Nos bastidores dos Leões
Era o ano de 1970 quando tudo começou. Eu morava em Londres (recém-diplomado no MBA da London School of Economics) quando resolvi abrir uma agência veiculadora de comerciais no cinema aqui no Brasil, já que o cinema era o nosso negócio de família. Havia feito um estágio na Rank Advertising Films, na capital inglesa, onde extraí a base para o setup da C-P Cinema e Publicidade do Brasil, que abri com Victor Petersen, euro-argentino com experiência em publicidade – ele era antes diretor da Lowe argentina.
Como a Lowe e a Rank eram os membros da Argentina e Inglaterra, respectivamente, junto à Sawa (Screen Advertising World Association), conseguimos inscrever a C-P como representante do Brasil. A Sawa era a organizadora do IAFF (International Advertising Film Festival), realizado anualmente entre Cannes e Veneza. A C-P tornara-se portanto a organizadora oficial da participação brasileira no festival.
E foi aí que ingressamos neste mundo competitivo de encanto, glamour, oportunidades e vaidades, no primeiro festival para o Brasil e no 18º da Sawa. Isso se deu em 1971, quando organizamos a participação brasileira no Festival em Cannes, levando 22 filmes, 27 delegados e um membro no júri. De jornalistas foram o Armando Ferrentini e o Cícero Silveira. O Ferrentini foi nosso companheiro e parceiro ininterruptamente até quando optamos por sair da Sawa e, consequentemente, do Festival, em 2001. Acho eu que o Armando, mais do que ninguém, é o maior testemunho de nossa incansável trajetória durante 30 anos em Cannes, período em que vimos a publicidade brasileira ser elevada a nível internacional e estar entre as melhores do mundo.
Foi uma vitória, logo no nosso primeiro ano de participação, termos conseguido contar com um único jurado brasileiro. E foi assim que convidamos o Alex Periscinoto para nos representar em Cannes. Ele teve uma atuação brilhante segundo o relatório de avaliações do júri feito pela Sawa. Nossa delegação, então bem diminuta, ficou toda ela, inclusive os jornalistas, hospedada no Hotel Cannes Palace, que acabou se tornando o reduto oficial dos brasileiros naquela época.
Naquele primeiro festival, conseguimos ganhar três Leões (um de prata e dois de bronze), o que foi magnífico como resultado. O de prata, nosso prêmio maior, foi para o filme da mortadela Swift no qual o ator Raul Cortez teve um desempenho de excelência. Esse primeiro prêmio brasileiro no Festival de Cannes nos encheu de alegria, entusiasmo para o futuro e não foram poucas as lágrimas e comemorações ao redor do pequeno Palais de la Croisette, onde acontecia o festival (ainda não existia o grande Palais des Festivals).
A partir de 1971, trilhamos um caminho de glórias (além de problemas!), conquistando inúmeros Leões e dois Grands Prix até 2001.
Uma das funções do representante brasileiro na Sawa era a de escolher o jurado do Brasil. O critério se baseava em indicar uma figura proeminente no cenário publicitário brasileiro e que fosse, pelo menos, bilíngue. Não se deveria levar em conta o investimento de agências no meio cinema e sim indicar, por merecimento, o profissional de maior destaque naquele ano. Sempre respeitei esse critério e normas da Sawa, sendo totalmente isento e imparcial a qualquer tipo de pressões e propostas das mais diversas.
E, hoje, olhando para o passado, posso me orgulhar de ter desempenhado com excelência esse papel.
A nata e as pressões
Acima de tudo, trabalhei sempre em prol do Brasil e foi assim que, dentre outros mais, tivemos nomes da nata da nata da publicidade brasileira como Periscinoto, José Zaragoza, Eduardo Fischer, Washington Olivetto, Francesc Petit, Nizan Guanaes (também presidente do júri), Fábio Fernandes, Armando Strozenberg, Celso Loducca, Mauro Matos, Marcio Moreira, Caio Domingues, Marcello Serpa (também presidente do júri), Alexandre Gama, Clovis Calia, Jacques Lewkowicz, José Fontoura da Costa, Silvio Matos (na ocasião o mais jovem jurado de todos os festivais), Nelson Homem de Mello, Francisco Abreia, João Daniel Tikhomiroff (primeiro diretor de filmes a fazer parte de um corpo de jurados do Festival) e as “meninas” Ana Carmen Longobardi e Maria Christina Carvalho Pinto (ótimas juradas).
