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Anos 1980. Serginho tem aproximadamente 24 anos. Morador de Campo Grande, no Rio de Janeiro, começou a trabalhar cedo, o que dá a ele uma condição financeira melhor do que a maioria dos seus amigos. Um desses amigos é um mulato puxado pro gordo, que todos chamam de Chevette.

Em 1983, Serginho compra um Ford Del Rey Ouro. Não era um Ford Del Rey qualquer. Era um Ouro, o top de linha. Completo.

E nesse completo se destacavam o ar-condicionado, não muito comum naquela época, e um reloginho com neon azul, bem típico, pouco acima do retrovisor interno.

O passeio inaugural do Del Rey Ouro seria um fim de semana em Petrópolis, onde Serginho tinha certeza de que abafaria chegando no seu novo brinquedo.

O parceiro não poderia ser outro: Chevette, amigo que topava todas.

Para a entrada em Petrópolis ser triunfal, eles passam numa loja de fogos e compram o famoso Caramuru 12 por 1. Adoram fogos de artifício.

Agora é estrada. Belo desempenho do Del Rey subindo a serra. Del Rey não: Del Rey Ouro. Na Rio-Petrópolis, já na entrada da cidade, a parada no Alemão é clássica.

E, para sorte, tem uma vaga na porta. O Del Rey ficará bem à vista, como um cartão de visita. Dois pães com linguiça e dois chopes.

E eles têm certeza de que a mulherada já notou sua presença. Deles e do Del Rey Ouro. Embarcam novamente no carrão e adentram a cidade. É sábado, por volta das 13 horas, e a praça principal estará lotada.

Com muitos descendentes de europeus, Petrópolis é caracterizada pelas loiras. De todos os tipos e todas as idades. Serginho e Chevette adoram loiras.

Falta uma curva para avistarem a praça (e as loiras). Serginho dá a coordenada:
Chevette, pega o 12 por 1.

A ideia é soltar os fogos pela janela do Del Rey e chegar triunfalmente.

Que loira não notaria a chegada deles e do Del Rey Ouro? Depois de uma chegada como essa, era só escolher a gata.

Chevette pega o Caramuru 12 por 1 no banco traseiro. Chique, acende o pavio com o isqueiro do carro. Displicentemente, aponta o artefato para fora e para o alto. Chegou a hora.

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Mas um Del Rey Ouro tem suas particularidades. Pouco acostumado a andar em carros com ar-condicionado, Chevette esqueceu que o vidro estava fechado. No calor do Rio, ele nunca fechava o vidro.

E o Caramuru não perdoou. E detonou dentro do carro mesmo: pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow, pow!!!!

E o último, mais poderoso: POW!!!!!! Dentro do Del Rey Ouro, fumaça pra todo lado e ouvidos zunindo.
Serginho olha pra frente e vê uma luzinha azul se mexendo.

Ele fala com Chevette: – Chevette, tô vendo uma luzinha azul… a gente tá no céu… a gente morreu..
Chevette: – Eu também tô vendo… Mas eu tô te ouvindo direitinho… morrer é assim??? Dentro do Del Rey, a fumaça vai se dissipando. Não, eles não morreram.

A tal luzinha do céu era o reloginho azul exclusivíssimo do Del Rey Ouro que soltou do teto e estava balançando de um lado pro outro.

Graças a Deus, não aconteceu nada com eles. Só ficaram um pouco chamuscados. Desceram do Del Rey Ouro, cheio de populares e de loiras rindo baixinho em volta, e foram contabilizar o estrago dentro do brinquedo novo, vermelhos de vergonha.

Serginho e Chevette são dois amigos lá de Campo Grande, terra cheia de histórias. É isso que me inspira: o que eu vi, ouvi e vivi. Numa próxima oportunidade eu conto outra.

Rodolfo Sampaio é sócio e vice-presidente de criação da Moma Propaganda