Após 43 anos da liberação da bola nos pés das mulheres, o caminho para a equiparação de patrocínio entre futebol feminino e masculino ainda é longo
"Não é permitida [à mulher] a prática de lutas de qualquer natureza, do futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball". Este é o texto da Deliberação n.º 7, assinada pelo General Eloy Massey Oliveira de Menezes, presidente do Conselho Nacional de Desportos, em 2 de agosto de 1965, durante a ditadura militar.
O decreto-lei só foi revogado em 1979.
Após 43 anos da volta da liberdade da mulher na prática do esporte, o futebol feminino ainda tem um longo caminho pela frente se comparado ao masculino, muito embora já é possível ver uma importante movimentação. Nos Estados Unidos, por exemplo, a seleção feminina conquistou a igualdade de pagamentos com o time dos homens, como anunciado recentemente pela US Soccer, a entidade que cuida do futebol no país.
Com isso, a equipe feminina – tetracampeã da Copa do Mundo – receberá os mesmos prêmios pelas participações em Copas e Olimpíada que a masculina, que nunca venceu nem uma Copa nem Olimpíada.
Para Amir Somoggi, managing director da Sports Value, o futebol feminino, atualmente, vive a sua melhor fase. "Quando você compara, por exemplo, o crescimento das audiências da Copa do Mundo feminina versus a Copa do Mundo masculina, você vê um aumento estrondoso do interesse e do impacto do futebol feminino organizado pela Fifa", afirmou.
Em 2019, o campeonato mundial feminino foi assistido por mais de 1 bilhão de pessoas, segundo dados da Fifa. Mesmo assim, é nítida a discrepância de dinheiro investido nas mulheres jogadoras.
Em 2018, por exemplo, a Fifa dedicou US$ 400 milhões à Copa do Mundo masculina, enquanto o torneio feminino teve que se contentar com US$ 30 milhões, o dobro do investimento feito na competição de 2015.
Fabio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports & Marketing, acredita que com o passar dos anos, a disparidade dos investimentos nos esportes diminua, mas que a equiparação ainda é algo distante.
"Quem sabe daqui a 20 anos. Para que isso ocorra, as entidades, os clubes, as agências, todo o cenário do futebol feminino tem que continuar acreditando no produto e seguir investindo", afirmou Wolff.
Mesmo que demore, que a verdade seja dita: o futebol feminino tem conquistado o seu espaço na casa das pessoas.
A Globo e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) fecharam um acordo para a transmissão das principais competições do futebol feminino, como o Brasileirão, Supercopa feminina e amistosos da seleção brasileira, da Supercopa masculina 2022 e de torneios de categorias de base sub-20 e sub-17.
A partir de 2023, a TV Globo também vai exibir a fase decisiva do campeonato e a produção dos jogos será de responsabilidade da CBF, que vai disponibilizar os sinais das partidas.
Marcas
Felizmente, nos tempos atuais já é possível encontrar campanhas e ações voltadas ao futebol feminino. Recentemente, a Puma, junto com a BETC Havas, lançou a ação #JogaNaSubida, com o objetivo de chamar a atenção para o baixo investimento no futebol feminino. Com uma quadra reclinada, a marca convidou dois times, masculinos, para jogarem.
Neste mesmo caminho, a Betfair foi anunciada como patrocinadora oficial do time feminino do Palmeiras. O contrato de dois anos inclui a exposição da empresa no uniforme do time e presença em todos os conteúdos digitais oficiais do Verdão.
Segundo Kimberley Day, diretora de Marketing da Betfair, a empresa, juntamente com o time alviverde, vão desenvolver uma série de atividades com o objetivo de promover e dar visibilidade à equipa feminina.
A primeira delas envolveu o ex-jogador Rivaldo, que assistiu a um dos jogos do time feminino contra o RB Bragantino, no último domingo (15).
"Para a Betfair, é uma honra poder apoiar diretamente o futebol feminino, que é uma área que consideramos de extrema importância, ainda mais em um país com uma relação e paixão tão intensa como vemos com o futebol no Brasil", ressaltou Day.
Há algum tempo, as marcas vêm se posicionando em prol do futebol feminino. Em 2020, a Nike lançou uma campanha que pedia pela igualdade de gênero no futebol.
A comunicação, assinada pela Wieden+Kennedy São Paulo, mostrou que as dificuldades provenientes da pandemia da Covid-19, como estádios vazios e falta de verba, já eram comuns no futebol feminino.
Ainda em 2020, o Guaraná Antarctica, patrocinador do Brasileirão Feminino Série A1, usou espaço nas placas de campo para convocar outras marcas a apoiarem o esporte.
Criada pela Soko, durante os jogos do campeonato, a marca exibiu mensagens de apoio e incentivo ao futebol feminino, no lugar da sua logo.
Além disso, a empresa criou a campanha #ApoieOFutFeminino, onde as marcas que investissem no Futebol Feminino, poderiam aparecer em mais de 30 milhões de latas do refrigerante pelo Brasil.
Diferenças
É impossível falar das diferenças financeiras do futebol masculino e feminino, sem esbarrar no machismo estrutural imposto pela sociedade desde seus primórdios.
"Por conta do machismo, muitas crianças são tratadas diferentes através do seu gênero, então os meninos ganham bola, camiseta, chuteira e a menina ganha maquiagem, roupa de princesa", afirmou Somoggi.
Para o especialista, uma das soluções para que a categoria feminina seja valorizada é ter cada vez mais mulheres no esporte.
"Quanto menos mulheres praticando esporte, menos interesse por marcas patrocinadoras, por audiências televisivas, por eventos etc. Então, um dos pontos fundamentais para o esporte feminino, é atrair um número maior de meninas praticantes de esporte", explicou.
Somoggi também ressaltou a importância de se ter ídolas nos esportes. "É importante ter uma Marta, uma Rebeca, uma Raissa, por exemplo. São mulheres que vão inspirar outras mulheres. Então, o aspecto fundamental do ativismo e da luta do futebol feminino é também para que as mulheres ídolos sejam respeitadas e sejam influenciadoras de homens e mulheres, obviamente".