao evento, em 2010, tirou grande parte do peso do júri do qual participará para o quesito produção, fazendo a ideia voltar a ter a maior relevância no critério de avaliação dos possíveis Leões. Sobre o desempenho do Brasil em Film Lions, Ketzer diz já ter visto trabalhos competitivos, apesar de lembrar que a subjetividade de critérios gerais pela diferença e constante mudança do júri torna inviável qualquer previsão sólida. O jurado brasileiro lembra ainda que o Brasil não deve fazer campanhas só para ir bem em festivais: “Nossa propaganda não é ruim para o Brasil, ela é excelente e muito criativa. Por isso mesmo, não temos que ajustar esse critério só para ganhar prêmio”, alerta.

Experiência
“Ir para o festival como delegado é muito mais tranquilo, quando as principais preocupações são as de trocar ideias, absorver, discutir, conhecer, ver coisas que você não viu ainda — além de se divertir. Não que isso não seja parte do nosso trabalho, mas é outro tipo, envolvendo principalmente a absorção de referências e o networking. Como jurado, porém, você fica em uma sala fechada, que é o contrário do que se faz em Cannes normalmente. A responsabilidade principal é julgar o que o festival vai dizer que é legal e, além disso, tentar defender e ajudar o país de alguma maneira. Acho que o júri de Film Lions é o mais exaustivo, indo praticamente do primeiro ao último dia do festival. Ele tem o peso de ser a área que iniciou Cannes, então gera esse olhar diferenciado. A expectativa é a melhor possível e participar de um júri sempre é interessante, um aprendizado. E de Cannes, que é talvez o ápice de relevância global e de visibilidade, é uma responsabilidade muito grande.”

Momento atual
“Film Lions acabou virando ‘tela’, aquilo que traz o conceito de filme em toda e qualquer tela, não mais exclusivamente na TV ou no cinema, como era até pouco tempo atrás. Hoje já temos secundagens diferentes, telas diferentes, e tudo isso a gente vai julgar. É lógico que a televisão ainda tem aquela coisa da produção, da construção. Não dá para negar o poder da imagem em movimento, que ainda é algo que mexe com a gente, que carrega fantasia — prova disso é a força permanente do cinema, do entretenimento audiovisual como um todo. Desde sempre, a TV tem essa coisa mágica. Não necessariamente as grandes ideias estão na TV, não necessariamente a TV é o centro de toda e qualquer campanha, como já foi, mas ela ainda tem uma magia, e essa magia faz o glamour pairar em volta dela. Hoje temos filmes que estão em telas digitais, que passam em celular. Na verdade, o meio não importa, mas sim essa magia e poder da imagem em movimento, que coloca essa área em lugar de destaque e que deve permanecer assim por um longo tempo.”

Surpresa
“Uma coisa que pode ser considerada de certa forma ruim, que acontecerá este ano e que já aconteceu nos anteriores, é que alguns trabalhos chegam lá com muita gente já conhecendo, gostando, com ‘um lugarzinho reservado’. Mesmo assim, tem um lado bom, já que, no mundo de hoje, um filme grande não ter sido visto e comentado largamente antes de Cannes gera certa desconfiança — isso, claro, deixando de lado coisas de clientes e meracdos menores. Em trabalhos que deveriam ter dimensão global, porém, é estranho vê-los apenas durante o festival. Acho bom ter aparecido antes porque significa que o filme é poderoso. O que a gente não pode fazer é julgar só o ambiente. Um filme que é genial, mas que ninguém viu porque veiculou só em Cingapura e não ganhou viralização externa por causa de barreiras como a da língua, por exemplo, não pode ser diminuído. Não é a audiência que se discute, é a ideia. Não tem como negar mais a natureza da viralização de filmes, mas eu quero ser surpreendido também — e acho que em Cannes sempre tem espaço para surpresa.”

Ideia x produção
“Teve um jornal italiano que me fez uma pergunta recentemente sobre o quanto a crise está afetando a produção. Acho que a gente não está lá para discutir produção. Produção já tem uma área só para isso, que é Craft. O que a gente deve discutir em Film Lions é a ideia, bem filmada, bem executada, naquela coisa que gente chama cinema — não a mídia, mas o conceito. E nesse sentido, Cannes sempre tem coisas surpreendentes. Acho que a produção não influencia mais tanto assim na ideia. Olhando para o ‘Mini Darth Vader’, por exemplo (filme da Deutsch de Los Angeles para a Volkswagen). Ele usou uma verba de produção semelhante à que temos aqui e se tornou um Leão de ouro ano passado. O legal de Film Lions é que você pode ser surpreendido por uma superprodução e pode ser surpreendido por uma ideia clássica de propaganda, como foi o caso dessa. O Brasil não pode colocar a culpa na produção. Dificilmente nós vamos competir com um ‘Write the future’, (comercial da W+K para a Nike, GP de Film Lions no ano passado e Leão de ouro em Film Craft), como superprodução, mas com ‘Mini Darth Vader’ é mais fácil. É aí que temos que entrar: com trabalhos que tenham condição de brigar pela ideia e não pela produção. Esses filmes como ‘Write the future’, além de tudo, são globais, e aí conseguem verbas de vários mercados para produção. Isso facilita. Até acontece movimento semelhante no Brasil, mas é mais difícil e com menor frequência.”

