Golfarb: Brasil está no centro da estratégia de lançar carros globais

 

Com a estruturação do plano mundial One Ford, que atingiu todas as suas operações, a Ford decidiu que todos os seus carros seriam projetos mundiais. O primeiro feito nesses moldes foi o EcoSport, um produto brasileiro, readaptado para mercados de forte crescimento. A estratégia é vista pela companhia como sua virada no mercado automotivo. No Brasil, a montadora é a quarta maior companhia, com 9% de market share, mas enfrenta uma situação desconfortável, com novos competidores disputando participação e o crescimento acelerado de concorrentes. Em entrevista ao propmark, Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford para a América do Sul, fala de como a companhia prepara o seu salto de crescimento.

A Ford é a quarta maior montadora do país. Mas tem, logo atrás, a Renault, que no ano passado cresceu 24%. Qual a estratégia para manter a posição da companhia no mercado brasileiro?
A primeira coisa que as pessoas estranham quando o assunto “concorrência” vem à mesa é saber que não temos tanta fixação pela quarta posição, mas sim pela sustentabilidade do negócio. Ele é baseado em desenvolver produtos que nossos usuários queiram comprar, pelos quais sintam que estão pagando um preço justo e, com a margem desses produtos, gerar lucro para reinvestir em tecnologia, engenharia e remunerar nossos acionistas. Essa é uma prática global da companhia e isso é fundamental para nós. Não faz parte da nossa visão comprar market share. Mas é nossa visão competir duramente. E hoje há um nível muito alto de competição no Brasil. A cada dia você abre o jornal e há mais uma montadora chinesa dizendo que vai produzir no país. Todos os que entram aqui vêm para conquistar mercado. A melhor resposta a isso é qualidade. Acredito que estamos na rota certa.

No final do ano passado, vocês disseram que em 2012 deram um grande salto. Qual foi esse salto?
O ano passado foi quando saíram os primeiros produtos globais criados dentro do projeto que chamamos One Ford, programa que reestruturou a forma da montadora de ver o negócio e de criar produtos. Trouxemos o EcoSport e a nova Ranger, uma geração completamente nova para segmentos já estabelecidos. Era importante para nós o lançamento desses produtos e a reação do público, do mercado e da imprensa, porque era a primeira vez que essa geração chegava ao Brasil com o alto nível de competição que temos hoje no país. E a reação aos modelos foi excelente, fantástica. No ano passado, a Ford foi a montadora que mais prêmios recebeu da imprensa especializada no Brasil. E 2012 também foi o ano em que mudamos dramaticamente toda a estratégia de comunicação.

E esta estratégia se configurou em quê?
Primeiro demos um foco maior na área de relações públicas e no relacionamento com a imprensa. Não tiramos o pé do acelerador na área de marketing, pelo contrário, continuamos o investimento em mídia e demos mais espaço para ela. Também foi o ano em que demos um grande salto em redes sociais e mudamos a visão de comunicação, não só no trabalho que fizemos com a mídia especializada, mas trazendo um foco significativo na mídia de consumo. Creio que podemos ficar muito contentes com os resultados. Houve um outro ponto importante: o EcoSport foi o primeiro carro desenvolvido no Brasil, por engenheiros brasileiros, que foi globalizado. E nós também fomos responsáveis pela comunicação mundial. O modelo é um ícone, e nosso trabalho foi fazer com que o carro se reinventasse e que se tornasse um ícone também em outros lugares do mundo.

Por que decidiram globalizar um carro brasileiro, e não um modelo de qualquer outro mercado no qual a Ford atua?
O grande crescimento do volume global de carros ocorrerá nas plataformas pequenas. O Brasil foi o país que inventou o EcoSport, produto que alcançou um sucesso fantástico aqui, assim como foi muito bem recebido na Argentina e no México. O modelo, por suas características — as de ser um compacto e um SUV —, se encaixava no portfólio de produtos para países de grande crescimento. Mas não só isso: toda a Europa, uma região de mercado maduro, também precisava de uma solução inovadora, que não existia em outras operações da Ford. Portanto, o EcoSport mostrou-se uma possibilidade muito forte nas pesquisas de mercado, tanto nos emergentes, em países como China, Índia e Tailândia, como também se mostrou altamente desejado nas pesquisas conduzidas na Europa.

