O Grand Prix de verdade

A minha relação com o festival de Cannes nunca foi tão visceral como deve ser para um criativo. Eu até já fui redatora, sou casada com um criativo premiado – mas já faz algumas décadas que trabalho em produção de filmes. Mas talvez por conta dessa minha relação “nos dois lados do balcão” com a publicidade, o festival sempre mexeu com a minha vida profissional e com meus sonhos.

Em 1989, eu trabalhava em agência quando a Isabelle Tanugi, a poderosa francesa dona da Zohar Cinema, uma produtora-executiva excepcional, me chamou para trabalhar na sua produtora e tomar conta do trabalho com o mercado publicitário nacional – isso porque estava produzindo um grande filme, “Égoiste”, com direção do também francês Jean Paul Goude, para a Chanel. Produção de gente muito grande – e a Isabelle não poderia pensar em mais nada por dois meses… Para quem não lembra, esse filme reproduziu a fachada do Hotel Carlton, ícone de Cannes, no subúrbio do Rio, depois da Barra da Tijuca. Uma loucura.

Claro que eu topei – estava me mudando para o Rio e a Zohar era top lá. Trabalhei loucamente, aprendi muito – mas sempre de olho no que a Isabelle estava fazendo – “Égoiiiiiiiste”. E não é que o filme foi Grand Prix! É, eu trabalhava na produtora que ganhou o GP de Film daquele ano – e ainda acabei virando sócia dessa produtora. Só não subi no palco do Palais – alguém precisava tocar a lojinha no Rio.

Essa experiência foi fundamental na minha carreira, abriu horizontes e me fez pensar grande. Mas a vida não é sempre um Grand Prix e eu tenho ralado muito procurando outras chances de fazer trabalhos relevantes.

Na verdade, relevante mesmo tem sido aprender todo dia a fazer processos mais fáceis, mais eficientes e mais felizes – sim, eu sou uma atendimento. Na verdade, hoje sou a responsável pela comunicação corporativa da BossaNovaFilms, outra produtora que gosta de pensar grande.

Com a diversificação das janelas de exibição do audiovisual publicitário, as constantes idas ao Festival de Criatividade de Cannes têm sido oportunidades maravilhosas para encontrar os nossos melhores criativos e profissionais de marketing e trocar com eles ideias sobre todas essas novas possibilidades – e ouvir o que os profissionais de outros países andam pensando e fazendo, claro. Engraçado porque tem gente que eu adoro, que mora em São Paulo como eu – e só acabo vendo e conversando em Cannes. Aqui é sempre corrido demais.

No ano passado, ganhamos dois Leões com a Ogilvy – e não é que a agência me chamou para subir no palco com eles?! Não subi em 1989 com “Égoiste”, mas em 2012 senti esse gostinho (parece bobagem, mas é uma bobagem emocionante). Os prêmios eram para categorias que no tempo de “Égoiste” seriam impensáveis: Promo & Activation e Direct. E foram Leões comemorados como se fossem de filmes.

Cannes Lions não é mais o mesmo – e eu demorei um pouco a entender que isso era positivo. Porque é real. O mercado não é mais o mesmo, o consumidor não se seduz mais da mesma forma. E ser criativo hoje é muito mais do que ter uma bela ideia ou muito $ para produzir.

Como sempre, corremos atrás do consumidor – mas ele hoje não está mais sentado no sofá nos esperando. E o festival percebeu essa mudança. A publicidade tem se aproximado do entretenimento e a nossa profissão ficou muito mais interessante – menos Chanel, mas muito mais prêt-à-porter.

Preciso confessar que há alguns anos meu marido criativo resolveu fazer da nossa chácara um restaurante. Aí a minha semana de Cannes passou a ter nove, dez dias – porque outros filmes começaram a povoar a minha cabeça também –, paisagens e aromas da Provence, sais de Guerande (alguns temperados com sabores e cores incríveis), vinhos ensolarados… Hummmm. Andei pensando até em criar um guia de boas mesas de Cannes e arredores, e até convidei meu guru Ricardo Freire para escrever, mas ele ainda não conseguiu tempo pra isso.

Acho que vou ter que voltar lá e fazer essa coisa difícil que é sentar com amigos nesses cantinhos deliciosos da Côte D’Azur e ir experimentando, anotando, experimentando de novo… Indo a Eze, Mougins, St. Paul de Vence, Juan-les-Pins, Antibes, à Ile Sainte Marguerite… Aliás, aceito dicas, por favor.

Grand Prix de verdade é ser feliz.

*diretora de comunicação corporativa da BossaNovaFilms