Alguns fatos na escolha de jurado brasileiro remetem a momentos marcantes. Antes da escolha, eu recebia pressões, pedidos e tentativas de agrado para incluir determinados nomes na minha lista para a Sawa, pois, se conseguissem ser nelas incluídos, melhorariam muito seus CVs e sua futura ascensão profissional. Eu fazia questão de escolher aquele de maior gabarito profissional e acima de tudo da forma mais sigilosa possível. Neste item, o que mais me surpreendeu foi o Júlio Ribeiro, da Talent, que, escolhido dentre inúmeros candidatos, declinou principescamente meu convite, posição tomada que devia ser sempre admirada!
Craque no inglês
Outro fato interessante aconteceu no fim de uma tarde, quando, voltando para meu hotel, depois de um dia cansativo de trabalho no festival, sentei-me a uma mesa do bar do Carlton com amigos brasileiros. De repente, um dos “meus” delegados, bem jovem e com sotaque nordestino, me indagou o que precisaria ser feito para uma indicação como jurado. Olhei para ele com uma ponta de menosprezo, dizendo que ele inicialmente precisaria falar outra língua (inglês de preferência) e não somente o português nordestino que eu estava ouvindo. Qual não foi o meu espanto quando aquele jovem se levantou e declamou num inglês perfeito Kipling e Keats. Só depois que, surpreso, indagando ao delegado baiano como ele falava tão bem o idioma inglês, recebi dele a resposta que na infância havia morado com a família na Escócia (o pai médico foi lá exercer a profissão e se especializar durante um bom período). Este rapaz era o Nizan Guanaes, que, dois anos mais tarde, crescendo também na publicidade, foi o meu indicado para jurado brasileiro e, mais tarde, presidente de outro júri e culminando como o ganhador do primeiro Grand Prix brasileiro em Cannes. Naquele ano que o conheci ele trabalhava na W/Brasil e seus filmes ganharam oito Leões. O homem já era “uma fera”. Nizan, com sua capacidade ímpar, talvez tenha sido o maior baluarte brasileiro nos festivais, e muito nos ajudou com sua representatividade a fazer com que o Brasil tomasse corpo e personalidade no cenário internacional da Sawa.
Lobby e microfone
A maior parte dos jurados brasileiros teve ótimos “reports” após os festivais. Tivemos, porém, outros não tão abonadores. Uma situação bem marcante foi a repreensão do festival por causa de um brasileiro do júri ter adentrado os aposentos do jurado japonês no Hotel Gray D’Albion para tentar fazer lobby para seus filmes, já que teria de se isentar na votação deles. O japonês delatou o acontecido e eu consegui “abafar” o ocorrido, pois isto não seria nada positivo para o Brasil.
Num outro momento, um jurado brasileiro, num jantar proporcionado pelo representante americano, Jerry Della Femina, em uma festa de confraternização para os outros jurados, num castelo em La Napoule, ao ser chamado ao microfone para falar de suas impressões sobre o festival, deu o resultado na íntegra (inclusive o Grand Prix). Este fato me deixou muito mal na reunião do Conselho Executivo da Sawa na manhã seguinte, tendo eu apresentado então as desculpas do jurado brasileiro. Isso aconteceu numa quinta-feira e o resultado com os premiados só seria divulgado na festa de gala no sábado à noite. O resultado foi que a direção do Festival suspendeu o nosso jurado por 10 anos em festivais, o que amenizou em parte o meu lado, pois ele se retratou ao Conselho da Sawa.
Cancelamento e fantasmas
Outro fato difícil de contornar foi quando o diretor e dono de uma agência de porte, ao saber da indicação de um jurado brasileiro, mandou retirar, nas vésperas do festival, 40 filmes inscritos por sua agência. Ligou direto para o secretário-geral do Festival, Simon Dalgleish, que entrou em contato comigo dizendo que não poderia fazer nada àquela altura, pois os filmes estavam oficialmente inscritos e constavam do catálogo já publicado. O resultado final foi que os 40 filmes não foram exibidos e as inscrições deles ficaram ao nosso encargo.
Aliás, na inscrição de filmes havia sempre problemas em todos os sentidos. Entre alguns deles, já nos primeiros festivais em que participamos, quando a sessão de filmes era dividida em cinema e TV, sendo o número geral de inscrições muito menor na parte cinema, consequentemente mais fácil de receber premiação. A maioria de nossos filmes era inscrita na categoria cinema, e a Sawa, percebendo a estratégia dos brasileiros, pediu prova de veiculação em cinema, o que tive de prontamente atender certificando aquelas veiculações. Foi daí que surgiram os “bogus” filmes, muitas vezes eliminados caso houvesse prêmios para eles. Neste caso estão incluídos alguns comerciais brasileiros (denunciados por outros nossos próprios inscritores), além de outros filmes estrangeiros.
