Lula Vieira
Ter casa de campo é para ter hóspedes. Tirando um ou dois doentes que eu conheço, para os quais é possível se gostar de ter casa na praia ou na montanha sem gente por perto, a maioria dos meus amigos só se sente realmente feliz com a casa cheia. Eu sou um desses. Ter menos que dois ou três casais para passar o fim de semana comigo me dá um leve sentimento de abandono e rejeição. Uma das vezes que de anfitrião eu passei a hóspede dei um vexame que, até hoje, me faz chorar de vergonha. Fui convidado para um fim de semana em Araras, na casa de Olivia e Francis Hime, um privilégio para o qual, juro por Deus, nunca me considerei merecedor. Aliás, não sou mesmo, já que o convite foi, na realidade, feito à minha mulher, parceira do Francis numa ópera. É isso mesmo: ópera. Vamos voltar ao tal fim de semana. Eu tinha alguns trabalhos atrasados e resolvi adiantá-los. O problema é que isso exigia assistir a alguns DVDs. E foi com diversos deles debaixo do braço que compareci na casa dos Hime, achando que seria impossível um casal tão multimídia não possuir um equipamento apropriado.
Pois bem, eles não tinham. E, pior, não tinham nem TV. A besta que vos escreve, incapaz de uma sutileza, chegou anunciando o seu propósito de trabalhar. Sem nenhuma cerimônia perguntei pela localização dos equipamentos. Olívia, santa criatura e anfitriã à antiga, declarou solenemente que há muito tempo pretendia ter em casa TV e DVD. E saiu para comprá-los. Eu quis me suicidar, quis pagar, fiquei doente, ameacei ir embora. Nada adiantou. Em questão de minutos a sala do piano tinha uma TV e um player. Que devem estar desligados até hoje. Uma espécie de monumento ao hóspede-mala. O rei dos inconvenientes. Ou seja: eu. Outro dia, conversando sobre esse fim de semana, na tentativa de me consolar, Olívia me contou dois casos de hóspedes que, segundo ela, deram vexames piores que o meu. Sei não, julgue você.
Outro caso se deu com um funcionário da Standard Propaganda, na época ainda propriedade do Cicero Leuhenroth, pai da Olívia. O tal fulano foi mandado fazer não sei o que em Nova York e resolveu levar a mulher, irmã de uma senhora viúva que morava há muitos anos nos Estados Unidos. Dessa forma, juntava o útil ao agradável: mataria as saudades e economizaria no hotel. E assim invadiram o apartamentozinho da viúva, desprovido de quarto de hóspedes. Feliz com a chegada da irmã e do cunhado, a senhora cedeu-lhes o seu quarto, indo dormir na salinha de TV. Uma delicadeza digna da hospitalidade brasileira. Ao desarrumar as malas, a hóspede/pentelha descobriu que tinha esquecido a pasta de dentes, como todo chato que se preza. Hóspede/mala sempre esquece alguma coisa, de Modess a xampu. A nova-iorquina disse-lhe para usar o pó dental de uma caixinha localizável na penteadeira.
Dia seguinte, durante o café da manhã, a visitante comentou que estranhamente o tal pó dental não fazia espuma. Branqueava os dentes, sem dúvida, mas não tinha sabor de menta ou hortelã, lembrando mais algo como madeira queimada. Lívida, a anfitriã perguntou onde a irmã tinha encontrado o tal pó dental.
– Na caixinha de prata, na tua penteadeira.
– Pois você escovou os dentes com as cinzas do falecido!
Agora ouça outra. Um amigo meu veio pela primeira vez se hospedar na casa de outro amigo em Angra e chegou antes do anfitrião. Recebido com todas as honras pelo casal de caseiros, arrumou suas coisas no quarto de hóspedes, bebeu o uísque do bar, ficou um tempinho na sauna, mergulhou na piscina e estava na sala de TV vendo o Jornal Nacional quando finalmente chegaram os proprietários. Totalmente desconhecidos. Ele tinha simplesmente errado de casa. A sorte é que o clima de Itaipava e a simpatia de ambos acabaram com o constrangimento. Ficaram amigos. Mas, por alguns minutos, o hóspede pediu a Deus a graça de uma morte súbita.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor