O cenário da comunicação no segmento de laboratórios e farmacêuticas há cerca de uma década era altamente restritivo e tinha como uma das estratégias de maior relevância a produção de materiais para representantes de vendas que propagandeavam seus produtos para os médicos. A função ainda existe, mas uma série de fatores transformou a publicidade feita no segmento e fez do healthcare um segmento lucrativo para os grupos de comunicação e interessante para carreiras, especialmente de criativos.

O healthcare tem empolgado uma geração de profissionais que buscam fatores como possibilidade de criar para uma indústria que se destaca pela inovação, trabalhar com o propósito de, em última instância, salvar vidas. No começo deste ano, por exemplo, a McCann Health anunciou a contratação de Matt Eastwood como CCO global. O profissional, ex-CCO global da J. Walter Thompson e jurado do Festival de Cannes por diversas vezes, foi contratado para ajudar a acelerar o crescimento da rede.

Para os brasileiros, o mercado é uma promessa. Na semana passada, por exemplo, Fernando Brandt tornou-se Associate Creative Director da FCB Health NY. Antes, passou por BBDO Moscou e, no Brasil, por J. Walter Thompson, Publicis, Africa, AlmapBBDO e FCB.

“Especialmente aqui nos EUA, o mercado de healthcare é muito forte. Atualmente, existe um claro movimento migratório de criativos de agências tradicionais para a área de healthcare, e acredito que todo mundo sai ganhando com isso: a agência, por contar com profissionais com bagagens diversificadas, e os profissionais, por terem a oportunidade de atuar em um campo que nunca para de inovar e que é, ao mesmo tempo, gratificante”, afirma. “Quantos de nós questionamos, diariamente, a nossa profissão, e sonhamos que nosso trabalho impacte a vida das pessoas de maneira verdadeiramente relevante? Healthcare é um bom caminho para se alcançar isso. Em 12 anos de carreira, essa é a primeira vez que eu trabalho em uma agência 100% healthcare, assim como meu atual dupla, e não poderíamos estar mais contentes”, diz Brandt, que fará parceria com o norte-americano David Bade, ex-BBDO NY.

Inovação e criatividade ajudam a atrair a atenção das pessoas para o setor. O uso de wereables e sensores, como smart glasses, já se sabe, é uma revolução no setor médico, com capacidade de detectar problemas e ampliar a qualidade de vida, sem mesmo a presença de médicos em alguns casos. Inúmeras soluções de healthcare são aguardadas para eventos de inovação com o SXSW, sendo que elas foram destaque já em 2018. A Nasa anunciou, durante a atração, o lançamento do Collaborative Health Innovation Plataform, um sistema que conecta investidores da empresa com startups de healthcare, com vistas a criar produtos de health que possam ser utilizados no espaço.

Prêmios
O predomínio da internet como canal para informações sobre healthcare, a possibilidade de gerar engajamento através do uso de ferramentas como conteúdo e a explosão de dados que permitem uma comunicação pessoal formam um tripé que ajudou a publicidade a gerar negócios e trabalhos de qualidade em escala muito superior à do passado, com mídias sujeitas a legislações mais restritivas.

Com o argumento de permitir uma competição mais justa para um segmento com menos possibilidades criativas, mas também para atrair anunciantes do setor e ajudar no desenvolvimento das agências do setor, o Festival Internacional de Criatividade de Cannes lançou um festival Lions Health em 2014. Hoje, a área de Health é uma das nove tracks temáticas do festival geral.

Na edição 2018, saíram com ouros da área Pharma Blink to Speak, linguagem gestual feita de movimentos de olhos para gerar conexão com pacientes com paralisia (venceu o GP for Good do Healthcare). Outra solução, The Hearing Test in Disguise é um filme que ajudou a identificar pessoas com deficiência auditiva, já que seu roteiro tem interpretação diferente de acordo com o nível do problema. Já Change Gout trouxe uma experiência digital para sensibilizar as pessoas sobre a gota. O Brasil teve uma prata com Stories to Inhale, focado em tornar a inalação mais divertida para as crianças. Já na categoria Health & Welness, que tem menos restrições, o Grand Prix foi para o filme de 48 minutos Corazón – Give Your Heart, de Montefiore Hospital, com a história de uma garota de programa com problemas de coração. A ação ajudou a gerar engajamento e aumentar doadores de órgãos.

Ao se falar em comunicação healthcare, pensa-se em publicidade feita por indústrias farmacêuticas, laboratórios ou, no máximo, ONGs. Mas o fato é que a questão passou a fazer parte do discurso de toda grande marca. Um estudo da Havas Health & You, o “Prosumer 2018 – DiY + Data: Taking healthcare to the next level”, mostra que 72% dos consumidores brasileiros avaliam que as marcas têm responsabilidade em estimular hábitos saudáveis. “As marcas podem ajudar as pessoas a melhorarem a sua saúde até porque uma das grandes tendências no segmento farmacêutico é prevenir antes de medicar”, afirma Charles Houdoux, global partner e Chief Client Officer da Havas Health & You. “O maior movimento dessa indústria nos últimos anos foi colocar o consumidor no centro da conversa. As marcas devem oferecer serviços, dar educação, entreter, ajudar. E isso de forma cada vez mais criativa. As pessoas não querem ler coisas difíceis, mas, por exemplo, jogar um game ou assistir a um vídeo curto e personalizado sobre saúde. Todos os movimentos levam a indústria a precisar de mais criatividade”, completa. Na semana passada, o executivo francês anunciou a nova estrutura de liderança no Brasil, com Zé Roberto Pereira (managing director e CSO), Daniel Martins (managing director e COO), Ingrid Bachmann (diretora de negócios e relacionamento) e Laura Florence (diretora-executiva de criação).

Bom investimento
Para os negócios das agências, healthcare traz boas possibilidades. A FCB Brasil lançou, no ano passado, a unidade FCB Health, sob liderança de Mauro Arruda e Diego Freitas, ex-Havas Life. “Foi um movimento muito bem planejado. Nossa operação de healthcare no mundo é enorme, com 2 mil funcionários, com mais de 50 médicos. Atendemos nessa operação global 19 dos 20 maiores laboratórios e empresas da indústria farmacêutica, sem conflito, porque são produtos diferentes”, afirma Aurélio Lopes, presidente da FCB Brasil.

“Outro pilar para investirmos nisso é que a criatividade cresceu na indústria pharma
e Cannes ajudou a trazer mais interesse. Por fim, a internet criou uma disrupção no aspecto legislativo do uso de meios, onde não se podia veicular. Hoje, é possível trabalhar lembrança de marca na internet, influenciadores, geolocalização e diversas outras ferramentas. Isso introduziu um caminho novo para um mercado ultra-regulado e temos mais oportunidades para sermos criativos”, resume Lopes.

No Grupo WPP, o healthcare é considerado uma das especialidades importantes para os clientes dentro do pilar de comunicação, ao lado de PR, publicidade e outros. “É um setor importante e em expansão. Temos uma nova oferta para o setor, para evoluir e integrar a força de nossas empresas para os clientes”, afirmou Mark Read, CEO global do WPP quando a empresa anunciou, em outubro de 2018, a distribuição dos serviços prestados pela WPP Health & Welness, que deixou de existir, para as redes VMLY&R, Ogilvy e Wunderman. Já no Grupo Publicis, a ordem é negociar o braço Publicis Health Services, por sua performance ruim. Entretanto, executivos do setor afirmaram em off que, em geral, healthcare é um segmento muito lucrativo para a publicidade e novos movimentos nessa área são esperados no Brasil.