Mais do que a simples ganância por poder e dinheiro soma-se a ignorância que a ganância cria ao esquecer um ponto básico do mundo dos negócios: a ética. O comportamento e os atos do Facebook nos últimos anos têm sido de uma sistemática falta de respeito com seus consumidores, seus anunciantes e seus acionistas.

Não se trata apenas do escândalo mais recente, de repercussões globais, da esperteza da obtenção de dados e de seu mau uso por parte da CA – Cambridge Analytica, mas de uma longa sequência que revela uma forma de fazer negócios que se veste com o nome de modernidade, mas é a melhor tradução de ganância por poder. O último deles a gerar perplexidade havia sido em setembro passado, quando o Facebook foi flagrado pela 10ª vez em um ano com o fato de que havia erro nos números que divulgava em termos de sua audiência e outros aspectos dessa plataforma, como o fato de alegar atingir 41 milhões de americanos entre 18 e 24 anos enquanto toda a população daquele país nessa faixa etária não passava de 31 milhões.

Seu fundador e principal executivo, Mark Zuckerberg demorou 5 dias para falar após a eclosão do atual escândalo e disse bem menos do que devia. Na real, os fatos eram do seu conhecimento desde 2015, mas ele e seus comandados, na prática, não fizeram nada a não ser mandar um comunicado burocrático – e não checado – para que a CA apagasse os dados dos 50 milhões de usuários.

Em matéria de capa, a The Economist pegou pesado, após lembrar que o fundador do Facebook mantém o controle das ações com direito a voto: “O episódio se encaixa em um padrão estabelecido de negligência em relação à privacidade, tolerância à imprecisão e relutância em admitir erros”.

Também não se deve esquecer que a primeira ação do Facebook e da CA foi a de tentar impedir, com ameaças legais, a publicação da matéria pelo The Guardian. Sabe-se que a CA não é a única desenvolvedora de apps a fazer o que fez e a caixa de pandora da maior mídia social do planeta pode revelar uma explosão de maus-feitos.

Aliás, o Facebook não é a única mídia digital a fazer bobagem. Muita gente aposta que o Google, a maior de todas, é um queijo suíço de furos. Recentemente, o Google disse que fez ajustes para cumprir o GDPR – Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu (que será obrigatório a partir de maio próximo), mas silenciou em relação ao restante do mundo. O Facebook agora fala que a adoção desses parâmetros será global. A conferir.

Vale lembrar que no começo deste ano o Twitter havia sido flagrado de calças curtas pela falta de controle na criação de perfis falsos e da anabolização de sua audiência. Será o começo do fim do faroeste na mídia digital, como alguns mais afobados estão se perguntando? Com certeza, não. A deontologia dos megalíderes dessa área está muito longe dos padrões dos demais meios e nem eles nem o mercado publicitário parecem muito dispostos, neste momento, a mudar essa situação.

O que leva a outra questão importante e incômoda: o que os anunciantes e agências e suas políticas de compliance estão fazendo? A rigor, eles não deveriam colocar sua publicidade nesses meios inconfiáveis.

A solução desse grave problema, que seria um resgate da mídia digital, depende de todos, inclusive dos governos ao redor do mundo. Se o mercado publicitário falhar em fazer sua parte, governos agirão e isso será muito pior, porque reduzirá a liberdade do uso responsável do digital – inclusive pelas empresas tradicionais de mídia, que ao longo dos anos aprenderam que a ganância por negócios tem de estar subordinada ao máximo respeito aos consumidores e à velha máxima que a melhor esperteza é a da honestidade.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)

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