As denúncias de brasileiros (ávidos de prêmios) contra outros brasileiros que apresentavam filmes fantasmas iam para o Simon Dalgleish que, por sua vez, me crucificava, alegando que se eu aceitava a inscrição desses filmes no Brasil teria eu de saber se o filme era “fantasma”. Isto no Conselho Executivo da Sawa gerava uma grande discussão, pois ano após ano aumentávamos nossa participação e nossas premiações com Leões chegando em grande escala para o Brasil, causando inveja em outros países.
Mais problemas
Outros problemas na inscrição de filmes teriam de ser resolvidos em cada ano, tais como: o prazo de inscrição estipulado pela organização do Festival era quase sempre desrespeitado pelo Brasil, que recebia aqui as inscrições bem fora do prazo. É muito difícil organizar uma participação brasileira com nossa mentalidade de que “sempre pode”, ao depararmos com a rígida postura europeia.
Após as inscrições feitas em fichas, faltava mandar as cópias. O sistema Pal-M do Brasil na época não era aceito pelo festival, que exigia tudo no sistema oficial de Pal-G. Era muito difícil fazer as transformações de última hora, problema resolvido ao enviarmos os filmes para serem transformados no exterior. Havia também o problema de determinados filmes terem sido “barrados” pelas autoridades brasileiras para que não mandássemos para fora filmes que pudessem denegrir a imagem do Brasil no exterior.
No início de nossa participação, a má qualidade de nossas cópias era notória – quando os filmes brasileiros entravam na tela com a qualidade tão inferior à dos estrangeiros, eles eram logo reconhecidos como brasileiros, tal como eram os “carrosselos” italianos. Os laboratórios brasileiros, que processavam os filmes na época, deixavam muito a desejar, daí a necessidade de cópias serem processadas no exterior para melhorar a qualidade.
Outro problema era concentrar as cópias de todos os filmes inscritos para a remessa oficial para o Festival, pois não podia prejudicar os cumpridores do prazo em favor dos atrasados. A Sawa não aceitava remessas à parte, pois não poderiam organizar as participações de todo mundo se não houvesse regras de uniformidade geral para todos. Como a inscrição de delegados era com dois custos distintos, sendo o custo de “single” mais caro unitariamente que um casal, alguns brasileiros tentavam a inscrição de casais, juntando dois “singles”, o que resolvi com o fato de que casais teriam de ocupar o mesmo quarto de hotel, o que não acontecia de fato.
Eu me deslocava para Londres (Sawa) todos os anos em fevereiro para conseguir o “allotment” dos hotéis para a delegação brasileira. Ao chegar de volta ao Brasil, a disputa pelos quartos de hotéis era ferrenha. Ao ser acusado de discriminação na distribuição dos quartos, resolvi a questão alocando os delegados por ordem cronológica de inscrição. Até leilão para ocupar hotéis já lotados aconteceu entre os delegados brasileiros.
Os hotéis eram reservados pela duração do Festival, isto é, por uma semana e pagos integralmente por este período. Muitos brasileiros chegavam depois do terceiro dia, constando no hotel um “no show” e consequentemente a perda de sua reserva. Era difícil de contornar esse problema com os hotéis e delegados e me convenci de que isto é uma questão de cultura, certos casos difíceis de serem contornados e muito aborrecimento para resolver problemas diários nesse campo, isto no meio de minhas atividades e reuniões do Festival! O Festival não aceitava a interveniência de agências de viagem, pois os hotéis eram subvencionados pela Prefeitura de Cannes e, como tal, com custos reduzidos para os delegados.
Black tie e baderna
Sendo responsável pelos delegados brasileiros, estávamos à mercê de ocorrências como a de um publicitário que quis nos culpar por não ter levado seu “black tie” (smoking para nós) e, sendo assim, queria que nós alugássemos para ele o traje pedido para a noite de gala. Um outro alegou que não tínhamos avisado que iria chover muito na semana do festival e queria que comprássemos para ele agasalho, capa e guarda-chuva. Que loucura! Houve ainda um outro que não queria pagar o guarda-sol e a cadeira de praia no Carlton, pois havia sido informado que estava incluído no preço do quarto. Sem falar do grupo de brasileiros que, após fazerem uma baderna na casa noturna Whisky a Gogo, onde quebraram copos e objetos, fugiram sem pagar. Fui procurado pelo dono do bar dizendo que eu deveria ser responsável pelos prejuízos causados pelos brasileiros. Tal fato similar aconteceu também no La Chunga e no Bar do Martinez, “points” e redutos dos brasileiros. Outra situação nada normal foi a vivenciada por um brasileiro que no segundo dia de festival perdeu o dinheiro no Casino de Cannes e queria um empréstimo polpudo para passar o resto da semana.
