Começamos chupando manga

Publicitário não decide ser, ele é. Trabalhar criando, simplesmente, faz parte da nossa mente, do nosso suor e da nossa vida. A nossa intensidade e a nossa criatividade às vezes são confundidas com a vaidade, mas a verdade é que somos apaixonados pela inovação no mundo. Somos intelectuais inteligíveis. Quanto mais a nossa criatividade é compreendida, maior é o nosso sucesso. A oportunidade nos provoca, o mercado é o nosso templo e o Festival de Cannes é o nosso maior símbolo. Cannes fortalece em nós a personalidade, a identidade e o talento de ser publicitário.

Em 2004, pela primeira vez a Ponto de Criação despertou e se interessou em entender esse universo único que o Festival de Cannes representa, que nos atraía muito, mas achávamos que aquela vibe ainda não nos pertencia. Decidimos competir e inscrever nosso primeiro case: “Manga”, que criamos para a Jonhson & Jonhson. A ação acontecia na área do hortifrúti dos hipermercados, aplicando em mangas e espigas de milho um adesivo atóxico – pela primeira vez no mercado – que levava a mensagem: “Se for comprar manga, não esqueça de levar o fio-dental Reach”. Ao lado havia um dispenser com o produto à disposição do shopper.

Antes de viajar para o festival, visitei uma exposição, junto com a Ana Paula, nossa atual VP de criação, a partir de uma iniciativa do Angelo Franzão, jurado de mídia daquele ano, que apresentava todos os trabalhos do Brasil nessa categoria. Lá escutamos vários elogios para o nosso primeiro case inscrito em Cannes. Ficamos radiantes com a aprovação do pessoal, a sensação era única e a felicidade parecia infinita. Nosso destino começava a ser escrito e logo na primeira participação.

Inscrevemos o case em Media Lions, por intuição, e emplacamos nossa primeira experiência com um shortlist elogioso no festival com direito a êxtase total que só Cannes nos faz sentir com essa tamanha intensidade. Daí pra frente, a sede por Leão era maior a cada ano.

Quatro anos depois, ganhamos o nosso primeiro Leão. A Ana Paula e eu estávamos em uma sessão de filmes automotivos por quase três horas, exaustos, quando recebi uma ligação do Renato Pezzoti, transmitindo com entusiasmo que tínhamos levado nosso primeiro rei dos felinos. Me recordo claramente da nossa comemoração com lágrimas, abraços e sorrisos que exibiam uma satisfação singular. Nosso trabalho tinha conquistado reconhecimento internacional e isto valia e vale muito para nós.

Houve satisfações pessoais também e tão incríveis quanto. Em 2009 recebi o convite para ser júri da categoria Promo Lions. Em 2011, a Ana Paula também voltou para o universo Cannes como júri de Direct Lions. Ser júri de Cannes, para mim, é um dos maiores reconhecimentos que um publicitário pode receber em sua carreira, pela sua notoriedade, responsabilidade e repercussão.

Já na chegada ao festival, uma primeira reunião, com Mr. Thomas nos recepcionando. Ele forneceu as primeiras orientações aos jurados e fez um discurso que resumo aqui: “Vocês não estão aqui para representar o país de vocês, mas porque na trajetória de vocês foram reconhecidos como importantes talentos líderes do mundo e nos fazem crer que vocês tem skill para selecionar os melhores trabalhos desenvolvidos no planeta. Portanto, ‘no patriots’, não defenda o seu país, defendam com talento os trabalhos que as pessoas arduamente desenvolveram no mundo todo confiando a vocês o reconhecimento correto e justo”.

Aquelas palavras mexeram com todos durante todos os dias dos trabalhos e até hoje. Percebi, em instantes, o significado da magia e encantamento do Festival de Cannes. Fazer parte dos jurados de Cannes era ter todo o respeito, valor e contribuição real para a manutenção do pensamento criativo e publicitário para toda a cadeia de valor do negócio.

Talvez tenha sido, tecnicamente e fisicamente, minha atividade profissional mais desgastante e mais concentrada em uma única semana que vivemos, mas, ter as oportunidades e aprendizados de como diferentes culturas têm olhares diversos sobre os mesmos trabalhos, como há diferentes leituras e entendimentos das estratégias e dos seus resultados e como a universalidade pode conviver com diferentes temas no mesmo debate talvez tenha sido a compensação de todos os esforços e dedicação.

Além disso, ganhei grandes amigos e histórias inesquecíveis naquele festival, que mantemos aceso até hoje com praticamente todo o corpo de jurados. Recentemente, um desses amigos, o holandês Pope van Pelt, me visitou em São Paulo e assim pudemos recordar momentos memoráveis de nossas vidas em Cannes e o quanto esta grande experiência ficou tatuada positivamente em nossas carreiras para sempre.

Depois de varias participações e outras conquistas, inclusive também em outras praias, nós amadurecemos e crescemos, mas isso não muda o fato de Cannes ter o poder de contemporizar as pessoas, de criar a aura do conhecimento junto com o ambiente profissional mais fascinante em que já estive. O festival é uma arena que reúne, em uma única semana, os trabalhos mais talentosos do mundo da comunicação mundial, com discursos impressionantes e pessoas especiais, acompanhados de uma das melhores gastronomias do planeta, cenas bucólicas e uma paisagem que engrandece os olhos.

Cientistas vão à Antártica, à Groenlândia, religiosos vão a Meca, ao Vaticano, e publicitários, pelo menos uma vez na vida, vão a Cannes. É como viajar para fora do planeta Terra e ir para o planeta Cannes, o nosso universo. O festival renova a nossa crença e nos renova a alma de ser publicitário, de acreditar na criatividade e na possibilidade de  ajudar a fazer o mundo andar adiante.

*CEO da Ponto de Criação