Cannes e eu

Sei que para a nova geração de participantes habituais do enorme evento, com dezenas de categorias diferentes de comunicação publicitária, que ocorre, anualmente, em Cannes, a ideia de que ele já foi algo pequeno e circunscrito exclusivamente a filmes publicitários pode parecer estranha.

Mas assim é. Minha primeira participação no Festival ocorreu em 1979 – ano em que boa parte dos jovens talentosos que ganham os Leões de hoje não havia nascido. E em que as peças publicitárias que concorriam eram exclusivamente filmes: para TV ou para Cinema. (A Sawa – entidade promotora do evento – era a Screen Advertising World Association e a sua representante no Brasil, a C-P Cinema de Publicidade, dirigida por Victor Petersen).

Creio que sou detentor de uma façanha que, embora involuntária, deve ser única na história da participação brasileira nos festivais, desde aquele ano até hoje: em 1979 eu era o único jornalista brasileiro presente ao Festival. Como é que pode? Simples: a propaganda brasileira, em 1979, não era o que é hoje – sobretudo em termos técnicos – e o Brasil ainda não era respeitado como “potência mundial”, nessa área. Para se ter uma ideia, o Brasil ganhou só três Leões – diante dos 36 para a Inglaterra, 17 para os EUA, 12 para a França e oito para o Japão. Ficamos apenas na frente de países como Suíça, Hungria, Holanda, África do Sul e Finlândia…

A minha escolha deve-se ao fato de que, em 1979, eu assinava uma coluna sobre publicidade em um dos mais importantes jornais brasileiros – O Globo – e Victor Petersen, o organizador do Festival no Brasil, tinha uma verba para convidar apenas um jornalista brasileiro (com a sua família) e eu fui o escolhido. Como já trabalhava na ESPM – e era amigo do Armando Ferrentini –, fui por ele encarregado de cobrir o Festival para o Caderno Asteriscos (encartado no Diário Popular, antecessor deste jornal, que era Propaganda & Marketing antes de virar propmark) e para a revista Propaganda.

Petersen – que era um gentleman (e a quem o Brasil deve muito pela projeção que seu setor publicitário passou a ter, mundialmente) – hospedou-nos a todos no excelente Hotel Martinez. Minhas duas filhas, ambas pequenas, tiveram uma experiência inesquecível, que fez de Beatriz uma diretora de arte de primeira linha e de Claudia a competente jornalista que hoje colabora neste jornal – e, anualmente, cobre Cannes com outros colegas da redação.

O jurado brasileiro, naquele ano, foi o Laerte Martins, certamente desconhecido da maioria dos publicitários que me leem, em S. Paulo e no Rio, mas que era um destacado criativo de Porto Alegre, sócio da agência Martins & Andrade. Hoje, ele dirige a LM/Multicom.

Para justificar a minha escolha – e presença –, eu mandava notícias do Festival todos os dias para O Globo e para Asteriscos. No Globo, elas não eram publicadas, porque a redação da época não atribuía qualquer importância ao assunto – e o Asteriscos, do Armando, era um jornal semanal… Quando saía do Palais, pelas 18h, a Sala de Imprensa já estava fechada e eu me dava o trabalho de ir até a agência de correios da cidade para laboriosamente datilografar, no Telex (meninos, sabem o que era isso?), todas as notícias do dia.

Eu recebia, também, diariamente, do Brasil (por fax) – preparado pelo meu assistente na ESPM, Mario Lacerda – um relato das principais notícias do dia, no Brasil, que eu montava – com ajuda da máquina Xerox – para compor um jornalzinho diário – Notícias do Brasil –, que distribuía pessoalmente a todos os delegados brasileiros. Nem pensar que Le Monde ou o Figaro, ou mesmo o NY Times – disponíveis nas bancas de Cannes – contivessem qualquer coisa sobre o nosso país.

Imagino que você deve estar curioso de saber quais os três filmes que ganharam Leões em 1979. Aí vão:

Leões de Prata

1 – Nova Prova Produções
Título filme: Wedid
Promoção de vendas interna
Agência: Young & Rubicam do Brasil
Diretor: Claudio Meyer

2 – SSC&B Lintas Brasil Comunicações
Título filme: Bonecas
Anunciante: Pro-Matre
Criação: Ciro Pellicano e Marcio Carvalho
Produção: Jodaf
Diretor: João Daniel Tikhomiroff

Leão de Bronze

Título filme: Água e Querosene
Produto: Inseticida SBP
Anunciante: Refinações de Milho Brasil
Agência: Salles/Inter-Americana de Publicidade
Produtora: Fathom Filmes

Continuei a cobrir Cannes durante alguns anos, até que deixei de ser colunista regular – e esta tarefa foi assumida pela Claudia Penteado.

Faz muitos anos que não compareço mais ao Festival. Quem representa a ESPM, hoje em dia, são professores e alunos, além do Emmanuel Publio Dias, nosso VP Corporativo, que coordena os Young Lions.

Mesmo assim, o meu depoimento tem um happy end. Mais de dez anos depois, em 1993, quando nossos jurados foram Gabriel Zellmeister (W/Brasil) e Paulo Ghirotti (DPZ), minhas três filhas participaram do Festival (Bia chegou até o shortlist). Anna Luiza, minha cofilha, pelo segundo casamento, trabalhava na McCann. Decidi que iria encontrá-las, mesmo que fosse por minha conta, para desfrutar de uma outra pequena façanha: devo ser dos poucos profissionais – se não o único – que esteve participando de um Festival, formando um grupo de quatro membros da mesma família.

Motivos suficientes para que as minhas memórias sobre Cannes permaneçam na minha lembrança para sempre – não é mesmo?

*presidente da ESPM