Refletindo sobre as dificuldades de 2020 diante da pandemia da Covid-19, o publicitário Hugo Rodrigues fala nesta entrevista sobre como teve de lidar com os enormes desafios impostos para tentar reduzir os impactos na WMcCann, priorizando também o lado humano. O chairman e CEO da agência comenta ainda sobre a sua visão de como a crise acelerou as transformações, não só na publicidade como no mercado em geral, além de suas perspectivas para 2021. Outro assunto destacado foi a migração de investimentos publicitários em novas categorias.
Como foi administrar uma agência do tamanho da WMcCann (com 403 funcionários) a distância?
Eu acredito que o impacto da mudança veio para todos, em todas as categorias, independentemente do mercado de comunicação, com a mesma velocidade e com o mesmo susto. A gente teve de fazer a relação do lado humano, a vida, e o lado econômico, porque não adianta você ter vida e não ter uma economia para sustentar. E se você tiver uma economia e não tiver as pessoas saudáveis também não vai ser uma saída boa. Tivemos uma preocupação muito grande inicialmente. Nós saímos da agência dia 13 de março, uma quinta-feira, com o intuito de a gente experimentar o home office na sexta e, talvez, retornar na segunda. E nós não retornamos nunca mais (a agência abriu o escritório em novembro, estabelecendo um percentual de 10% para as pessoas trabalharem presencialmente, mas a frequência foi muito baixa). Isso mostra a quantidade de improvisos que foram necessários. Coisas que partiram, por exemplo, da transferência do valor do vale refeição para depósito bancário, já que os restaurantes não estariam mais abertos. Toda a infraestrutura do escritório disponível para ser transportada para as casas dos funcionários, como cadeiras ergonômicas, e toda a vacinação da gripe que fizemos, utilizando o sistema de drive-thru para que as pessoas não corressem nenhum tipo de risco. Acho que foi um impacto inicialmente voltado para o lado humano, com o olho no peixe e outro no gato. Inicialmente, a gente tinha previsto uma queda de 40% e partimos do pior cenário, fazendo uma conta racional, e fomos reduzindo o impacto até o mínimo possível.
E qual foi o impacto ao final?
A gente primeiro caiu de 40% para 30% e hoje estamos imaginando terminar o ano 20% menor do que o ano passado. Essa redução significou corte de 5% dos funcionários da agência. Isso relacionado especificamente ao impacto da Covid-19, que gerou muito menos investimentos em áreas como viagem e turismo, mercado de varejo alimentar, e o entretenimento fora de casa, que também caiu muito. E, obviamente, também tivemos a explosão de outras categorias, como farmácias, alimentação, higiene e limpeza, saúde, telecomunicação, bancos e entretenimento em casa. Houve uma mudança no negócio. Só que isso, nove meses depois, é mais fácil diagnosticar, porque cada dia vamos aprendendo um pouco.
O que a pandemia mudou no negócio das agências de publicidade?
Eu acredito que a pandemia não mudou tanta coisa, ela acelerou muitas transformações que já estavam batendo na nossa porta, não só no mercado das agências, mas no mercado em geral. A gente tem de entender que houve, primeiro de tudo, uma percepção real da nossa vulnerabilidade como sistema global. Outra coisa que a gente percebe, pelos estudos, o que os economistas e especialistas falam, é que teremos um mundo menos globalizado e mais digitalizado. A partir do momento que temos esse consenso mundial e a mudança de comportamento que aconteceu devido à aceleração de tendências, as agências têm de acelerar ainda mais as transformações.
Como será o modelo de trabalho daqui para frente? Quais serão os maiores desafios?
Eu costumo dizer, quando converso com jovens, e falei com várias pessoas mesmo nesse período de pandemia, que eu migraria hoje para a área de tecnologia. E daí me perguntam: ‘Você não faria propaganda?’ Não é isso, eu faria design com tecnologia, criatividade através das plataformas digitais, faria planejamento usando ferramentas que não perguntam, mas rastreiam. Essas mudanças são muito claras, simples de se entender. Eu acredito em agências que consigam agir rapidamente, se reimaginar de uma forma holística, entregando afunilamento de plataformas onde todas se conversam, em que você entrega a jornada do consumidor como um território individual, e não adaptar essas campanhas para várias plataformas, que é o que a gente vê hoje.
Como a WMcCann se insere nesse cenário? Em que ponto vocês estão?
A gente está distante do que gostaríamos, mas mais avançados do que a gente imaginou. Nós temos hoje 44% da empresa vindos da área de tecnologia. Ou seja, começo a ter uma quantidade de engenheiros, administradores de software, de pessoas que trabalham com todo o escopo digital como tendência de ser maioria na agência. Isso significa pegarmos o nosso conhecimento, de uma empresária centenária, a McCann foi fundada em 1912 e tem como lema desde o primeiro dia A verdade bem contada (Truth well told), e fazer isso com a mesma criatividade, com o mesmo poder de sedução, mas com uma estratégia digital que consiga cercar o consumidor para atingi-lo no melhor momento dele com determinada plataforma, seja com o celular, seja com o out of home, o elevador, seja navegando na internet ou assistindo streaming. O objetivo é usar essa tecnologia toda que não para de avançar a nosso favor, com criatividade e estratégia, e ter no mínimo uma assertividade maior do que no passado. É isso que a WMcCann busca.