Havia também coisas mais leves e de fácil resolução, como, por exemplo, sendo o representante brasileiro no Festival, dar informações de determinados donos de agências que, quando em Cannes, contatavam agências estrangeiras para fazer “joint ventures”. Foram inúmeros os casos que começaram em Cannes.
No tocante às passagens aéreas para Cannes, já cansado com o problema do avião fretado da Lufthansa, com datas certas de ida e de volta (somente 65% dos passageiros compareceram ao embarque na volta para o Brasil), terceirizei a parte aérea para o Carlos Henrique Abatayguara, da Jet Set, que passou a lidar diretamente com os delegados brasileiros. Carlos Henrique, já familiarizado então com os festivais, foi um grande colaborador, que muito me ajudou no correr dos anos de minha representação. Junto com o Propaganda & Marketing, fez um esquema suplementar ao Festival para levar os brasileiros para assistir aos jogos da Copa do Mundo na França, durante o festival. Aparentemente tiveram por seu lado alguns problemas em organizar esse evento.
O festival e a imprensa
A parte de Press (imprensa) do Festival foi também bem atribulada nos meus anos como representante. Nosso parceiro desde o primeiro festival de que participamos, em 1971, foi o Armando Ferrentini, que, com seu Caderno Propaganda & Marketing, foi um grande colaborador e bem sabe desta luta que foram aqueles anos de minha representação no Festival. As credenciais de imprensa (sem custo de inscrição) eram limitadas ao número de inscrição de filmes de cada delegação. Esta parte era muito bem organizada pela direção do festival, muito interessada na divulgação do mesmo por todo o mundo.
Conforme nossa participação com filmes foi crescendo, o número de jornalistas credenciados pelo festival também aumentou, sendo que estes teriam de ser distribuídos pelos vários jornais e colunas especializadas do país. O maior contingente do Brasil por muitos anos foi o do Propaganda & Marketing, seguido pelo Meio&Mensagem e outros que não cansaram de me acusar de estar protegendo o propmark na inscrição de jornalistas na cota do Festival. Isso não era verdade, apenas favorecia, na medida do possível, aquele que fazia a cobertura e divulgação do Festival durante o ano inteiro, diferente de outros que só apareciam nas vésperas do evento. Nesse aspecto é bom que se saiba que o Ferrentini, antes das credenciais serem estabelecidas, passava no meu escritório para saber quantas vagas teria, sempre respeitando o número a ele atribuído. Tanto é que, se quisesse levar mais jornalistas na sua equipe do que sua cota, pagava a inscrição desses excedentes como delegados.
Para muitos, às vezes, que nem eram do ramo jornalístico e que queriam se aproveitar dos benefícios oferecidos, eram vetadas suas credenciais, sendo difícil meu posicionamento por se tratar da Imprensa ou correligionários, que geralmente não gostavam de ser contrariados e ameaçavam represálias.
Foi para um jornalista do Paraná, muito presente aos festivais, que na ocasião cedi, com a aquiescência da Sawa, a organização do Young Creatives do Brasil. Estando eu sobrecarregado por ser responsável por todos os outros setores do Festival e não podendo arcar com mais essa responsabilidade naquele momento, encaminhei o Emanuel Publio Dias para tomar conta do Young Creatives do Brasil, função esta que ele sempre operou com muita eficiência.
No tocante aos jornalistas brasileiros presentes ao festival num determinado ano, aconteceu em Cannes um fato muito desagradável quando, insuflados por um deles, fizeram uma votação unânime e maciça (com a adesão de alguns jornalistas estrangeiros) em favor de um filme brasileiro para que este recebesse o Grand Prix da Imprensa. Descoberto o boicote aos outros filmes, a direção do Festival cancelou a votação e, consequentemente, o filme foi desclassificado do prêmio. Nos anos subsequentes, o Festival só queria aceitar o credenciamento de jornalistas brasileiros que não estavam presentes naquele episódio, começando aí um grande mal-estar comigo e com nossa delegação, já então os jornalistas brasileiros chamados de “bad boys”. Consegui reverter a situação com o Festival que estava decidido a dar o credenciamento após passar pela análise deles, o que não aceitei e ficamos como nos anos anteriores.
