Depois de julgar a área de Press em 2008, Luiz Sanches retorna ao Cannes Lions para integrar o time de avaliadores de uma das mais recentes divisões do festival: Mobile. Para o sócio e diretor-geral de criação da AlmapBBDO, a experiência será extremamente positiva, “especialmente por poder acompanhar melhor um pouco daquilo que está sendo feito lá fora”. Seguindo o principal preceito do festival, que é destacar e reconhecer a criatividade, Sanches acredita que poderá encontrar em seu júri uma divisão entre aqueles que pregam por ela e outros que dão maior relevância à tecnologia. Porém, ele enfatiza: “sou do time das ideias”. Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo profissional ao propmark.
O festival
“Cannes passou por grandes transformações, sem dúvida. Eles foram muito inteligentes quando começaram a trazer os clientes para o evento, diminuíram o número de exibições de cases e aumentaram o número de palestras e workshop. Isso é bom para todos, de certa forma, porque o cliente passou a perceber melhor a importância do festival e da criatividade. Hoje eu costumo brincar, inclusive, que cliente gosta até mais de prêmio do que criativo. Ele coloca esse sarrafo lá em cima, procurando por ideias globalizadas, fortes e que possam ter destaque em um festival como Cannes. Por outro lado, há esse aumento excessivo de categorias, com o qual a organização busca um aumento de participação de países e agências que antes não tinham tanta presença. Novas mídias aparecem em um ano e, no seguinte, já ganham uma divisão em duas áreas diferentes. Com isso, atualmente acabamos vendo menos ideias e mais multiplicação de algumas delas nas diferentes áreas e categorias. Pessoalmente, prefiro quando há ideias para todas as plataformas, e não apenas uma distribuição entre as possíveis aplicações de inscrição. Ele abriu demais as categorias, e as mais novas ainda precisariam ser aperfeiçoadas. Mas essa é a regra do jogo e a realidade do evento hoje.”
Novas mídias
“Eu fui jurado de Press (em 2008), uma área em que a Almap tem muita tradição (a agência conquistou o Grand Prix da divisão em 2010, com trabalho para a revista Billboard, e mais de duas dezenas de Leões nos últimos seis anos), assim como em outras mídias tradicionais, como Film e Outdoor. Quando me convidaram para ser jurado de Mobile Lions, porém, eu fiquei supercontente, especialmente por poder acompanhar melhor um pouco de como e o que está sendo feito lá fora em sua totalidade, e não só nos resultados que chegam depois de uma ação já concluída.”
Relevância
“Sobre Mobile, temos que lembrar que atualmente a gente passa muito mais tempo de olho na tela do nosso smartphone, ou até mesmo do tablet, do que numa televisão. Hoje, quem trabalha ou tem uma atividade fora de casa é pouquíssimo impactado pela TV se comparado com o passado recente. Já o celular, você está com ele em qualquer lugar.”
Olhar prévio
“Há um pré-julgamento em Mobile, online, que estou acabando de fazer. A organização divide todas as peças inscritas em alguns grupos e envia aos jurados para a definição de um longlist, que será o início do julgamento presencial. Essa é uma mídia que ainda será muito mais explorada e evoluída, mas eu sou do time que acredita nas ideias. Acho que lá haverá uma grande divisão entre o júri, baseada no uso da tecnologia e na aplicação da criatividade. Olhando a lista dos profissionais, é perceptível que não há apenas criativos e profissionais de agências, mas nomes com formações e cabeças diferentes, como aqueles que vêm de desenvolvimento tecnológico. Acredito que, no balanço geral, há uma grande possibilidade de que o processo penda ou para uma coisa ‘nerd’ ou para uma coisa mais baseada na ideia. E eu sou do time das ideias. A tecnologia passa e fica datada, especialmente se não tiver uma grande ideia por trás. Já se você desenvolve uma ideia e a potencializa com a tecnologia, ela fica muito maior.”
Critérios
“Cannes é um festival de ideias em sua essência. É isso que eu vou procurar: como uma ideia gera um uso diferenciado desse dispositivo, e não apenas a criação de um aplicativo – que hoje é quase commodity. Nesses casos, deve ser levada em conta a relevância desse tipo de ação para uma marca. Não houve nenhum posicionamento até agora em relação à presidente do júri (Jaime Robinson, diretora-executiva de criação da Pereira & O’Dell, dos Estados Unidos), mas os critérios que estou utilizando são: qual a ideia; qual a pertinência dessa ideia; qual sua relevância para a marca; e qual é a marca que está assinando aquilo. Como um trabalho mobile pode ser desenvolvido por qualquer um e para qualquer um, como nos primórdios da mídia impressa e outras tradicionais, clientes pequenos e inexpressivos às vezes são privilegiados por terem mais liberdade de ousar. Agora, pegar uma marca grande, conceituada, e conseguir fazer algo realmente relevante e impactante acaba ganhando um peso muito maior. Outra coisa fundamental para essa área, na minha opinião, é que as ideias devem partir dessa tela móvel. Pode ser por rede social, conteúdo de vídeo ou qualquer outra forma, mas esse dispositivo móvel é que precisa ser o start. Eu tenho visto muito case mais voltado para serviço, que na minha visão é o uso mais básico das atuais funções de um smartphone.”
Tendências
“Uma mudança que fizemos aqui na Almap, há cerca de dois anos, foi a fusão total entre online e offline. Isso fez com que as ideias já saíssem preparadas para qualquer mídia e depois apenas formatadas para cada uma delas. Hoje, vejo que esse é o caminho que todos estão seguindo ao redor do mundo e é muito legal poder ter contato com essas tendências como jurado, especialmente por ver como os outros países estão aplicando esse pensamento e que estamos no caminho certo, assim como outras agências brasileiras também estão. Aliás, já vi muitos trabalhos bem bacanas vindos do Brasil.”