Quais foram as principais conquistas da agência no ano?
A gente conquistou Centrum, que é uma conta sedutora, tem muito a ver com esse momento em que as pessoas precisam estar mais saudáveis. Conquistamos agora BIG, uma das maiores contas do mercado de varejo alimentar. Ganhamos também Skol Beats (Ambev), estamos com uma campanha grande do Beats Zodiac, conquistamos também Doriana, que é uma marca importante que vai voltar para o mercado em 2021 e faz parte da história do Brasil, além de BNDES. Agora é importante a gente falar também das derrotas. Este ano, deixamos de atender Estácio, que era uma conta muito querida e importante para nós, mas que optou por trocar de agência e foi para Artplan. Acho importante falar dos movimentos no mercado e não só das vitórias, pois eles fazem o mercado circular e outras empresas ganharem força.
O trabalho a distância dificultou o processo de criação da agência?
Todos nós gostamos de ter segurança nos nossos movimentos, independentemente dessa pandemia, desse momento maluco que nós vivemos em 2020. A mudança gera desconforto. Eu imagino que é difícil mensurar o impacto, porque a gente não tem confronto com o mundo sem a pandemia e todo mundo trabalhando normalmente versus o mundo com a pandemia e todo mundo trabalhando a distância. Eu acredito que existe uma tendência de rebeldia em relação à mudança brusca e isso deve atrasar um pouco a produtividade. Por mais que tudo agora, nove meses depois, pareça funcionar, que somos adaptáveis, eu acredito que houve um atraso, sim, em algumas frentes que poderiam ter gerado mais produtividade, mais resultados e avanços financeiros para o mundo.
Houve um reaquecimento do mercado publicitário no segundo semestre?
Eu acho que houve uma mudança na dinâmica dos negócios, como falei anteriormente, a migração de investimentos em novas áreas, como saúde e e-commerce. Isso ameniza o impacto negativo de outros segmentos. Mas eu não vejo um reaquecimento daqueles mercados mais impactados, como turismo e viagens. O que a gente percebe é que algumas categorias começaram a entrar no mercado e aquecer o mercado que elas não participavam antes. Mas a gente não vê a volta de mercados que estavam estabilizados investindo, porque eles ainda não têm folego para isso. Muitos segmentos continuam passando por uma dificuldade imensa. A área de gastronomia fora de casa, por exemplo, vai ter um longo desafio. Então, não vejo esse reaquecimento, mas sim uma mudança na dinâmica dos negócios com alguns entrantes que diminuem o impacto negativo, mas ainda distante do investimento médio que nós tínhamos ou algo crescente.
O que você espera de 2021?
Eu espero que Deus nos guie, nos direcione e nos mostre o
caminho certo a seguir. Pode até parecer bobo, mas este é um momento de desconhecimento total. Temos o desafio da eficácia das vacinas, que sequelas ou não podem ocorrer, sintomas diferenciados, quer dizer, é um mistério que a gente vai ter de passar. Nós temos do lado econômico várias economias apontando números módicos. O Brasil com tendência de aumento de desemprego. Não sabemos qual vai ser o aumento de pobreza no mundo. Eu diria que espero é que Deus esteja do lado de todos nós e, quase por um milagre, conscientize todos nós de uma forma mais solidária. A gente falou muito essa palavra este ano, de empatia, que virou moda, mas é preciso se colocar no lugar do outro, verdadeiramente, e saber que é impossível você ter um mundo feliz você tendo tudo e as pessoas ao seu redor tendo muito menos. Isso só vai gerar ódio, inveja, rancor.
E como acabar com a desigualdade?
As desigualdades de raça, de gênero, entre outras, assolam não apenas o mercado publicitário, mas o mercado brasileiro como um todo. Aqui na WMcCann, estamos numa luta diária para reduzir isso. Hoje temos 23% de negros, com 8% de lideranças pretas na agência, o que ainda é muito distante do que gostaríamos, mas essa frustração não está adormecida, a gente vem crescendo. Esse também é um ponto a se pensar para 2021 e 2022 para que esse assunto chegue a um determinado momento em que a gente não precise mais falar dele, que seja algo normal. Hoje temos 55% de mulheres na agência e na liderança temos 49% de mulheres, o que mostra a nossa preocupação com essa mistura. Tendo a acreditar que essa disrupção é necessária para um dia gente organizar para um dia poder desorganizar. Para organizar, vai ser preciso ter um choque mais duro e essa cobrança para reduzir essas diferenças. Temos a necessidade de trazer seriedade para essa conversa. Não é chato falar disso, é obrigatório. Deveria ser orgulho para todo mundo lutar para reduzir essas diferenças. Acho também que existe uma pressão muito grande da sociedade por isso, que obrigou as marcas, agências e clientes a correrem atrás desse atraso.