Um dos melhores livros sobre marketing que li foi Surfando as ondas do mercado, de Raimar Richers, professor-fundador da FGV, que tinha uma tese matadora: as relações das empresas com os mercados são dialéticas. Elas não podem ser totalmente contrárias a eles e devem aproveitar aos máximo as macro e microtendências naturais da economia. Mas, assim como os surfistas exímios, as empresas podem surfar com destreza nessas ondas do mercado e criar circunstâncias, até no contrafluxo, que lhes sejam favoráveis. Tenho pensado bastante nisso ao analisar o momento atual do mercado publicitário, seus últimos e possíveis próximos desdobramentos, principalmente em relação aos meios de comunicação e seus veículos.
O que me fez lembrar de uma tese, que escrevi junto com Fernando Leite, no início dos anos 1980: a evolução da publicidade é determinada pela tecnologia utilizada, estrutura disponível e atuação comercial dos veículos, cabendo aos anunciantes e agências aproveitarem ao máximo suas possibilidades. Isso vem desde 1700 e poucos, quando os jornais da Fleet Street, em Londres, lançaram as raízes da dimensão industrial da publicidade.
300 anos depois ela está no auge da revolução motivada pelo digital, que vem transformando de forma profunda o resultado de mais de um século de imensa expansão econômica da área – pois, só nos Estados Unidos, passou de cerca de US$ 1,5 bilhão ao ano no início dos anos 1900 para perto de US$ 250 bilhões na entrada do século 21. O grande fluxo dominante atual tem sido o digital, que não apenas literalmente criou um novo meio como abalou severamente dois outros, tradicionais, o jornal e a revista, e incomodou os demais, inclusive o mais poderoso e utilizado de todos, a TV.
Mas, apesar de seu domínio econômico, o digital ainda é um pós-adolescente desengonçado, cheio de problemas e oportunidades, entrando em sua fase de amadurecimento.
O modelo econômico do digital não fez bem até para a maioria de seus players, tendo privilegiado alguns poucos e deixando um rastro de fracassos entre os próprios pares. Até pouco tempo não havia nem mesmo abalado a TV, até hoje o meio mais eficiente e mais eficaz da publicidade, que está perdendo seu rumo só agora, desde que em 2017 o digital lhe tomou o bastão de líder do mercado.
Quanto aos demais, os que souberam enfrentar a onda com mais sabedoria e inclusive aproveitar os recursos digitais para modernizar sua tecnologia e estrutura, bem como ajustar seu modelo comercial, safaram-se melhor.
Vamos aos números: o jornal foi o grande perdedor, saindo de uma receita global de US$ 107,35 bilhões em 2000 para US$ 44,05 bi em 2018 (-59%) e com tendência de cair nos próximos dois anos; a revista saiu, nesse período, de US$ 47,46 bi para US$ 26,22 bi (-45%); o rádio, que soube se imiscuir no mundo digital, cresceu 13%, de US$ 30,38 bi para US$ 34,20 bi; a TV cresceu 61%, passando de US$ 116,33 bi para US$ 187,48 bi e apresenta uma tendência de perda (mas que ainda pode não acontecer, se ela souber aproveitar o contrafluxo, que parece se formar – tema para a segunda parte desta série).
Quem soube surfar bem e incorporar de forma eficaz o digital foi o OOH, que cresceu 98% entre 2000 e 2018, passando de US$ 18,99 bi para US$ 37,66 bi e ainda com tendência de alta. E o cinema, que também surfou legal, pulou 398%, de US$ 0,87 bi para US$ 4,34 bi, e tem previsão de crescer 12% em 2020, empatando ou até superando o digital, que registrou um salto quântico de 2.774% no período, passando de US$ 7,90 bi para US$ 227,09 bilhões, mas que parece estar reduzindo seu empuxo de subida e deve vir a sofrer o contrafluxo nos próximos anos.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)