Erh Ray,  co-CEO do Havas Creative Group no Brasil, participa pela terceira vez do júri de Film no Cannes Lions, mas com “gostinho de primeira”. Afinal de contas é a categoria original, a que acompanhou praticamente intacta o crescimento da indústria, embora hoje seja parte de uma grande rede e abrangentes plataformas de conteúdo. Nesta entrevista concedida ao PROPMARK, Ray conta seus pontos de vista a respeito da categoria, do festival, da profissão e confessa adorar o bafafá em que se transformou o festival.

 

Alê Oliveira

A número 1

Film é a primeira categoria e sempre a mais importante, na minha opinião. É o nascedouro das grandes ideias. Onde se dá a ignição para as outras plataformas. Nos filmes, estão as origens dos conceitos dos grandes desafios para as marcas. O storytelling é fundamental para criar e depois compartilhar milhões de vezes em várias plataformas. É minha terceira vez nesta categoria, mas sempre com gostinho de primeira.

Mudanças

O festival mudou bastante, acompanhando o crescimento da indústria. Evoluiu com a propaganda. Não é mais só “a peça criativa”, “o filme”, mas uma grande rede e uma grande plataforma de conteúdo. Participo do festival, religiosamente, desde 1995. Fui a todas as edições, na época em que era só exibição de filmes. A gente sentava de manhã cedo e assistia a todas as categorias mais importantes. E o festival hoje vem mudando, com mais palestras, mais workshops e mais networking. Nesse tempo, minha carreira foi evoluindo, ganhei Leões, participei de momentos históricos como quando a DM9 foi eleita Agência do Ano e, além de tudo, Cannes me projetou internacionalmente.

Essência

Film é a essência da ideia. O mundo mudou, as categorias mudaram, mas em algum momento da campanha tem um vídeo para assistir. E esse vídeo é conteúdo. É storytelling, é você contar alguma coisa para alguém com efetividade, criatividade e resultados. Então, Film tem e terá ainda por muitos anos um valor imenso.

Eu, jurado

Para ser um bom jurado nesta categoria você precisa ter um histórico de bons conteúdos, conhecer todos os processos de criação e execução, com muita ou pouca verba. A ideia ainda é o fundamento da existência dessa categoria. A ideia bem contada em segundos ou minutos. O júri precisa priorizar que, mesmo que os tempos tenham mudado, ainda temos poucos segundos para contar bem uma história. A função exige disciplina. Neste ano, nós já começamos a votar online. Existe esse prejulgamento e, quando você assiste aos materiais em casa, ou na agência, você tem de ser extremamente disciplinado. Muito foco, atenção e respeito ao trabalho dos colegas de todo o mundo e de culturas diferentes da nossa. No geral, o jurado precisa se posicionar, não pode ser omisso, precisa saber ouvir e apontar onde estão defeitos e qualidades da peça. Antes de mais nada, tem de ser isento, sem pensar em país, em rede ou em grupo de mídia. Você está lá como um profissional de criação que foi escolhido e tem o aval da organização do festival. E você precisa honrar essa confiança.

Brasil

O Brasil nunca foi muito forte nesta categoria. E a indústria de cinema e de filmes publicitários no país vem sofrendo nos últimos anos em função da crise. Diferentemente, por exemplo, da Argentina que tem cultura forte do cinema publicitário. O país enfrentou e enfrenta dificuldades. Mas, ao mesmo tempo, tivemos um Grand Prix em 2015 com o filme para Leica da F/Nazca. Um trabalho magnífico que nasceu aqui. Então, as boas ideias existem. Só está mais difícil de colocar no ar. Neste contexto, criar é o mais fácil. Difícil é botar na rua.

Criação

O profissional de criação não tem uma rotina, geralmente não é massacrado pelo dia a dia. Sempre tem uma nova batalha e uma nova história para contar. Isso que me mantém sempre encantado pela profissão.

Futuro

Film é o gatilho das grandes ideias. Se antes você dependia só da televisão para exibir um filme, agora ele é multiplataforma. O meu filho virou um canal, um youtuber virou um canal, então acho que o futuro é por aí.

Cannes

Eu não tiraria o Festival de Cannes nunca. Não existe outra cidade tão charmosa para um festival quanto Cannes. O que eu mudaria? Talvez construiria um Palais maior, para acomodar mais gente. A cidade está sempre muito lotada, mas isso faz parte! A muvuca é boa para você encontrar pessoas e se relacionar. A multidão faz bem.