No Salão do Automóvel de São Paulo, no ano passado, Jim Farley, o vp global de marketing da montadora, disse que uma das apostas da empresa para se diferenciar estaria no combo tecnologia. Quão à frente dos seus concorrentes a Ford pretende estar nesse quesito?
Essa discussão de “estar à frente” é um grande debate. O que é estar à frente? Creio que essa não é uma questão linear, de todos correndo na mesma direção e alguns na frente. Essa é uma questão de muitas pessoas correndo em direções distintas e todos tentando achar o caminho certo. Nós temos algumas iniciativas que foram muito positivas. Quando falamos de tecnologia, entendemos que conectividade é fundamental, e isso é algo que a Ford decidiu assumir como uma de suas frentes principais. E tem dado certo. Fizemos parceria com a Microsoft para trazermos o sistema Sync para nossos carros, o que realmente tem sido um diferencial, pela capacidade do sistema de operar com comandos de voz com altíssima precisão. As pessoas, cada vez mais, precisam poder executar tarefas enquanto estão nos carros, sem comprometer a segurança. Entendemos que o comando de voz é o caminho para isso. Por meio do Sync, é possível selecionar uma resposta pré-programada de mensagem de texto, mudar a estação do rádio ou até perguntar pela Starbucks mais próxima.

Vender carro ficou mais difícil?
O que ficou mais difícil é manter um negócio que se sustente. Não é só o padrão de lucratividade. Se considerar da década de 1960 para cá, o gasto com engenharia aumentou dramaticamente. Na década de 80, era comum dizer que, para fazer um carro novo, 10% do custo total do produto eram gastos com engenharia. Hoje, você gasta 30% ou mais do seu custo total com engenharia, porque os padrões de qualidade cresceram muito, assim como cresceu o que se espera do carro. Tecnologia embarcada, conectividade, as regulamentações sobre economia de combustível, o anseio pelo carro mais silencioso e o desejo de evolução dos itens de um modelo de um ano para o outro fazem com que se gaste cada vez mais para desenvolver um automóvel hoje. Essa cadência de investimentos, ao longo do tempo, exige que você tenha uma equação de negócio sustentável. Falo muito essa palavra porque dá para alguém ter sucesso por cinco anos mas, depois desse período, pode não ter mais condições de inovar por não ter dinheiro para investir. A competitividade está aumentando e os investimentos estão subindo a um nível exponencial, o que torna a possibilidade de ter um negócio sustentável algo cada vez mais desafiador. O setor automotivo é um mercado que continua com grande taxa de crescimento no mundo. O que tem mudado muito são as regiões. Houve contração nos Estados Unidos e grande retração na Europa, mas a China continua crescendo, assim como o Brasil. Na Ásia, há ainda Tailândia, Índia e Vietnã, que começa a despontar. Houve mudanças geográficas mas, se olhar o mercado automotivo no mundo, ele é um negócio crescente. Isso é muito positivo, mas também representa um negócio cada vez mais exigente

