Camilo Barros, head latam de parcerias, e Miguel Caieiro, head das operações latino-americanas da VidMob (Fotos: Divulgação)

Data is the new oil. A expressão do matemático inglês Clive Humby, porém, não pode ser interpretada como se o novo asset fosse uma mina inesgotável. Assim como o petróleo, há regras para exploração, uso e manipulação de dados. Agências e anunciantes já agregaram as aptidões algoritmicas ao negócio. E com lucro e gestão on demand desse conhecimento. A trilha desse novo eldorado está apenas no início e é um desafio para gerar inteligência às abordagens mercadológicas.

Os grandes grupos globais de comunicação já têm conhecimento da lei europeia GDPR (General Data Protection Regulation), benchmark para a legislação de muitos países, inclusive do Brasil, que a partir de agosto deste ano dá início à implementação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Há lobbies favoráveis ao adiamento da entrada em vigor da Lei 13.709/2018, por intermédio do PL 5762/2019.

A jurista Mariana Palmeira, especialista em comunicação, faz referência a uma pesquisa, feita pela Serasa Experian, envolvendo mais de 500 organizações, de 18 segmentos de negócios, que apontou que 85% do mercado não está pronto para trabalhar dentro da LGPD.

“Independentemente da data, a nova lei é uma realidade à qual todas as empresas que trabalham com dados pessoais deverão se adequar. As áreas de marketing e de comunicação estão entre as que mais serão impactadas. Afinal, os modelos de negócios são, cada vez mais, baseados no conhecimento obtido com a análise dos dados que são capturados ao longo da jornada do consumidor. A aparente complexidade da LGPD acaba assustando, sobretudo, as pequenas e médias empresas, que têm uma estrutura menor e, em geral, menos recursos”, disse Mariana.

Fernando Guntovitch e Óz Eneas, da The Group, sugerem às agências avançarem para além do protocolo

“A LGPD afeta diretamente o comportamento de todos os envolvidos na área de comunicação, porque desperta a necessidade imediata de medidas básicas de cuidado e proteção dos dados. O ideal é ir além dos protocolos técnicos de segurança. Ou seja, consolidar mudança cultural, para que todos compreendam a importância das políticas de privacidade como diretriz inevitável na era digital”, justificou Fernando Guntovitch, CEO da The Group.

Marco Aurélio Peres é head de IA e analytics da Stefanini

A questão da privacidade é recorrente. Os bancos que oferecem crédito consignado, por exemplo, podem ser bloqueados no sistema Não Perturbe. Basta ao consumidor informar no cadastro os telefones vinculados a um CPF. “As políticas de privacidade se transformam em prioridade quando os dados se tornam os grandes ativos dos principais clientes”, observou Óz Enéas, diretor de criação e planejamento da The Group.

Mesmo com a possibilidade de adiamento, empresas como a Global Data Bank estão se preparando para a mudança de cenário. “Desenvolvemos a primeira plataforma de gestão de consentimento para a LGPD. Trata-se do Compliant Media, que relaciona dados específicos para cada tipo de inventário. Com isso, aumentamos a eficiência da compra de mídia do anunciante e, ao mesmo tempo, incrementamos o valor ofertado pelos publishers”, explicou Guilherme Soter, CFO do Global Data Bank.

Mariana Palmeira é especialista em direito e comunicação

A privacidade já é um direito garantido. A LGPD amplia o escopo. “O cidadão receberá mais poder sobre os próprios dados e, quem sabe, em breve, poderá decidir monetizá-los para o uso controlado de determinadas empresas. Em última instância, esse movimento faz com que o Brasil seja visto com mais seriedade na comunidade internacional, ao adotar estes elevados critérios de privacidade”, explica Marco Aurélio Peres, head de IA e analytics da Stefanini.

