O nome do novo relatório da International News Media Association (INMA) sobre a indústria da mídia em transição no mundo não poderia ser mais provocador: News Media Outlook 2016: The Dimension Behind the Façade (algo como “A dimensão por trás da fachada”). O autor do Report, Earl J. Wilkinson, diretor-executivo e CEO da INMA, viajou o mundo para entender as transformações das empresas de notícias e ficou preocupado: há muitas tentativas para dar uma “reformada” não muito caprichada por dentro e manter conservadas e belas as fachadas, no lugar de promover mudanças verdadeiras e profundas nas empresas. Há, segundo Wilkinson, pouca disposição para verdadeiras transformações abaixo dos cinco principais executivos da grande maioria das empresas de mídia de notícias que ele visitou e perde-se tempo demais tentando manter velhas crenças. Há mais reação do que ação.

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“Alguns permanecem inertes, esperando que os tijolos do teto comecem a despencar sobre suas cabeças”, relata Wilkinson. Também é preocupante, segundo ele, o fato de algumas decisões empresariais de um único player afetarem tão fortemente a percepção de praticamente todas as empresas do setor – certamente referindo-se ao New York Times. Outra preocupação: a falta de jovens executivos despontando nas empresas de mídia, prontos para tomar as decisões rápidas e importantes que os tempos demandam. 

Para montar o estudo de 105 páginas, Wilkinson contou com o feedback de associados da INMA (são 7 mil, de 600 empresas, em 80 países) e muitas viagens ao longo do último ano. A maior parte do Report saiu das suas passagens por Silicon Valley, Nova York e Londres. “Vários CEOs que visitei no último ano já perceberam que tentar remendar estruturas existentes e manter intactas as fachadas, no lugar de (re)começar do zero custa muito mais dinheiro e é muito mais penoso. O título do Report é de fato uma provocação e, como todo o Report, deve levar executivos da mídia a realmente repensar suas propostas de valor e planos futuros”, disse Wilkinson.

Desaprender 
Segundo ele, os tempos não demandam complacência. A maioria dos associados da INMA hoje passa pela transição de ter de desaprender a exclusividade do modelo de negócio baseado no impresso e aprender a lidar com essa “hidra de várias cabeças” em que se transformam invariavelmente as empresas de mídia na direção de um futuro de informação e velocidade sem fim.

Por outro lado, ele percebeu que é preciso desacelerar um pouco. “As empresas vêm agregando, agregando, há sete anos, sem parar. 2016 torna-se um bom ano para isso, para ser o ano da otimização”, sugere Wilkinson, acrescentando: “É preciso abraçar a mudança”.

Wilkinson fala que o digital é uma inevitabilidade, mas não é um fim em si mesmo e sequer é realidade no mundo todo – ainda. A Índia, por exemplo, mantém seu foco no crescimento dos jornais impressos. A tendência, claro, é que o wifi alcance todo o planeta, a rapidez de conectividade se expanda e os celulares sejam gradualmente substituídos por smartphones. O desafio é saber quando mover os investimentos para o futuro do negócio. Mudar cedo demais é como atirar um míssil numa duna de areia. No caso do Brasil, a mídia impressa tem um papel muito relevante, mas talvez não exista uma tendência de crescimento. É preciso estar atento.

Ele afirma que sua experiência é a de que, em tempos de crise, tendências podem se tornar realidade mais rapidamente. “Não me surpreenderá se, nessa crise que vive o Brasil, investimentos no digital se acelerarem. Crises muitas vezes servem para instigar movimentos impetuosos que estavam apenas adormecidos, esperando uma oportunidade para se concretizarem. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde que os jornais se tornaram negócios de menor rentabilidade, investidores têm vendido as suas participações para empresas e filantropos que se veem na obrigação quase cívica de manter funcionando jornais em nome das comunidades em que se encontram. É uma espécie de ‘de volta para o futuro’, pois esse era o modelo nos anos 1960”.
Segundo ele, que diz acreditar fortemente no jornalismo profissional desenvolvido por empresas de mídia, o primeiro passo para uma empresa se reinventar na era digital é não ter medo da mudança. “Mudar nada tem a ver com devices, mídia programática ou seja lá qual for a novidade surgindo. A questão é como transformar esse ‘medo cultural’ e enraizado da mudança e criar empresas de mídia que abarquem culturalmente quaisquer hábitos que leitores e anunciantes venham a ter amanhã. Garanto que o iPhone e o iPad não são nada se comparados aos devices que veremos na próxima década. O segredo é abraçar culturalmente as mudanças constantes”, observa.

Panaceia 

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Embora a mídia impressa deva se manter forte durante muito tempo, Wilkinson acredita que deixará de ser uma panaceia e gradualmente se tornará “situacional” ou “ocasional”. Há jornais nos Estados Unidos que, no lugar de ter edições diárias, entregam o jornal impresso três vezes por semana. “A impressão é apenas um mecanismo de entrega. É fundadora do jornalismo. Falar da morte da mídia impressa está ficando velho num momento em que temos de olhar para frente, e não para trás”, argumenta.

Quanto às mudanças proteladas por tantos empresários da mídia com quem Wilkinson tem conversado, o fato é que são dolorosas e caras. E apenas a história poderá dizer se os movimentos realizados pelas empresas de mídia impressa para se modernizarem foram os corretos. O problema é que, segundo Wilkinson, essas empresas se movem a um quarto da velocidade daquelas que nasceram digitais.
“Dá para ver mudanças interessantes sendo realizadas quando as empresas têm os donos certos e a liderança ideal. Veja Jeff Bezos, no Washington Post. Sim, é preciso dinheiro, capital. Mas há uma luz verde permanentemente acesa para as mudanças que se fazem necessárias, enquanto o melhor do grande jornalismo é preservado”, conclui.

