Os últimos 50 anos foram marcados por uma série de acontecimentos sociais que mudaram o mundo. Mas não só isso: invenções nas mais variadas áreas ajudaram a construir a realidade que vivemos hoje. Para definir as mudanças de maior impacto nesse período, o propmark ouviu dois especialistas em inovação da Universidade de Stanford, na Califórnia, que ajudaram a construir uma lista com as 50 criações mais relevantes, apontadas nas páginas seguintes desta edição comemorativa. Os entrevistados, que responderam às mesmas questões, falaram ainda sobre outros aspectos da inovação em conversas exclusivas. Nesta página, o professor Edward Leaman, especialista em marketing e professor de Stanford há mais de 20 anos, recorda momentos importantes na história da humanidade e menciona os desafios mundiais para os próximos anos. Para ele, é preciso adotar uma postura inovadora para enfrentar e diminuir os contrastes sociais. Na página ao lado, o doutor Patrick Hunt.
Era mais desafiador ser inovador há 50 anos do que é agora?
Acredito que seja mais desafiador agora, por vários motivos. Uma das razões, obviamente, é que houve uma série de invenções antes desse período. Tantas coisas foram inventadas em centenas de anos e, de alguma forma, há menos coisas para serem inventadas. Mas também, por outro lado, hoje existem recursos mais sofisticados para criar, há muito mais variedade para inovar. Outro ponto é que começar algo hoje é mais difícil, embora em alguns lugares do mundo existam incubadoras focadas em inovação. Hoje também há um controle muito mais rígido em relação à inovação. Além disso, por séculos tivemos o que chamamos de inovação natural. Ou seja, as inovações surgiam de forma mais natural, o que é meio lógico de alguma forma. Hoje, o que existe é uma cultura da inovação, o que é muito empolgante. Resumindo, talvez seja mais difícil e desafiador ser inovador hoje, mas, por outro lado, há uma cultura da inovação na qual as pessoas estão cada vez mais conscientes do que necessita ser inovado, e isso torna tudo mais claro.
Em quais áreas a inovação mais impactou a sociedade nesses últimos 50 anos?
Eu diria que três áreas foram mais impactadas pela inovação. Primeiro a medicina, pois, como resultado das inovações nessa área, tivemos a melhora na qualidade de vida das pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que a atual geração de crianças viverá de 105 a 110 anos. E os filhos dessas crianças terão uma expectativa de vida de 125 anos. Tudo isso é resultado da medicina, que impactou de forma muito importante a vida das pessoas. A segunda área é a da tecnologia, e isso de forma ampla. E a terceira é um pouco obscura, mas diria “surveillance”, que é a capacidade de vigiar, via transmissões eletrônicas, as pessoas. Isso, definitivamente, mudou a vida das pessoas e a sociedade. Hoje todo mundo sabe onde todo mundo está. Especialmente nos últimos 15 anos, temos visto esse comportamento de vigilância crescer e isso está mudando a sociedade. Essas três áreas criaram espaço para a sociedade mudar, se desenvolver, e mudaram o comportamento das pessoas.
Na sua opinião, qual a principal inovação do mercado nesses últimos 50 anos?
O computador pessoal e a inteligência artificial são as principais inovações dos últimos 50 anos. As principais invenções são aquelas que abrem espaço para o comportamento das pessoas mudar. O iPhone, por exemplo, é algo que mudou o comportamento das pessoas, que passaram a ter uma série de informações, conectividade e interação na mão.
Se você tivesse de selecionar três exemplos de inovação em toda a história da humanidade, quais você selecionaria?
Para mim, é preciso citar a invenção do fogo, os armamentos e o uso de cavalos, que foram um grande marco e mudança na história da humanidade, e a roda. Todas essas invenções impactaram significativamente a humanidade.
Quais são os seus critérios básicos para definir um produto ou uma ideia como inovação?
Como mencionei, as invenções que de algum modo têm relação com o comportamento das pessoas são as mais relevantes. Mas também produtos e marcas que sejam funcionais e elevem algo a outro nível. Por exemplo, a máquina de escrever e o computador: existia algo para processar as palavras que foi melhorado e elevado a outro nível. Isso é inovação. Esse é o critério básico.
Como Stanford e outras universidades no mundo têm contribuído para o desenvolvimento da inovação?
