Como meus pouquíssimos e infiéis leitores sabem, meu escritório fica na Praça Floriano, na Cinelândia, a mais bonita e uma das mais importantes do Rio de Janeiro. A janela de minha sala, que se abre para o Teatro Municipal, a Biblioteca Pública, a Câmara dos Vereadores e o monumento ao Floriano Peixoto, já seria privilegiada pela paisagem deslumbrante, não fossem as novidades que ganhou nessa época olímpica.

Há um bonde moderno circulando, os bares estão abarrotados de cariocas e turistas de todas as cores, línguas, roupas e há música brotando de todos os cantos. Como os jogos são realizados praticamente o dia inteiro e boa parte da noite, as televisões de dezenas de botequins abertos para a rua atraem torcidas para praticamente tudo, o que nos faz ouvir de vez em quando urros de euforia e tristeza que fazem eco por toda a praça, espantando as pombas que voam abestalhadas sem saber o que está ocorrendo. Há torcida para tudo, de futebol feminino que – oh, tristeza! – deixou de ter a seleção brasileira na disputa, até arremesso de martelo, tiro com arco e outros esportes até então desconhecidos por aqui.

A Praça Floriano é um resumo do Rio de Janeiro, que está vivendo dias que acredito nunca tenham sido vividos anteriormente. Nem nas Copas do Mundo de Futebol, nem no Carnaval nem no Réveillon. Não quero dizer que são festas menores, nada disso, mas nunca tanta gente diferente perambulou pelas ruas, muitas vezes assumidamente estrangeiros, vestidos com suas bandeiras ou uniformes de suas equipes, numa euforia confraternizante tão evidente.

Claro que existem os imbecis de sempre, que trouxeram para a festa suas diferenças políticas e religiosas. Mas a imensa maioria veio celebrar. Logo abaixo de mim há um bar com centenas de mesas ao ar livre, o tradicional Amarelinho. Pelo menos 20 nacionalidades estão neste momento bebendo chope e comendo os mais diversos pratos que, com certeza, para muitos vão representar as mais terríveis dores de barriga que já tiveram na vida.

Nada contra a qualidade da comida do restaurante, aliás, de responsabilidade. Mas seguramente não há de ser harmônica a relação entre o sistema digestivo do inglês com cor de camarão que vejo atacando com fé uma feijoada, devidamente acompanhada de uma monumental caneca de chope e – pode acreditar – uma caipirinha de cachaça para rebater.

Nos arredores da praça temos a Lapa, que recebe os mais descolados, acrescentando uma boa dose de sensualidade às atividades Olímpicas. O Barão de Coubertin, que achava a mulher antiestética, deve estar fazendo evoluções enlouquecidas em seu caixão ao ver como o espírito olímpico se traduz no doce esporte do sexo. E é claro que não falo pelas regras da ortodoxia já ultrapassada pelo cotidiano. O vale-tudo vai às ruas, numa desenfreada reação à proximidade do fim dos tempos.

A Lapa seria o lugar onde o pessoal de Sodoma viria para combater o tédio da cidade. Notaram que não falei de Ipanema e Copacabana? Confesso que não consegui chegar a nenhum dos dois bairros, pelo menos nas ruas mais frequentadas. Aos gringos, juntaram-se os brasileiros e a estes, os do subúrbio. A praia é um resumo do mundo e o espetáculo chega a ser comovedor. Não sou cego nem completamente ingênuo. Há problemas, inclusive alguns de segurança e desorganização.

Mas, vamos e venhamos, alguém aqui conhece alguma cidade que se comporte melhor do que esta num evento desta dimensão? Se você quer um conselho, se adianta lhe dar um conselho, ouça este: venha para o Rio, nem que seja para dormir na rua. Você não tem um único amigo por aqui para lhe dar uma ou duas noites de pouso? Pois você terá uma superdose de humanidade que lhe será útil para sempre. Garanto.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)