O futurista Ross Dawson aponta nas primeiras páginas do relatório três grandes drivers em rota de colisão na mídia noticiosa hoje: a explosão de informações, a tempo dedicado a notícias versus notícias e a mobilidade da informação, cuja velocidade deve crescer 110% até 2017, enquanto a mobilidade via banda larga deve crescer 33%. Hoje, tentando balancear novos e antigos modelos ainda coexistentes, repórteres e editores ficam exaustos e confusos. Crescem o jornalismo visual, os blogs de notícias ao vivo, o podcasting, a quantidade de matérias e assuntos. Agrega-se, agrega-se, sem desligar nada. É preciso estar em smartphones, tablets, smartwatches, lidar com mídia nativa, programática, distribuição de conteúdo, paywalls, big data, vídeo, adblocking, mídias sociais, redações integradas, áreas comerciais integradas, mudanças de cultura, diversificação de receitas, inovação. Como, no meio disso tudo e além disso tudo, montar o jornal do dia seguinte?

Segundo o Boston Consulting Group, a mídia impressa é hoje o centro das turbulências e das dúvidas nas organizações de mídia. Há mercados em que ela cai, e há mercados, como o Brasil, a China, a Índia, a Indonésia, o México e Taiwan, onde ela cresce.

David Carr, colunista de mídia do NYT (falecido no ano passado), é citado no Report afirmando que, para qualquer empresa que deseja deixar um legado e se encontra sob a ameaça da mudança e rupturas, o desafio é tentar sair de uma sala – a dos modelos tradicionais comprovados e testados – para entrar em outra, a mesma para onde se encaminham os consumidores e se estabelecem os inovadores. Mas, para chegar lá, é preciso atravessar um longo corredor, que é escuro e assustador.

Segundo o Report, 2016 é o ano de otimizar e limpar o caminho, retirando possíveis “ervas daninhas” que se instalaram. O momento atual favorece: os “mistérios” do digital se dissipam, as propostas de valor das empresas de mídia tornam-se mais claras. A maioria das empresas já fez suas escolhas – ou pelo menos direcionou suas escolhas em relação às plataformas em que desejam atuar, bem como a profundidade ou objetividade de seu conteúdo. O caminho é aprimorar o que foi construído nos últimos sete anos, buscando as melhores pessoas para consolidar as escolhas.

E é preciso levar em conta e confrontar algumas verdades, como a de que o faturamento do digital nunca substituirá na mesma medida o do impresso, que ajudou a criar as grandes e fortes redações de jornais e revistas que a maioria de nós conheceu. Outra verdade proposta pelo Report: a mídia digital tradicional está morrendo, abrindo lugar para novos formatos em data, vídeo, mobile, native e branded content. E essas novas possibilidades e formatos não estão rendendo divisas na velocidade que deveriam para sustentar as grandes marcas das empresas de mídia. Entre as muitas verdades listadas no Report, outra é incontestável: o smartphone se tornou a plataforma em que mais se consome notícias na maioria dos mercados. E as marcas se encontram em perigo devido à comoditizaçao da compra de mídia (programática).

As transformações passam, segundo o Report da INMA, pela mudança completa do modelo que antes comportava marcas nacionais, globais, regionais. Busca-se desesperadamente escala, esquecendo-se de investir na mídia local, que segue essencial. Se a tecnologia muda o comportamento do consumidor, anunciantes estão simplesmente indo atrás deles. E, na confusão de persegui-los no ambiente digital, é fácil esquecer que metade da audiência ainda vem da leitura impressa, por exemplo.

O Report dá cinco temas principais que precisam estar no radar das empresas de mídia de notícias em 2016. O primeiro é investir na monetização de conteúdo: é cada vez mais claro pelo que as pessoas estão dispostas a pagar. A revista The New Yorker é um bom exemplo de paywall, bem como as experiências do La Press e do Toronto Star. A segunda dica importante: focar em mobile. O smartphone está transformando a maneira de contar histórias. O terceiro tema é vídeo, que mais do que um subtema de mobile, merece atenção especial, pois é o grande atrativo para os millennials e representa a fusão da TV tradicional com o vídeo online até 2020, território que a finlandesa Ilta-Sanomat e o Facebook dominam. O quarto tema essencial em 2016: distribuição de conteúdo. O que distribuir, como, o que priorizar, que parcerias estabelecer, em que plataformas. E, finalmente, o último tema e não menos importante: o Big Data.

Conclusões
Entre as conclusões, o Report cita o exemplo da General Motors e sua dolorosa e lenta transição cultural entre ser uma empresa de carros e tornar-se uma empresa do negócio da mobilidade, que lida com veículos sem motoristas, autoestradas conectadas, veículos elétricos e mobilidade compartilhada. Sua jornada, segundo o Report, não é muito diferente da que enfrentam as empresas de mídia na Era Digital. Entre os desafios está o de encontrar, nesse grande quebra-cabeças, o verdadeiro valor daquilo que se oferece, superar as batalhas culturais constantes internas e encontrar o equilíbrio entre o que se precisa saber, hoje, e o que será preciso saber em 2025, por exemplo.