Bem, o ponto de partida é ter as melhores ideias. As invenções começam sempre com uma ideia, com a habilidade de criar. Essas grandes universidades, como Stanford, Oxford, Cambridge, Harvard, Yale e tantas outras no mundo ao longo dos anos, têm mostrado talento e poder para inovar. É claro que há pesquisas, mas, sem talento e habilidade, nada acontece. Na verdade, você não precisa ir para as universidades para criar inovações, de verdade não precisa. O que acontece é que as universidades têm essa capacidade de desenvolver talentos, pois reúnem bons professores e bons pesquisadores que criam oportunidade de pensar. E é justamente do pensamento que as coisas surgem. Por outro lado, é preciso desenvolver a habilidade de transformar uma ideia em algo. Afinal, você não precisa de uma grande ideia que não funcione, é preciso fazê-la funcionar. Acredito que essas grandes universidades estão ensinando as pessoas a processar pensamentos em ações, em significados. Eu leciono em Stanford e, para mim, é um grande privilégio ensinar jovens mentes a alcançar outro nível. Isso me desafia.
Hoje em dia, mundialmente falando, quais áreas mais precisam de inovação?
Minha resposta mais sincera é a paz mundial. Estamos vivendo uma era de acontecimentos que geram grande impacto social. Fome, doenças, falta de comida, estamos caminhando para a escassez de alimentos. Tudo isso na sociedade precisa ser revisto, precisa de inovação. Esses são desafios e, ao mesmo tempo, oportunidades para inovar.
Qual a sua opinião em relação ao Brasil e a inovação? A cultura brasileira é inovadora?
Sei que pode soar estranho, mas acredito que uma das áreas em que o Brasil demonstra grande poder de inovação é a integração de raças. Na história do Brasil, a integração de diferentes raças em uma só cultura é algo muito inovador em comparação com parâmetros globais. Veja a questão dos negros e brancos nos Estados Unidos, por exemplo, que é muito séria e tratada de forma diferente do que acontece no Brasil. Para mim isso é realmente muito empolgante em relação ao Brasil e os brasileiros de um modo geral são bem inovadores.
Quais marcas e empresas você considera mais inovadoras nos dias de hoje? Por quê?
Muitos dizem isso, mas acredito que seja a Apple. Isso porque é uma marca que tem um conceito muito forte. Para ser inovador você precisa ter um conceito e a Apple faz isso muito bem. O que eles fazem não está relacionado somente ao dinheiro. É claro que também envolve lucro, mas, principalmente, em fazer as coisas da melhor forma possível. A Apple pensa em como fazer algo bonito e ao mesmo tempo funcional. Eles pensam em como pegar algo complexo e torná-lo simples, estão sempre criando algo inovador. Outro grande exemplo trata-se de uma pessoa: Elon Musk, da Tesla Motors. Este cara está criando novos comportamentos sociais. Ele é muito inovador. E, se você quer saber algo que realmente é inovador, eu diria os Beatles, que tiveram a habilidade de criar músicas que vivem por 50 anos. São autores de canções que continuam vivas nos dias de hoje, que soam tão atuais quanto eram em 1963. Isso, de tornar algo de outra época atual muitos anos depois, é muito inovador. Além disso, os Beatles mudaram o mundo da música e continuam mudando, continuam sendo importantes, inspirando compositores de uma nova era. Isso é muito relevante. Quando eu tinha 18 anos, trabalhei em uma loja e lá tive a oportunidade de conhecer todos os integrantes dos Beatles e ajudá-los com suas roupas e figurinos. Aquilo mudou minha juventude, me fez ligar meu cérebro. Eu tinha um estilo de vida e aquele momento me influenciou a mudar meu caminho, me fez investir na área criativa. Esse poder de mudar a vida das pessoas é inovação.
A inovação está atuando de forma eficiente contra o contraste social?
Não, não está trabalhando suficientemente, mas deveria. Acredito que os contrastes sociais são muitos e a inovação tem pela frente uma grande oportunidade. Para os inovadores, este é o desafio. Para mim, isso é extremamente motivador, saber que podemos contribuir para a diminuição dos contrastes sociais. Esse, na verdade, é o grande fundamento para a inovação daqui para frente.
Qual o maior desafio para a inovação no futuro?
É um desafio que a inovação nos envolva como um todo, como cultura, para que no futuro as pessoas possam entender as áreas que necessitam ser inovadas e criar essas mudanças. É preciso entender e adquirir consciência, fazer essa conexão e dar sentido a algo que é inovador. A jornada da inovação parte de um ideal, um sonho, uma imagem na sua cabeça, algo que você transforma em realidade para assim mudar as coisas.