O problema maior veio, no entanto, quando, ao vender a C-P para uma produtora alemã, e que seu dono exigia a representação da Sawa e do Festival e, por outro lado, a Sawa exigia que eu continuasse membro brasileiro como pessoa física e como avalista da representação da nova empresa como pessoa jurídica. Continuei como membro exclusivo do Brasil no Conselho Executivo da Sawa e a organização de nossa participação em Cannes, por intermédio da nova empresa. Não é preciso dizer que, além de não cumprirem o pagamento pela compra da C-P, deram também o “calote” no Festival, ficando devedores de enorme quantia que tive de assumir como avalista, para recuperarmos nossa posição no Festival, que a esta altura já era de grande prestígio e representatividade no cenário internacional da publicidade.
Bastidores
Esses fatos e acontecimentos, além de muitos outros que não relatei, pertencem aos bastidores do Festival. Arquivei-os em minha memória não deixando, de forma alguma, transparecer para os meus conterrâneos publicitários. O que resolvia com a direção do Festival, em prol da nossa delegação, ali ficava; assim teria de ser e assim foi por todos os anos de minha gestão. Foi assim que cheguei a ser membro do Conselho Executivo da Sawa e do Festival (éramos 10 do mundo inteiro) e, como tal, indicado a presidente da Sawa. Num pleito disputado entre todos os membros do Conselho Executivo, empatei com o José Monserrat, da Espanha. O critério para o desempate foi o da idade e ele, por ser mais velho, ficou com a presidência e eu como vice.
Nos oito anos finais de minha gestão, a Sawa, depois de uma astuta manobra do membro francês, passou a organização e lucros do Festival para a Batongrade, continuando com sua sede em Londres. A Sawa, por seu estatuto, não poderia ter fins lucrativos, daí a passagem para a Batongrade. Pouco a pouco foram desfigurando o nosso Festival e, com isso, no meu entender, perdeu todo o seu glamour e passou a ser uma mostra inteiramente comercial. O que restou dos antigos festivais foi só o número deles, que chega aos 60, sendo os 47 iniciais administrados pela Sawa.
Foi erguido um novo Festival com várias mudanças para descaracterizar o antigo. Assim é que a nova administração trocou o formato dos Leões, o nome de IAFF (International Advertising Film Festival) para Cannes Lions, criou novas categorias e tornou-o mais comercial, com o intuito de venda numa etapa mais tarde, tanto é que, após algum tempo, o festival foi vendido pela Batongrade para a Emap por alta soma.
Esta nova firma inglesa de eventos conseguiu tornar o Festival ainda mais lucrativo, criando novas categorias, mais seminários e tantas outras coisas mais, puramente de essência comercial. Fico muito triste em perceber que o nosso antigo, elegante, glamouroso festival da Sawa tenha se tornado uma grande feira de publicidade essencialmente comercial, mas esse é o caminhar do mundo moderno, totalmente voltado para fins lucrativos e totalmente contrário ao espírito com o qual a Sawa fundou seu Festival há 60 anos.
Enfim, quando olho para trás e vejo o quão trabalhoso foi meu período na Sawa e nos festivais, quando representei meu país com muito orgulho, respeito e dignidade, constato que tudo valeu a pena! Foram anos de dedicação extrema e, no final de contas, o balanço geral é muito positivo. É lógico que nesse amplo período angariamos muitas mágoas, tristezas e decepções, mas todas inteiramente superadas por toda alegria, realizações, amizades e, acima de tudo, uma representação honrada e digna como de mim era esperada.
Lembro-me bem do que o Nizan me disse num fim de tarde em Cannes, quando exausto com o trabalho, ouvi dele, com muita propriedade, o seguinte: “O Luis Antonio um dia acordou e constatou que sua vida estava muito calma e sem grandes problemas – para fugir deste marasmo emocional resolveu: vou organizar o Festival de Cannes pelo Brasil e, daí para frente, sua vida mudou inteiramente, nunca mais teve um momento de sossego”.
E por aqui eu fico, com a lembrança de um “great time” e de dever cumprido por ter representado durante 30 anos o Brasil no maior festival de publicidade do mundo. O festival que existe hoje é fruto do nosso trabalho, meu e de meus amigos internacionais do corpo executivo da Sawa, e do qual muito nos orgulhamos e, saudosistas ou não, estamos certos de ter conseguido que ele se tornasse uma realidade no cenário mundial da publicidade.
*presidente do Conselho de Administração do GSR – Kinoplex