Divulgação

Quantos jeitos existem de se contar uma história? Infinitos, você diria. No que você está certíssimo. Mas eu diria três:
1 – o ruim;
2 – o correto (o pior de todos);
3 – o que fica marcado para sempre (ou por muito tempo) na cabeça dos outros.
E me ateria ao terceiro, já que o tema aqui é inspiração.

Invejo profundamente (inveja que se transforma em inspiração) a capacidade daqueles poucos loucos que se debruçam meses, anos ou décadas a fio sobre um mesmo propósito, sobre um mesmo trabalho. Seja ele um quadro, um livro, uma música (será que Caetano escreveu ‘O quereres’ numa sentada só?) ou algo bem mais terreno e temporário como uma peça publicitária. Diferentemente de muitos publicitários, eu não sou nada além de publicitária.

Sempre fiz isso na minha vida e, provavelmente, a menos que comece a jogar na loteria (tem como ganhar sem jogar?), farei isso por muito tempo. Não estou publicitária, sou publicitária, desculpem-me os mais pudicos. Tudo isso para dizer apenas que vejo poesia, sim, no nosso ofício. Mesmo na era dos já tão gastos experimentos sociais, da saída fácil pela propaganda verdade, dos grandes videocases que camuflam a falta de ideias, da síndrome de nos autorreferenciarmos e, portanto, nos alimentarmos daquilo que nós mesmos já fizemos, o que vale mesmo é uma boa história e bem contada.

A propaganda ainda é sobre contar histórias. E aí é que entra o número três lá de cima. Como contar de um jeito inesquecível? Quase sempre nunca é do jeito mais fácil, nascido da primeira solução. A melhor ideia pode até ter sido a primeira.

Mas a execução, essa sim, requer um tantão mais de suor. E os detalhes de uma execução, às vezes, são até mais interessantes de se conhecer do que o todo. Acho que em toda minha vida nunca consegui chegar no final da transmissão de um Oscar. Invariavelmente, durmo bem antes e fico sabendo quem levou o melhor filme ou melhor ator/atriz só no dia seguinte. O que me incomoda muito pouco, porque o que gosto mesmo é de ver as categorias técnicas. Adoro saber que existem doentinhos que gastaram meses apenas para chegar na construção do rosto de Bill Turner, saber quem está por trás dos figurinos de qualquer filme de Tim Burton ou ainda quanto sofreu a pobre alma que adaptou o roteiro de clássicos como Guerra e Paz (já pensou no tamanho da responsabilidade?).

Impossível não admirar a editora de Mad Max, que recebeu 480 horas para transformar num filme de duas horas. A mulher levou três anos para finalizar esse trabalho. Não é um, não são dois, são três longos anos. Recebia até 20 horas de material por dia para editar. Não desistiu, talvez tenha enlouquecido um pouco, levou um Oscar.

Diz a lenda, por exemplo, que para filmar uma cena banal de um aperto de mãos entre Tom Cruise e seu médico em Eyes Wide Shut, Stanley Kubrick fez 16 takes. Duas horas e 16 takes para ter um “Oi, boa noite”. Ou ainda: 95 takes para o mesmo Tom Cruise cruzar uma porta. Desnecessário? Totalmente, se você não fosse o Kubrick. Vale lembrar que, também no nosso ofício, Deus está nos detalhes.

Iñarritu, por exemplo, poderia não ter ido acordar uma família com sua câmera. Mas ele não teria captado os olhinhos inchados da menina acordando de verdade no impecável filme de P&G para as Olimpíadas. Produções publicitárias não têm a prentensão de ser arte, mas chegam bem perto se houver dedicação obsessiva. Certamente, e quem há de duvidar?, a inspiração pode estar em qualquer canto.

Numa anedota que você ouviu recentemente, na lógica aparentemete tão ilógica da cabeça de seu filho, no sabor novo de um prato que você nunca tinha comido, nas palavras soltas de um amor recente, naquela música que você ouve há anos em looping ou naquela que você acabou de descobrir.

Mas, para mim, inspiração mesmo é olhar o trabalho alheio e me encantar quando a pessoa não se rende e tão pouco se curva às facilidades e à pressa atuais. Inspiração, para mim, são os Dom Quixotes defensores de uma boa ideia. Aqueles que travam batalhas diárias contra os moinhos da mediocridade. Enxergar no outro um trabalho impecável e, portanto, invejável, é o que ainda me faz querer ir além.

Sophie Schonburg é vice-presidente de criação da mcgarrybowen