Brasil
“Alguns anos atrás, nos anos 80, até o início dos 90, o Brasil ia muito bem em Film. E por quê? Porque o país produzia comerciais para uma elite, para uma ‘Inglaterra brasileira’. A televisão no Brasil era para um público que tinha referências internacionais. E o Cannes Lions é anglo-saxão, assim como suas principais referências. Ao longo dos anos, porém, o ‘Brasil de verdade’ passou a consumir televisão, o que fez com que, cada vez mais, a cultura popular e o humor tipicamente brasileiro tivessem que entrar nos comerciais. Por que uma marca como Havaianas não ganha Leão em Film e ganha com mídia impressa, por exemplo? Porque são formas diferentes de se divulgar uma marca. A nossa TV é muito popular hoje. As campanhas de Havaianas na TV são ótimas, como as de Ipiranga, de Nextel, de Brastemp, e mesmo assim não vão bem em Cannes. Elas são muito ‘brasileiras’ — o que eu não acho que seja um mau sinal, pelo contrário. O que eu acho que pode acontecer é, por o Brasil ser cada vez mais olhado, percebido, com tanto gringo vindo para cá e querendo nos entender, o ‘boom’ econômico pode fazer com que a nossa cultura seja aceita fora do país. E aí o nosso ‘sabor’ seja aceito lá fora como um padrão interessante de humor, de produção. Com isso, a gente volta a ser competitivo. Acho que temos que trilhar esse caminho, e não reverter só para ganhar prêmios em Cannes. A indústria não pode ser pautada por um festival. Hoje nós temos filmes que carregam uma cultura internacional, mas em menor escala. Por isso, vamos, consequentemente, mantendo uma média de premiações. É difícil querer brigar com isso, assim como um grande erro. Nossa propaganda não é ruim para o Brasil, ela é excelente e muito criativa. Por isso mesmo, não temos que ajustar esse critério para ganhar prêmio. A Argentina tem um jeito de pensar, o humor, muito mais próximo dos ingleses. Isso dá certa vantagem para eles em Film. Mas não podemos nos comparar. O que temos que fazer é trabalhar para que a cultura brasileira seja considerada cada vez mais lá fora, como print, que hoje é sinônimo de Brasil, e como já foi a internet.”

Previsão
“É sempre difícil de falar. Acho que tem coisas interessantes, já vi coisas boas, mas é difícil prever qual será nosso desempenho em questão de prêmios. Os grandes filmes as pessoas já conhecem, mas muitos dos principais concorrentes frente aos trabalhos brasileiros a gente só vai conhecer durante o festival. O Brasil está indo com coisas legais, mas os júris são imprevisíveis, com critérios subjetivos e pessoas sempre diferentes. Existem muitas variáveis. Temos peças competitivas, e isso é um passo importante.”

Critério
“Vou levar meu critério de sempre: vamos atrás de ideia boa, bem executada, ideias que inspirem quem está olhando, e não necessariamente aquilo que nunca foi feito. Você não precisa obrigatoriamente de uma fórmula nova sempre. Pode ser uma ideia nova no modelo clássico da propaganda, por exemplo. Ideia boa é o que vale. Temos que correr atrás daquilo que de melhor foi produzido naquele ano e o que aquilo vai representar para a indústria da criação. Acho que esse é o grande critério.”

Roteiro próprio
“Eu adoro o que eu faço: mexer com comunicação e com as pessoas é muito interessante. Eu sou curioso e gosto de entender de gente — o que eu acho que é muito importante para fazer o que a fazemos e é o que deve ter me levado a escolher uma carreira criativa. Pessoalmente falando, talvez eu seja um dos caras mais ‘chatos’: não tenho nenhum hobbie especial, meu hobbie é ser um ‘vagabundo’ fora do trabalho, curtir minha casa, ficar sem fazer nada. Gosto de viajar, algo que considero um ótimo jeito de investir tempo e dinheiro, e acho que a gente tem que, de alguma maneira, dar um pouco de volta daquilo que a gente tem alcance em consumo. Eu, por exemplo, participo e apoio a ONG Waves for Water, para a qual a gente já fez alguns projetos aqui na agência.”