Uma observação de Fred Saldanha, diretor-criativo da Huge (NY) e também jurado do privilegiado Innovation Lions em Cannes este ano, chamou a minha atenção durante um papo sobre inovação. Ele me disse: “sabe qual é, às vezes, o problema da nossa indústria? Estamos tentando resolver os nossos problemas em vez de tentar resolver os problemas dos nossos clientes. Nós temos só de mudar o foco. Quando mudarmos o foco, será benéfico para todo mundo, porque estaremos resolvendo o nosso problema também”. Seu ponto é: na crise, o mercado passou a se preocupar mais com o futuro das agências do que com o futuro dos clientes. Mas quem vive sem clientes?
Essa pequena pérola, no final de um longo papo sobre o poder das ideias, ficou martelando porque reflete e ajuda a explicar o que hoje ocorre com a publicidade no Brasil. Saí, rumo a mais um Festival de Cannes, de um mercado preocupado com o futuro das agências e da publicidade, em que as demissões e o encolhimento são fruto, entre outras coisas, de uma profunda crise de valor. E o que eu encontrei em Cannes foi uma indústria cheia de novidades, frescor, otimismo e, ao contrário do que se pensa, muitas ideias reais, para problemas reais, de clientes reais. O que eu vi acontecer em Cannes foi a celebração da criatividade da publicidade mundial na sua potência e capacidade não só de criar campanhas e estratégias de comunicação, mas de desenvolver projetos das mais diversas ordens para ajudar clientes em problemas de seus negócios. O comprometimento vai até onde for necessário para auxiliar clientes a crescerem, evoluírem suas marcas e também, sempre que possível, fazerem alguma diferença positiva no planeta.
O que eu vi foi entusiasmo em torno da propaganda como um dos grandes vetores da inventividade no mundo, que cresce e se potencializa quando combinada a outras indústrias. Ao receber seu prêmio de “Media Person of the Year”, Shane Smith, fundador da influente máquina de produção de conteúdo multimídia Vice, disse considerar o Cannes Lions o evento mais interessante do mundo por reunir publicitários e anunciantes que, juntos, são capazes de elevar a produção de conteúdo mundial a novos patamares de qualidade e criatividade. Shane não construiu seu império na internet sem a preciosa ajuda de anunciantes e publicitários, evidentemente. “Aqui está todo o dinheiro para realizar projetos. Nunca foi tão interessante ser um criador de conteúdo como agora”, disse.
Os cases premiados este ano nas mais de 20 categorias envolvem criação de campanhas, promoções, branded content, produtos: as agências de publicidade seguem dominando a cena. Neste ano, os júris afinaram o discurso e os critérios para deixar de dar prêmios a peças fantasmas, a projetos que não estejam atrelados a marcas relevantes, que não estejam alinhados com o propósito das marcas, a ações de vida curta demais ou que não contribuam para a construção de marcas. Alguma coisa escapa, claro, mas confesso que foi bonito ver o resultado desse esforço. Principalmente anunciantes e marcas envolvidos até os dentes em praticamente tudo o que se falou e se mostrou. Eles, os anunciantes, não “invadiram” Cannes à toa, um território que até alguns anos atrás era exclusivo dos “mad men”. Estão mergulhados no zeitgeist, e precisam de parceiros que também estejam.
Trago comigo, agora de volta, a percepção ainda mais latente do quanto boa parte do nosso mercado ainda anda ensimesmada, rodando em círculos, defendendo velhos jeitos de fazer as coisas e de trabalhar, enquanto a maior parte do planeta já virou a chave para se adaptar às novas formas das marcas existirem no mundo – com o auxílio luxuoso das suas muitas agências de publicidade. Como deve ser. Torço pela extinção das campanhas sem clientes, dos produtos sem potencial, das agências e departamentos que nascem sem o suporte de clientes. Em todas as partes do planeta, especialmente no Brasil. E haja torcida por esse nosso Brasil.