Na Ford, vocês unificaram as áreas de PR e de marketing. Como isso funciona na prática?
Na verdade, é muito óbvio, o que nos faz perguntar porque não estávamos fazendo isso antes. Nós criamos, nas empresas, as áreas de marketing e de relações públicas, mas, na verdade, você tem um consumidor que constrói a percepção da sua marca a partir de diferentes pontos de contato. Sua visão sobre uma empresa e sobre seus produtos é resultado disso tudo. Quando falamos em comunicação, precisamos que ela seja totalmente alinhada. Não se pode compartimentalizá-la. A nova geração, dizem nossas pesquisas, quer conhecer os valores da empresa que produz o que ela está comprando. Os jovens querem saber se essa companhia é transparente, verdadeira e, sobretudo, se age como fala. Para isso, é necessário ter alinhamento. As novas tecnologias quebraram muito a fronteira do marketing e das relações públicas. Quando se fala de redes sociais, como defini-las? É marketing ou é PR? É uma junção. No passado, só nós falávamos e não havia resposta. Agora, nem mal terminamos de falar e já há muitas respostas que precisam ser dadas. A comunicação agora é bem democrática.

Qual a proposta de valor da marca Ford hoje?
Somos uma empresa que tem mais de 100 anos e possui uma coleção de frases de Henry Ford, seu fundador. Uma delas é “abra as estradas para todas as pessoas, democratize isso”. Ele queria passar para todos o direito e a possibilidade de utilizar as estradas. O que era, de certa forma, democratizar o acesso a um produto elitista para a época. Essa visão é impregnada no mundo de Ford. Nós queremos e continuamos a inovar e a democratizar, no sentido de que todos possam ter tecnologia e que possam ter uma visão clara do custo-benefício do produto. Portanto, é claro que queremos crescer, que queremos ganhar market share, que queremos ter um padrão de lucratividade mais alto, mas também acreditamos que você ter um negócio sólido é fundamental. É dessa forma que gerenciamos o nosso negócio por muitos anos e é por isso que não temos tanto foco no que as pessoas dizem, se somos quarto ou se somos o quinto. Temos muito foco na real satisfação do cliente e na sua lealdade. Sabemos que, a longo prazo, é isso que sustenta o negócio e é isso que estamos fazendo com a Ford nos últimos 100 anos.

Qual a previsão de crescimento da Ford Brasil para este ano?
Não abrimos essa informação.

O Novo Fiesta que chega ao Brasil em 2013 é o modelo de volume da Ford para o Brasil?
Sim, ele é um dos modelos de volume, mas não é o único. O segmento dos carros pequenos no Brasil, se considerarmos números redondos, representa 75% das vendas no mercado interno. É claro que não se pode estar com apenas um produto nesse segmento. É necessário manter uma diversidade no portfólio, como a maior parte das marcas faz. Temos coisas que ainda virão.

Quantos modelos globais de Ford teremos no Brasil com a chegada do Novo Fiesta?
Ele será o terceiro, após EcoSport e Ranger. Há também o sedã esportivo Fusion e a Edge, esse último um  projeto global, mas não da geração One Ford. O objetivo é, até meados de 2015, termos todos as nossas plataformas globais no Brasil. Estamos falando de Fiesta, Focus, Ranger, Fusion, além de novos projetos. Ao todo, entre cinco e seis plataformas.

No ano passado, a Ford iniciou uma estratégia agressiva no pré-lançamento para levar as pessoas a falarem do carro antes dele chegar às concessionárias. Qual o desdobramento dessa estratégia?
Antigamente, você tirava uma foto do carro, dizia que ele tinha um motor de tantos litros, de potência tal, e pronto. Todas as informações estavam dadas. Hoje, as pessoas querem saber muito mais, não só do ponto de vista técnico. Elas querem informações sobre a aparência desse produto e sobre como ele se integra ao seu estilo de vida. Questões como “qual é o carro para mim?” e “o que eu quero desse carro?” fazem hoje parte do contexto de compra do automóvel. Com tudo isso, torna-se necessário apresentar o carro de diversas maneiras. E, por isso, vamos continuar divulgando nossos produtos de formas diversificadas antes deles chegarem ao mercado. Para que, quando forem de fato lançados, os consumidores tenham todas as ferramentas para tomar sua decisão de compra. Para tal, precisamos oferecer as informações, e de forma transparente.