
O Leão e a ostra
Que titulo é esse num artigo encomendado para comemorar os 60 anos do Festival de Cannes? Leão, tudo bem. Mas ostra, o que tem a ver?
Calma, queridos leitores e leitoras. Se vocês tiverem paciência para ler estas mal traçadas linhas até o fim, verão que tudo faz sentido, Cannes, leões e ostras. Pelo menos do meu ponto de vista…
Vamos começar pela ostra.
Quem faz palavras cruzadas sabe que a ostra é um molusco bivalve. E essa é a única informação científica que você lerá neste artigo. Ou melhor, tem mais uma curiosidade sobre esse misterioso ser que não deixa de ser uma informação científica: quando um parasita invade seu corpo, a ostra libera uma substância chamada madrepérola, que se cristaliza sobre o invasor, impedindo-o de se reproduzir. Depois de mais ou menos três anos, esse material vira uma pérola.
Ou seja, a pérola, tão rara, tão desejada, tão amada, nada mais é do que um parasita que invadiu a ostra. Coisas da natureza.
Mas o que eu quero falar mesmo na primeira parte desta curiosa narrativa, ainda no capítulo dedicado à ostra, é sobre sua condição de inigualável iguaria culinária.
Anthony Bourdain, o famoso chef americano, hoje mais notável pelos seus livros e programas na televisão do que por sua atuação na cozinha, conta que decidiu qual seria sua profissão quando, aos 12 anos de idade, passando férias na terra de seu pai, a Normandia, degustou uma ostra in natura que lhe foi dada por um pescador. Ao sentir o gosto da maresia invadindo todo o seu ser, decidiu: iria ser chef de cozinha para tentar achar um prato mais completo do que aquela ostra.
Tarefa difícil. A ostra dispensa qualquer preparação: não precisa de sal, nem de nenhum tempero. É só abrir e sentir o prazer inebriante de estar engolindo um pedaço do oceano. Tem gente que pinga gotas de tabasco, de limão, pimenta do reino. Tudo bem, embora não seja necessário, também não chega a ser um crime. Mas tem gente que põe catchup!, esse, sim, um crime de lesa-ostra.
A ostra é o maior exemplo de “menos é mais”: quanto menos você mexer com ela, quanto menos você alterar sua personalidade, mais prazer ela irá lhe dar. Em todos os sentidos, pois, por ser rica em zinco, a matéria-prima da testosterona, ela é um poderoso afrodisíaco.
Claro que há exceções. Confesso que já provei ostras gratinadas num velho restaurante no sul da França e gostei. Mas acho que foi porque eu estava no sul da França…
Por falar em sul da França, chegou a hora do segundo capítulo desta história: Cannes. Localizada no departamento de Alpes-Maritimes, à beira do Mediterrâneo, na Côte d’Azur, Cannes é conhecida mundialmente pelo Festival de Cannes.
Não, minhas queridas e queridos publicitários, ainda não estou falando de propaganda. Estou falando do festival de cinema, cujo prêmio maior, a Palma de Ouro, ou Palme d’Or, foi concedida duas vezes ao Brasil, em 1959, para “Orfeu Negro”, de Marcel Camus, uma coprodução Brasil-França-Itália, e em 1962, aí sim, para uma produção inteiramente brasileira, “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte.
Já o festival de Cannes que todo publicitário conhece é o Cannes Lions, ou, mais precisamente, Cannes Lions International Festival of Creativity. E é aí que entra o terceiro personagem desta história, o desejado, invejado e implacavelmente caçado leão de Cannes. O leão original, de perfil, teve sua origem no brasão de Veneza, onde foi realizado o primeiro Cannes Lions, em 1954, e depois alternadamente entre Cannes e Veneza. Aliás, eu tive o privilégio de assistir à última edição em Veneza, em 1983.
Com o afastamento de Veneza, o Cannes Lions teve que substituir o leão heráldico pelo atual, na minha opinião sem o mesmo charme.
Mas, charme à parte, ele continua sendo o objeto de desejo de todos os publicitários. A esta altura você deve estar se perguntando onde eu quero chegar. O que tem a ver a ostra com o leão?
Explico: certo dia, caminhando pela Croisette, a emblemática e charmosa avenida beira-mar, um dos mais importantes e premiados criativos brasileiros, que estava concorrendo naquele ano com grandes chances de levar um Leão de ouro, veio falar comigo. Ele queria saber onde encontrar as ostras de que eu tanto falava. Indiquei o caminho, na direção do cais, na rue Félix Faure. Qualquer um dos bistrôs da rua servia ostras fresquíssimas, deliciosas, abertas na hora. No dia seguinte, com o Leão de ouro já garantido, ele veio me agradecer a indicação. Passou a tarde do dia anterior degustando as ostras mais deliciosas que já provou, longe da tensão do Palais. Fiquei feliz. E cheguei à conclusão dessa história, que quero dividir com vocês: no ano que vem, entre um Leão e outro, dê uma chance para as ostras.
Você também vai me agradecer pelo resto da vida…
*Publicitário e blogueiro