Noite dessas, assistindo a um telejornal, me chamou a atenção a aparência de uma entrevistada, online. O meu reparo pode parecer preconceituoso, pois eu deveria estar atento ao depoimento. Mas, não posso me furtar ao registro, a aparência da mulher escondia quem falava, se me entendem. Suas feições haviam sido “fabricadas” para ficarem alinhadas com o que se passou a chamar de “harmonia facial”. Ou seja, poderia ser qualquer pessoa a retumbar determinado conhecimento, uma caixa de ressonância, apenas, muito pálida, com sobrancelhas escuras e desenhadas ao (mau) gosto do autor do desenho.
Eu só sabia quem era, porque vi quando foi anunciada, senão, me perdoem a crueza, estaria a ponto de percebê-la como um palhaço. Não um palhaço de circo mambembe, naturalmente, quem sabe uma típica bufona de ópera. Sempre expressiva e enérgica em suas intervenções, notei, dessa vez, por trás daquela espécie de máscara, um laivo de melancolia em seu olhar.
Como se, por um segundo, houvesse desconfiado da própria aparência. A conversa demorava, aumentando a minha aflição, pois supunha que, na medida em que o tempo passasse, poderiam se juntar à audiência, outros telespectadores, e até uma dessas filhas sem papas na língua, que lhe espicaçasse a autoestima com um comentário jocoso. Queira Deus que não tenha ocorrido.
Nas ocasiões em que estive no Japão, me chamou a atenção o “descuido” das pessoas com seus dentes. Não pela falta deles ou por cáries expostas, mas pelo desalinhamento. Cada um tinha a própria formação dentária, alguns com os dentes mais encavalados, outros, mais afastados, ainda aqueles em que um canino avançava… E ninguém parecia incomodado. Eu me chocava, porque desacostumei dessas características individuais – lembro na infância de nos referirmos a determinado colega como “dentinho”, e sabíamos que não podia ser outro aquele a quem nos referíamos.
Hoje, todos têm o seu aparelhinho, mais caro ou mais barato, a exibir, como uma joia. Mesmo as pessoas bem simples costumam revelar dentaduras alvas, alinhadas e impecáveis, como parte de uma indumentária, que passa por cabelos, sobrancelhas, lábios etc., todos muito parecidos, em busca de um bizarro ideal de igualdade, a que se taxou de belo.
Fico pensando no quanto, hoje, estamos vivendo esse processo de despersonalização em tudo. Na propaganda não é diferente. Basta prestar atenção – com um pouco de esforço ainda se consegue – no que tem ido ao ar. Fica a impressão de que as agências viraram uma espécie de “salão de beleza”, onde os clientes vão em busca de suas “harmonizações” de marketing. Ouvem um tipo de “coach” para que seja desenvolvido um discurso alinhado com o baixo senso comum, e depois submetem suas marcas à estética de diretores de arte que mais parecem designers de sobrancelhas.
Quero crer que, se pegarmos grandes anunciantes, como bancos, operadoras de celular, fabricantes de automóveis, cervejarias, magazines, e trocarmos as marcas nas assinaturas das peças, provavelmente, ninguém perceberia. Pois, estão todos “criativamente harmonizados”.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)