Press x mobile
“A mídia impressa teve uma evolução natural, vindo primeiro da ideia simples e pura e, depois, ganhando a imagem, o texto e o craft. Mais recentemente, chegamos aos anúncios interativos, com pop-up e outras coisas, que também datou um período da propaganda. Hoje um anúncio interativo ainda pode ter resultado, assim como um anúncio simples no iPad. O principal, nesses casos mais básicos, é contar com uma boa dose de relevância ao público – e não apenas com aquele cheirinho de coisa requentada, que já foi feita antes e só tem algo interativo para falar que tem. Acho que o mobile é mais que uma mídia nova: é uma tela nova. E nela cabem vários jeitos diferentes de inserir uma ideia, com poucos limites de formatação.”
Videocase
“O videocase é uma das maiores pragas do festival. Acredito que a chegada dele foi uma das piores coisas que aconteceu com o Cannes Lions nos últimos anos. Vejo muitas ideias que poderiam ser explicadas em dois segundos, até por serem naturalmente brilhantes, e que o jurado acaba obrigado a ver uma produção de dois minutos tentando vender aquele case. O que eu sinto na nossa indústria é uma espécie de ‘síndrome do pânico’. Alguém começou a fazer isso e todo mundo correu atrás, mesmo sem saber como e por quê. E como a inscrição custa caro, você tem que fazer valer o valor investido. Então, as agências consideram qualquer forma para ter certeza de que essa ideia será bem explicada. Mas não acho que apenas com um videocase é possível explicar uma ideia. Pelo contrário, é uma forma muito chata. Às vezes, quando a ideia é realmente boa, ela em si é mais forte que qualquer tipo de apresentação – especialmente no caso de Mobile. Se você está com o dispositivo onde a ação acontece nas mãos, por que não usá-lo para ter o contato natural com o trabalho e julgar a partir do próprio meio? Além disso, todos os videocases acabam sendo muito iguais, com o mesmo formato. É só mais blá blá blá. O problema é que todo mundo faz – inclusive a gente. O que precisamos é que todos parem de fazer para acabar com essa prática.”
Interatividade
“A interatividade é algo que o ser humano adora e pratica. E o mobile auxilia essa prática de inúmeros jeitos. Desde que o Steve Jobs inventou esse movimento de passar o dedo sobre a tela, ninguém consegue mais ficar com um celular na mão sem fazê-lo. É a síndrome do dedo nervoso, uma coisa quase intuitiva. A interatividade faz parte desse meio, então, o segredo é saber aplicar uma ideia relevante nesse contexto.”
Produção
“Já vi cases absurdos em matéria de produção nos trabalhos de Mobile, coisa de gastos exorbitantes e trabalho de um ano. O craft passou a ser incorporado nesse meio também, o que antes não acontecia. Isso é bem positivo, mas sempre vai depender de uma questão de negócios, de qual o tamanho da sua empresa e do tipo de retorno que você pretende com uma ação desse tipo – que na maioria das vezes acaba não sendo nada barata. Mas as marcas têm que estar onde as pessoas estão. E se quase todas hoje estão no celular, os anunciantes precisam se manifestar – e saber como se manifestar – lá também.”
Redes sociais
“Vi coisas pertinentes relativas a redes sociais durante o julgamento de Mobile. Inclusive uma é brasileira: o case “Somos todos macacos”, desenvolvido pela Loducca, que começou no Twitter. Um movimento pode sim começar nas redes sociais. Só não acho que as redes sociais são necessariamente o local de criação de tudo. Como publicitários, nossa função é gerar conteúdo e estímulos para que as pessoas possam comentar e interagir com as marcas. Se você criar um ótimo filme, por exemplo, ele vai naturalmente ser falado, compartilhado e multiplicado nas redes sociais, ao passo que se você ficar forçando presença nas redes sociais só por ‘precisar’ estar lá, ela muitas vezes manterá o tamanho que ela já tem.”
Futuro
“Não sei como o festival vai conseguir manter todas essas divisões, especialmente algumas como Cyber e Mobile, por exemplo. Se o mundo inteiro está convergindo tudo que é digital em um único aparelho, como é o caso do celular, acho que Cannes também vai começar a repensar esse milagre da multiplicação de categorias – apesar de relutar nesse movimento pelo retorno financeiro que um maior número de inscrições oferece. Em algum tempo, a forma de julgamento das ideias será mais difícil se depender de divisões como essas e outras. Mesmo branded content com TV e cinema: tudo vai acabar virando uma mesma coisa, uma vez que o que as pessoas consomem se resume a estímulos audiovisuais. Lá na frente devemos ver um fenômeno de enxugamento de algumas áreas e categorias.”
Do lado de fora
“Eu sou um cara apaixonado pelos meus filhos e pela minha mulher. Curto muito minha família. Sou corinthiano fanático, tenho uma banda com alguns caras de agência e adoro tocar, que é um jeito que eu tenho de extravasar. Gosto de correr e estou me preparando para correr uma maratona no segundo semestre. Não sou tão profissional quanto o Chester (Ricardo Chester, atualmente diretor de criação da Africa e que já integrou o time da Almap) – apesar de ter sido eu quem colocou o Chester para correr –, mas pratico bastante, assim como outros esportes – especialmente futebol. Aliás, é uma pena que Cannes caia junto com o início da Copa do Mundo e eu tenha que perder a abertura no estádio do meu tão glorioso Corinthians. Mas, pela primeira vez, eu vou ter a desculpa de estar o tempo inteiro com o celular na mão durante o julgamento, podendo acompanhar o que está acontecendo por aqui.”