Fernandes é gerente de engenharia de soluções da Nice

Dados são algoritmos. Mas a fonte é um ser humano. Pipo Calazans, copresidente da SunsetDDB, chama a atenção para esse aspecto. “Estamos na ‘Era das Pessoas’ e, quanto mais informação sobre elas a gente tem, mais relevantes podemos ser. As pessoas se emocionam, reagem a grandes ideias. A partir do momento que conseguimos conectá-las e dar as mãos para que atravessem a jornada de compra com poder de escala, é onde temos a junção perfeita entre dados e criatividade, tocando e movendo as pessoas.”

A criatividade é a chave para abrir as pessoas para a propaganda. Segundo a Nielsen, como lembra Marcelo Reis, copresidente da Leo Burnett Tailor Made, “ela continua sendo o principal elemento para aumentar vendas, ou seja, a propaganda é uma das potências motrizes que movimentam e ativam as demais indústrias, e os dados são catalisadores desse processo. O bom uso do big/small data possibilita conhecer melhor o nosso público, oferece personalização em escala e permite correções de rotas.”

Guilherme Soter é CFO da GDB (Global Data Bank)

A americana VidMob percebeu o potencial de apoiar a criatividade por meio dos dados com soluções de vídeo para o perfil de cada uma das redes sociais Facebook, Google, Amazon Ex, Snapchat e Tik Tok. A empresa já tem acordos globais com as redes BBDO e Havas. “Oferecemos inteligência criativa com dados”, explicam Miguel Caeiro, head das operações latino-americanas da VidMob, e Camilo Barros, head de parcerias latam da empresa.

Mensalmente a Comscore analisa 1,9 bilhão de dados. E isso obriga as agências a ter proatividade Always On, como sugere Marcio Oliveira, executivo da R/GA São Paulo. “Se você sabe tudo relacionado à performance de suas marcas, se sabe como seu consumidor se comporta e consegue ler o contexto que estamos vivendo, então você não precisa mais de briefing. Essa é proatividade Always On. Faz algum tempo que a gente já sacou que o que nos trouxe até aqui não será o que vai nos levar adiante. Isso é sensacional. Não é ruim como alguns insistem. Ruim é resistir a isso”.

Pipo Calazans: ”Estamos na ‘Era das Pessoas’”

O volume disponível de dados impõe critérios balizados por legislação. A i-Cherry já é impactada pela LGPD. “Como trabalhamos com grupos que operam na União Europeia, já estamos familiarizados com o assunto”, detalha o CBO Alexandre Kavinski, lembrando que a i-Cherry trabalha em conjunto com a consultoria Dogma, especializada na adequação à LGPD.

A LGPD tem um caráter multidisciplinar que abrange estratégia de negócios, processos, tecnologia, políticas de relacionamento e atendimento ao consumidor, práticas de RH, postura dos colaboradores e até questões de cultura corporativa. Quem elenca essas características é Marina Barros, gerente sênior da Cosin Consulting.

“O cuidado na captura das informações é essencial. A adequação não precisa mudar drasticamente a operação da empresa (por exemplo, não é necessário bloquear o consumidor caso este não selecione a opção “compartilhar dados”), mas alguns cuidados e pontos de controle ao longo das interações precisam ocorrer, de forma que o consumidor entenda os benefícios que a utilização de seus dados trará em sua experiência, quais dados serão utilizados, e com qual finalidade”, orienta Marina.

Isaias Lernes é diretor e cofundador da Match

Mas a executiva da Cosin faz um alerta: “A LGPD estabelece elevados critérios e regras sobre coleta, armazenamento, processamento e compartilhamento de dados pessoais em meios físicos e digitais, tendo como objetivo garantir aos titulares de dados maior privacidade e controle sobre seus dados, evitando o uso indevido destes. Dessa forma, a transparência por parte das empresas, de como os dados de clientes e funcionários estão sendo tratados e para quais finalidades, torna-se fundamental para o relacionamento entre as partes, de forma que tenham sua privacidade assegurada, possibilitando o acesso a seus dados, anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários e revogação do consentimento para utilização dos dados.”

