Brilhante!

–  Brilliant! Fucking Brilliant!!!!

 

Era um gringo sentado à minha frente no Palais de Cannes. Esse cara batia palmas entusiasmado com uma ideia de um comercial que ainda estava no meio da exibição. Outros também ovacionavam. Não se contiveram. Antes do filme terminar, o Palais inteiro se levantou. Era a exibição dos finalistas e batiam palmas efusivamente para um filme. Catarse total. O filme não levou Leão, mas a sensação, dinheiro nenhum paga.

Brilliant! Ué! A gente trabalha. Essa palavra resume tudo. É por isso que a gente briga, vira noite e aguenta qualquer pressão.

Brilhante! Ou Brilliant! Reconhecimento é a energia desse jogo.

Eu vejo no símbolo do Festival de Cannes, a estátua com o leão, como um coro de gente do mundo inteiro dizendo isso: brilhante!

Numa entrevista a Edney Silvestre em um programa sobre literatura da GNT, Nélida Piñon, a presidente da Academia Brasileira de Letras confessa porque está na literatura: “Prêmios”, diz ela. “Sermos reconhecidos”. Se vale para a literatura, vale, claro, para a publicidade.

Já vi inglês sem fleuma, levantando um Leão em plena avenida. Já vi francês dançando lambada, americano tomando porre por ter ganho o prêmio. Sem jogos de cena. Sem blasé. É bom ganhar.

A primeira vez que fui a Cannes se fez inesquecível. Como um martírio. Uma via-sacra. Uma ida a Meca, a Aparecida, a Machu Picchu: intensa, reveladora e inesquecível.

Fui para Cannes por causa de um concurso entre criativos que dava como prêmio uma viagem ao Festival de Publicidade de Língua Portuguesa, em Figueira da Foz, Portugal. Um final de semana antes de Cannes. O concurso consistia em criar um anúncio para a seguinte pergunta: “Como seria o anúncio que Portugal faria sobre a descoberta do Brasil?”. Enfim, inscrevemos dois anúncios e ganhamos. Fomos para Figueira da Foz, meu dupla Luciano Toaldo e eu.

Após o festival português, fui a Cannes. De trem. Levei três dias. Lisboa-San Sebastián. San Sebastián-Yundaia, depois Andorra, Marseille e daí não lembro direito. Só sei que cheguei lá.

Em Cannes, fiquei hospedado num lugar incrível chamado Chevallier Blanc, num bairro onde a língua corrente não era o francês. Tentei encontrar recentemente o lugar, mas ele desapareceu. Os almoços eram no McDonald’s mesmo e a inscrição que consegui fazer ia de domingo a quarta. Mas, quer saber? Foi o melhor investimento que fiz na minha vida. Foi uma epifania.

E lá entendi, vendo as peças premiadas, o real significado da palavra “brilhante”! Vi a luz. Joguei fora tudo que havia feito até então. Queimei meu portfólio. Recomecei. E recomeço todo ano quando vou pra lá.

Brilhante também as histórias; meu amigo Bob Gebara era jurado brasileiro em Cyber Lions. Me convidou para conhecer o Carlton e já avisou: o PJ e o Pedro Cabral estão chegando aí. Acabaram de ganhar o GP e ainda não sabem. Vou dizer a eles. Prepara o champanhe. E só de estourar o champagne já foi divertido. E foi uma festa.

Outra história brilhante foi a do redator da Leo Burnett que ficou na suíte presidencial do Majestic. Conheci a lenda, o mito em ação. Ele me mostrou, assim como a centenas de pessoas, o cartão da suíte que era para o presidente da agência que não pôde ir. Seria legal um dia ele ganhar um espaço para contar em detalhes esse relato.

E, sem dúvida, foram brilhantes também as histórias dos youngs brasileiros de várias edições, que ganharam e deram uma ótima reputação ao país. Cada conquista dessas com uma história de superação.

O combustível de Cannes é a frustração. Você fica com raiva de não ter pensado determinada ideia. E segue à caça da sua própria. E é isso que nos leva à Meca, ao Vaticano, ao Nepal daquilo que acreditamos.

O “cara” mais brilhante do festival é o Sir John Hegarty.  Por vários motivos. Porque dá pra olhar na cara dele e perceber que adora publicidade. A gente vê ele tomando uma cerveja com seus criativos, estagiários, em qualquer bar. Não só nos bares-códigos dos publicitários.

E, principalmente, ele inscreve poucas peças por ano e ganha poucos Leões por ano. Mas você se lembra desses quatro ou cinco Leões por anos e anos a fio. É de uma elegância isso. Ele dá sentido à palavra: brilliant! Sem excesso, sem overacting. Sem ser o cara que quer ganhar tudo e que faz qualquer coisa pra isso. Ou que faz qualquer coisa pra isso, mas dá a entender que não.

Gosto de quem curte Cannes como maratona e não corrida de 100 metros.

O que importa é a busca interior. Quem vai a Cannes sempre ganha por isso. Porque trabalha seu critério, porque entende algo que não entendia. É como treinar corrida em altitude. Tudo isso para voltar pra casa, trabalhar e realizar um trabalho que mereça o elogio do cliente, do consumidor, dos seus familiares e, quem sabe, de gringos malucos gritando por algo que você fez, em pé, no Palais, e gritando a plenos pulmões: “Brilliant!”.

*Vice-presidente de criação da Master Roma Waiteman