É inegável que o Brasil está ligado ao que acontece globalmente e as novas tecnologias são meios de conexão

A programação do Web Summit Rio, realizado no Riocentro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, entre os dias 15 e 18 de abril, segue com a predominância de discussões ligadas à inteligência artificial (AI). A proximidade das eleições municipais no Brasil, no próximo mês de outubro, além de pleitos ao redor do mundo, eleva a importância do tema. O receio é de que a AI seja utilizada para espalhar desinformação em um cenário ainda carente de leis e regulamentações.

“A AI promove uma disrupção sem precedentes que, juntamente com a quantidade de eleições neste ano, torna a regulamentação essencial”, aponta Renata Lo Prete, âncora da Globo. Greg Williams, deputy global editorial director da Wired, adverte para a desinformação provocada por deep fake, que se vale de imagens manipuladas e distribuídas em questão de segundos. “O cenário provoca a perda da confiança na democracia, agravada por alguns candidatos que não estão dispostos a seguir regras”, indica Williams. Ambos participaram do painel ‘The ultimate election year: What's at stake?’.

A adesão dos brasileiros às redes sociais inflama o contexto. “O Brasil está entre os três principais mercados de plataformas com atuação global”, repara Renata. Integridade, checagem e transparência são as prerrogativas a serem consideradas diante de uma audiência massiva. “Há perigos. É preciso tomar cuidado com conteúdos que podem prejudicar as pessoas”, alerta a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza. Recentemente, ela foi vítima de um vídeo inverídico em que anunciava ofertas nas lojas. “Virei alvo de memes”, conta.

O cantor Gilberto Gil no painel no painel ‘Technology and culture: Shaping Brazil's global image’ (Aldo Barranco/ Divulgação Web Summit)

“O meio digital trouxe acesso a facilidades e a chance de inovar de forma constante. Sem acabar com o físico, conseguimos entrar no digital”, diz Luiza. A evolução é constante. Além da influenciadora Lu, a empresária cita o exemplo do recém-lançado Magalu Cloud, serviço da varejista voltado para pequenos, médios e empreendedores individuais.

Para Luiza, o Brasil é um país digitalizado. O que falta é acesso a soluções que as pessoas desconhecem. “Não há desigualdade”, afirma. O emprego também é visto com otimismo. “Não temos mais caixas, em compensação, temos mais estoquistas. A posição apenas mudou de lugar”, repara. A evolução dependerá do desenvolvimento econômico do país, a partir de educação, saúde e moradia. “Todos deveriam ter acesso a tudo isso”, comentou ela sob aplausos da plateia. Luiza participou do painel ‘Digital first: The new Brazilian economy’, ao lado de Mate Pencz, cofundador e CEO da Loft, e Rodrigo Marques, chief strategy officer (CSO) da Claro.

A imagem do Brasil foi analisada no painel ‘Technology and culture: Shaping Brazil's global image’, que contou com as presenças do cantor Gilberto Gil e de Marcelo Freixo, presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur). “É inegável que o Brasil está ligado ao que acontece globalmente e as novas tecnologias são meios de conexão. O Brasil é uma terra importante para o desenvolvimento do planeta”, observa Gilberto Gil.

Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, no painel ‘Digital first: The new Brazilian economy’ (Aldo Barranco/ Divulgação Web Summit)

Segundo o artista, o potencial é promissor visto que o país “começa a ser desejado pelo mundo e pode inspirar uma nova forma de encarar a natureza”, nota ele. Já Freixo ressalta o poder da tecnologia para conectar pessoas diversas, o bem mais precioso do país. “O que há de mais sofisticado na tecnologia é o encontro de pessoas, com mais capacidade de respeitar a identidade do outro, e de respeitar as condições climáticas”, acrescenta.

Valor
O e-commerce também foi tema de debates. “A AI permite entregar valor de um jeito diferente”, comenta Tiago Dalvi, fundador e CEO da startup especializada em vajeto Olist, que participou da sessão ‘How AI will transform ecommerce”, com Guilherme Nosralla, cofundador da startup Merama, que compra participações em negócios digitais, operando como uma agregadoras de marcas.

A maior facilidade para personalizar estratégias é um dos benefícios impulsionados com AI. “Antes, a operação tinha de se transformar quase que em uma empresa de serviços para oferecer customização”, lembra Dalvi. Guilherme Nosralla acrescenta transformação do trabalho e eficiência às capacidades impulsionadas pela tecnologia.

Greg Williams, deputy global editorial director da Wired, e Renata Lo Prete, âncora da Globo, no painel ‘The ultimate election year: What's at stake?’ (Aldo Barranco/ Divulgação Web Summit))

Os executivos analisaram também o papel do comércio conversacional no varejo, segmento que movimentou US$ 25,1 bilhões em 2023, alta de 89% puxada por players de varejo e comércio eletrônico, que aprimoram cada vez mais a experiência do cliente. Os dados são da Juniper Research. WhatsApp e WeChat são os principais expoentes dessa nova forma de interação. “É um canal adicional para engajamento, escalável pela AI. Há mais acesso a informações, que geral insights tanto para o e-commerce como para a gestão do negócio”, aponta Dalvi.

Ética e regulamentação também entram no pacote. É importante entender possíveis implicações na base de clientes. “Revisitar termos de uso e se estruturar são condições essenciais para alavancar os negócios. A expansão depende de um ambiente na qual as empresas possam florescer, inclusive os pequenas e médios empreendimentos, que compõem a grande massa de negócios no Brasil”, Dalvi. Cumprir ofertas e assegurar transparência de modelos são os cuidados elencados por Nosralla

Novos ambientes e devices surgem, mas fica a certeza de que não há mais diferenciação entre os canais on e offline. A jornada de compra passa a ter a conveniência como diferencial. “Hoje, é possível testar vários modelos, mas é preciso entender o que faz sentido para o negócio”, ressalta Dalvi.

Executivas durante o painel ‘The future for women in tech’ (Paulo Liv/ Divulgação Web Summit)

A mulher na tecnologia
A presença da AI nos palcos do Web Summit contrasta com a participação da mulher no mundo da tecnologia, setor majoritariamente masculino. “Só 15% das mulheres são graduadas em tecnologia no Brasil”, conta Caroline Nunes, fundadora e chief product officer da Infratoken. Ela cresceu cercada por tecnologia, virou gamer, mas lembra que sempre jogou com amigos homens.

“A realidade é que a mulher ainda enfrenta desafios. O acesso ao capital é difícil para inovar”, adiciona Rafaela Frankenthal, cofundadora e CEO do SafeSpace, no painel ‘The future for women in tech’, que contou também com a presença de Debora Kantt, diretora de foresight e futures do JPMorgan Chase & Co. A conversa foi mediada por Ana Lankes, correspondente do The Economist na América Latina.

Rafaela recomenda que as conquistas das mulheres sejam celebradas a fim de despertar o mercado para o talento feminino. “Toda mulher que trabalha na indústria de TI é uma inspiração. Sei o quanto é difícil encontrar esses profissionais no Brasil. É preciso coragem, tomar riscos”, testemunha Rafaela, que deixa um recado: “Invista em mulheres e empregue-as. Questione os processos. Todos são responsáveis”.