Marina Barros é executiva da consultoria Cosin

André Fernandes, gerente de engenharia de soluções da Nice, pondera que o início deve ser o data mapping. “O passo seguinte é encontrar ferramentas que tragam o maior benefício e facilidade na execução de tais atividades. Todo esse processo é bastante longo e, dado o prazo de implementação, deve ser feito rapidamente e da maneira mais assertiva possível.”

Por outro lado, o especialista em hipersegmentação Isaias Lemes, diretor e cofundador da Match (spin-off da F.biz), conta com apoio de escritório jurídico para orientar procedimenros sobre a LGPD. “Em muitos casos, temos acesso aos dados, mas não fomos responsáveis por suas capturas. No momento, estamos revendo o que precisa ser ajustado na relação entre a Match e seus clientes. Já em relação aos nossos clientes e seus consumidores, estamos estudando tecnologias, como, por exemplo, as CMPs (Consent Management Platform), que podem auxiliar na adequação das plataformas digitais para coleta e armazenamento de consentimento para uso de dados”, justificou Lemes.

Oliveira, da R/GA: “Não é ruim como alguns insistem”

Aga Porada, head de mídia da Wieden+Kennedy São Paulo, finaliza: “Acredito que, para a internet se firmar como um ambiente e uma ferramenta segura, a preocupação com a privacidade é mais do que legítima: ela é essencial. Quando o próprio Tim Berners-Lee, inventor da Web, vem a público propondo um plano de ação global para evitar uma distopia digital, fica clara a urgência em rediscutir todas as práticas adotadas até hoje. A LGPD é um passo muito importante para essa revisão de comportamento da internet, porque diminui o poder de grandes corporações sobre dados coletados na web e devolve para os indivíduos que de fato os geram.”

Cultura de dados

Edu Simon, CEO da DPZ&T (Divulgação)

A adequação à LGPD na DPZ&T é missão pessoal do CEO Eduardo Simon. “Nós já estávamos devidamente adaptados ao GDPR europeu quando a Lei Geral de Proteção de Dados foi sancionada, em 2018”, disse o executivo. Ele concedeu a seguinte entrevista:

PREPARAÇÃO

Devemos estar sempre um pouco à frente e, por isso, nos antecipamos nesse assunto no primeiro semestre de 2019, consultando especialistas, principalmente de países como a Alemanha, onde a lei é ainda mais rigorosa, uma vez que alguns de nossos clientes, por serem multinacionais, como a Nescafé, já tinham essa necessidade no Brasil. Compartilhamos e desenvolvemos internamente a cultura do uso correto de dados. Temos um programa de privacidade de dados global e também um local.

AÇÃO

Criamos um comitê para disseminar a cultura do uso correto dos dados. Com plano de ação efetivo; homologando fornecedores para entender como tratam esse assunto; revisitando todos os contratos; adequando a forma como enviamos as informações internamente e para nossos clientes (utilizamos, por exemplo, uma rede segura nas nuvens para compartilhar os dados); criando regras para o manuseio dos bancos de dados e treinamento.

PRIVACIDADE

Com a LGPD, deverão se adequar aqueles que ainda usam informações de empresas que trabalhem dados coletados ou utilizados sem a devida transparência. Ou com desvio da finalidade ou, como exemplo prático, empresas que vendem o total do uso de dados, incluindo aqueles que permitam identificar indivíduos. É preciso diferenciar o uso inteligente de dados e sua indiscutível contribuição para a sociedade com o uso de dados pessoais. Agências e anunciantes que não cumprem os parâmetros da LGPD/GPDR terão consequências, assim como muitas vão progredir fazendo uso correto dos dados e da tecnologia por trás disso.

IRREVERSÍVEL

É uma evolução que será melhor para todos em termos de uma proteção de dados muito mais forte, qualificada e regulamentada. E isso gera mais segurança, além de mais transparência e investimento em tecnologia.